Quando o assunto ‘relacionamento abusivo' vem à tona, normalmente as pessoas fazem relação com agressões verbais e físicas de homens extremamente violentos contra mulheres fragilizadas dentro do ambiente domiciliar. Apesar de grande parte dos casos acontecerem nestes moldes, outra parcela acontece ‘por baixo' dos panos. Os socos são substituídos por palavras agressivas, os xingamentos dão lugar ao roubo da individualidade. Os empurrões viram palavras ofensivas destinadas a sua personalidade.

Dentro de cenários muito variáveis, quando se fala em relacionamento abusivo, que pode acontecer de forma oculta ou até mesmo em frente a milhares de telespectadores – como é o caso de Bruna e Gabriel no BBB 23 – é importante ressaltar que o pior nível do preconceito de gênero traça um caminho árduo, normalmente iniciado na violência psicológica, partindo para agressão física até, por fim, o feminicídio.

Bruna Griphao. Atriz, jovem de 23 anos, bem-sucedida, com carreira em ascensão, dona do próprio dinheiro e das próprias atitudes. O ‘furacão' de mulher chegou abalando as estruturas da casa mais vigiada do Brasil logo nos primeiros dias de reality, surpreendendo o público de fora por sua personalidade astuta e empoderada de quem está no comando da vida. O que ninguém esperava – especialmente ela – era que muita coisa mudaria a partir do seu relacionamento de poucos dias com Gabriel Fop, o ex-galã da edição.

Com a mesma intensidade que o namoro se desenvolveu, ele também decaiu a por atitudes abusivas de Fop contra a garota. Em pouco mais de uma semana, o que era para ser uma história de amor se tornou um grande pesadelo. Num estalar de dedos, o furacão de Bruna Griphao se tornou uma brisa perante agressões psicológicas vividas com o seu agressor.

Do lado de cá, a agonia para quem assiste o programa é constante perante cenas que comprovam o relacionamento abusivo em sua forma mais escancarada. Então, fica o questionamento: se um homem se sente à vontade de ser uma abusador em um programa ao vivo assistido por milhares de pessoas, o que essa sociedade faz para ajudar aquelas vítimas que não têm ninguém olhando por elas?

Bruna Griphao e Gabriel Fop

Bruna e Gabriel começaram o relacionamento na primeira festa da edição, na última quinta-feira (18). Apesar de estarem juntos desde então, atritos constantes são vividos pelo casal, o que causa desconforto entre demais participantes e público.

Gabriel, por exemplo, reclama que a atriz o interrompe constantemente, a chama de “grudenta”, “sarna” e exige que ela fique quieta. Constantemente, essas interações foram agressivas, segurando Bruna pelos ombros, elevando tons de voz e ignorando completamente o lado da garota.

A situação ficou tão intensa que a Globo precisou intervir no programa – algo que não aconteceu na época entre Emilly e Marcos no BBB 17, diga-se de passagem – após as ações de Fob ganharem proporções negativas aqui fora. Confira:

Após a fala de Tadeu, Bruna e Gabriel chegaram a conversar sobre as atitudes um do outro. Apesar dos pedidos de desculpa e a decisão de afastamento unânime entre os dois, a grande armadilha já havia sido posta ali: como a mulher – mesmo sendo empoderada e bem longe do estereótipo fragilizada ‘mãe de família' – não consegue perceber quando está numa dinâmica tóxica com o outro.

Vale entender, então, que nenhum relacionamento é bom quando você precisa viver batalhas constantes com seu parceiro. Mas, afinal, como identificar um relacionamento abusivo?

Ciclo do relacionamento abusivo

A psicologia entende que o relacionamento abusivo é caracterizado por várias facetas que podem parecer sublimes, portanto facilmente ignoradas, até a manifestação agressiva, o que cria o ‘ciclo abusivo'. Segundo a psicóloga analítica Manuela Persiani Vicentini, o ciclo consiste em três fases:

Primeira: aumento de tensão, coisas insignificantes começam a gerar irritação e acessos de raiva, onde a vítima se sente culpada pela indisposição ocasionada e busca maneiras de apaziguar a situação, evitando, assim, que o parceiro seja ‘provocado' novamente.

Segunda: fase consiste em atos de violência, que parte da primeira fase, onde a tensão acumulada leva o agressor ao limite, materializando sua ira em possíveis tipos de violência: verbal, psicológica, moral, sexual, patrimonial e física.

Terceira: o último ciclo é a fase “Lua de mel”, onde o abusador demonstra arrependimento e vitimismo baseados em remorso e promessas de reconciliação. É um período de calmaria, trocas afetivas intensas e dependência emocional da vítima para com o agressor. Ao fim da fase, um novo ciclo se inicia.

“Algo que pode contribuir para o fim desse ciclo é a educação, onde essa consciência a respeito desse tema e da própria figura da mulher possam ser resinificadas, onde ela possa sair desse lugar de submissa, de coitada, que precisa ser 100% zelada e cuidada, onde sua autonomia é apagada”, explica a especialista.

relacionamento abusivo
(Foto: Henrique Arakaki/Midiamax)

Para além da agressão física

A terapeuta e psicopedagoga Glaucia Benini ainda reforça que, na maioria dos casos, o relacionamento abusivo só é identificado na agressão física. Quando não identificado, as agressões psicológicas podem fragilizar tanto a vítima a ponto dela cometer suicídio. Assim, ela explica que os principais sinais são:

  • Pessoa começa a se anular, perder autoestima e vontade de fazer as próprias coisas. Passa a espelhar o comportamento e vontades dos outros;
  • Vítima começa a ficar extremamente fragilizada e emotiva, se afasta dos amigos e vive uma vida mais restrita com o parceiro;
  • Vítima está num relacionamento ‘io-iô', ou seja, sempre termina e volta;
  • Tem muito controle por parte do parceiro, como a roupa usada, amigos convividos, locais de trabalho e até horários de chegada em casa. Tudo disfarçado como ‘preocupação';
  • Vítima é humilhada, diminuída, comparada a outras mulheres – por aspectos físicos e de personalidade. Sentimento diário de culpa.

Por que mulheres são as principais vítimas?

As especialistas explicam que as mulheres são as principais vítimas do relacionamento abusivo por causa da herança histórica patriarcal que até hoje tem forte influência na vida das pessoas.

“A cultura patriarcal é a grande chave que sempre envolve essas mulheres, porque consiste na figura do homem sempre assumindo a figura de autoridade na vida de qualquer um, seja política, moral, religiosa e afins. É o homem como centro da relação”, comenta Manuela.

Reproduzida por séculos na sociedade ocidental, a cultura contribuiu para que mulheres fossem inseridas nesse contexto como dependente da figura masculina, seja para aspectos financeiros ou emocionais.

Prejuízos para filhos no ambiente familiar

Glaucia Benini ainda explica que o relacionamento abusivo afeta a mulher de diversas formas, como viver sob estresse, tensão e com medo, algo que pode fragilizar o seu emocional e facilitar o desenvolvimento de doenças físicas e mentais. Para casais com filhos, essas consequências também podem ser observadas.

criança diante de relacionamento abusivo
(Foto: Arquivo Midiamax)

“Afeta muito a vida de bebês, crianças e adolescentes. A criança começa a crescer com insegurança num ambiente instável, começa a sentir medo, pode levar a má formação da personalidade, comportamento de depressão, insuficiência, automutilação e desencadear sintomas graves de personalidade, psicose, consulta agressiva, busca por substância químicas. Os efeitos são devastadores”, explica.

Qual a melhor forma de intervir?

Glaucia e Manuela explicam que várias coisas podem ser feitas na hora de intervir em um relacionamento abusivo. Uma delas é promover a conscientização e educação sobre o tema para que as vítimas consigam colocar o fim no ciclo ao identificá-lo. Na hora de observar o relacionamento, mulheres devem se questionar se estão felizes, se o relacionamento está fazendo bem ou muito nervosa.

“Nós somos um espelho. Se a relação é boa, a mulher se sente bem. Se ela se sente mal, é porque a relação está desconstruindo”, explica Glaucia. Buscar acompanhamento médico e psicológico, bem como pedir medidas protetivas, são outras formas de intervenção. Amigos e familiares também têm papéis importantes para ajudar a vítima a identificar os malefícios da relação.

É crime, não vitimismo

O relacionamento de Bruna e Gabriel no 2023 é apenas a ponta do iceberg de um problema social que há anos assola milhares de mulheres, mas só recentemente ganhou – literalmente – os holofotes. Num país onde o índice de feminicídio é altíssimo, já era de se esperar que muita gente ainda ficaria ao lado do ‘galã'.

Mas acima de qualquer preconceito existente, a lei existe para garantir Justiça. Por isso, a legislação define que a violência psicológica é crime e pode resultar em do agressor. Para que casos como esses sejam evitados, a sociedade tem papel fundamental na hora de denunciar.

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