Na periferia de Campo Grande, playlist é reflexo de conflito entre funks antigos e ‘proibidão’

Moradores da periferia de Campo Grande listaram os ‘hits’ musicais que irão compor a playlist das festas de fim de ano

Ouvir Notícia Pausar Notícia
Compartilhar
Maioria das músicas citadas nos bairros condiz com algumas das mais procuradas no Spotify (Foto: Nathalia Alcântara / Jornal Midiamax)

O fim do ano chegou e, como sempre, acompanhado das tradicionais festas e confraternizações do período. Mas qual será a música ou cantor que irá dominar o som nos próximos ‘rolês’? O Jornal Midiamax visitou a periferia de Campo Grande para ouvir dos jovens qual a tendência musical para o fim do ano. E entender com um especialista como as letras atuais influenciam uma geração.

Em um mundo onde a indústria cultural está cada vez mais imediatista, a tendência para dezembro parece ser o que mais aparece nas redes sociais, de acordo com uma moradora do bairro Celina Jallad. “Roça em Min, do Zé Felipe, e Revoado, do MC Daniel, são músicas que você grava a letra de tanto que o povo coloca nos stories”, disse Ana Lurdes, de 19 anos.

Também moradora do Celina Jallad, a dona de casa Julia Silva, de 20 anos, ditou a sua playlist de fim de ano e os motivos que a influenciaram na escolha. “DJ Guuga, MC Pipokinha e mais o MC Daniel, porque ele é lançamento e está virando febre nas redes. Também pela música, pela voz e pelos homens bonitos”, disse ela.

Sentado em um banco às margens da Lagoa Itatiaia, no bairro Jardim Itatiaia, o atendente comercial Allison de Souza Brites, de 20 anos, listou os hits que estarão no seu fim de ano.

Allison de Souza Brites (Foto: Nathalia Alcântara / Jornal Midiamax)

“Será o MC Ryan, ele está bem famoso e fazendo feat com vários cantores famosos, acompanho ele no Instagram e curto mais a música ‘Casei com a Putaria’. Depois da morte do MC Kevin ele estourou, porque era amigo do ‘cara’. A dois anos atrás ele era o auge do entretenimento. O Natal será em família, mas o ano novo será ouvindo esses hits”, disse ele.

Briga de gerações

No Portal Caiobá 2, a cabeleireira Amanda Monteiro, de 37 anos, tem uma perspectiva diferente sobre a música funk da atualidade. “Os funks antigos eram mais gostosos de ouvir. Não eram os funks ‘besteirentos’ de hoje em dia”, disse ela.

Indagada sobre o que ouvirá na sua festa de fim de ano, ela também listou o funk, mas com ressalvas. “Vou ouvir sertanejo, axé, pagode antigo e funk. Gosto do funk de hoje por causa da batida e ritmo, tem funk que não tem besteira. Mas quando tem besteira eu mando as minhas filhas tirarem. A maioria é muito machista”, concluiu.

Perspectiva da psicologia

Ao Jornal Midiamax, o psicólogo Renato Martins de Lima, de 37 anos, explicou o motivo dessas músicas serem as mais vendidas do mercado fonográfico brasileiro.

“Toda música popular vende, justamente porque é popular. Ou seja, se pegarmos o gênero funk, por exemplo, ele desce o morro e ganha as Trends internacionais do TikTok e se massifica. Precisamos analisar dois fenômenos: o primeiro é o conceito de popular, sim, o mesmo presente na sigla MPB que nasce dos festivais de música que arrastavam multidões, ou seja, era – na época – um estilo popular. Igualmente o funk, algo que é popular oferecer um caráter de ‘pertencimento’, por isso a fidelização das massas a determinados estilos”.

E completou explicando que “o segundo, é a viralização. A grande maioria das pessoas que ouvem e dançam essas músicas não, necessariamente, o fazem a partir de uma crítica sobre o ritmo, as letras e o contexto, mas o fazem para se sentirem parte de um movimento que os iguala ou ao menos os aproximam das pessoas e dos padrões que eles desejam e admiram. Exemplo: o Funk do Tubarão te Amo que está nas trends do TikTok, quando eu faço a mesma “dancinha” que o artista que eu gosto faz, ou o influencer que eu sigo fez, ou até mesmo quando a pessoa mais popular da escola fez eu crio algo em comum com esses ‘ídolos’, assim sinto que tenho algo em comum com eles. É preciso destacar que isso não é novo. Nos anos 1990 tivemos a era do Axé, da boquinha na garrafa que replicava esse mesmo movimento. Então, não é sobre um ritmo ou um gênero musical, é sobre um comportamento humano”.

Amanda Monteiro (Foto: Nathalia Alcântara / Jornal Midiamax)

O profissional também discorreu sobre o papel das redes sociais em relação às músicas e o possível processo de empobrecimento que elas podem causar ao indivíduo.

“Quando falamos de TikTok precisamos entender da Geração Z (nascidos entre 1995 e 2010), essa geração tem algumas características muito particulares… Elas transam menos, abandonam mais seus empregos e se expressam pelo TikTok. Nessa lógica, a rede assume papel de interlocutora de comportamentos com a sociedade. Já reparou que a maioria das dancinhas são de pessoas sozinhas? Essa geração tem menos interações físicas. Há uma indústria cultural que produz músicas e danças para viralizar nas redes e nessa indústria, basta um grande influencer pago para fazer a dança que os seguidores replicam como forma de se integrarem ao movimento. Isso nos mostra que essa geração não quer ser diferente, quer ser igual, repetir, replicar. Aqui há uma série de empobrecimentos pelas perdas e concessões que essa geração fez e faz. E os efeitos colaterais já estão surgindo”, concluiu.

Termômetro musical do século XXI

Referência quando o assunto é ouvir música, o aplicativo Spotify pode ser utilizado como o termômetro na hora aferir as composições mais ouvidas nos dias de hoje. Em harmonia com o que foi dito nos bairros de Campo Grande, parte das músicas citadas está entre as mais ouvidas no aplicativo em pesquisa realizada no dia 14 de dezembro de 2022.

Captura de tela realizada no dia 14 de dezembro de 2022 (Foto: Reprodução / Spotify)

Conteúdos relacionados