Entre os obstáculos do combustível e a devoção, motoristas profissionais persistem na direção

Apesar dos altos custos para a manutenção dos veículos, motoristas persistem no ramo por amor ao ofício

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Motoristas carregam "amuletos" e frases para se protegerem na estrada. (Foto: Marcos Ermínio/ Midiamax)

Por um sonho de infância ou pela liberdade de fazer seu próprio horário, em diferentes categorias dos motoristas profissionais há um motivo especial para continuar no ramo, apesar das dificuldades. 

Os altos custos de manutenção de um veículo, o encarecimento dos combustíveis nos últimos meses e a segurança durante o expediente desanimam, mas a vontade de continuar a trabalhar dirigindo os motiva a persistir.

Nesta segunda-feira (25), é celebrado o Dia de São Cristóvão, santo padroeiro dos motoristas. A ele são feitas orações com pedidos de proteção e prosperidade por quem o trânsito é o local de trabalho por longas horas. Além da fé, há quem se agarre na oração, em bíblia, no terço, em uma foto ou frase no veículo para enfrentar as ruas e rodovias.

No carro da motorista de aplicativo Karine Fátima dos Santos, de 40 anos, um bonequinho de Jesus pendurado no espelho a acompanha durante as viagens. Trabalha desde 2018 no ramo e, mesmo com passageiros mal humorados, ruas esburacadas, e o sentimento de insegurança, nunca sofreu violência durante o serviço.

Boneco de Jesus que acompanha Karine diariamente no carro foi presente de sobrinha. (Foto: Arquivo Pessoal)

“Tenho certeza que nada me aconteceu de ruim por ter Deus e Nossa Senhora do Perpétuo Socorro intercedendo por mim e de São Cristóvão que é o padroeiro dos motoristas”, ela diz.

Já o caminhoneiro devoto de Nossa Senhora Aparecida, Antônio Job, ficou sem freio na carreta enquanto descia uma rodovia em Goiás, no ano passado. O coração acelerou e o desespero bateu. Afirma que não sabe como fez o veículo parar, mas atribui à santa o livramento nesse dia. 

“Rapaz, se não fosse ela não estaria trabalhando nessa área, sabe?”, garante.

Antônio Job trabalha há dois anos como caminhoneiro, mas sonho de trabalhar no ramo o acompanha desde a infância. (Foto: Marcos Ermínio/ Midiamax)

Sobre as dificuldades de ter como ofício a direção, o motorista de aplicativo Diego Diniz, de 29 anos, menciona a falta de incentivos fiscais, como desconto no IPVA (Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores), e a desatualização do valor cobrado por viagem pelas plataformas.

“Acredito que devem ser melhoradas as tarifas que os aplicativos colocam nas corridas e os descontos que são altos sobre o motorista que trabalha o dia todo, além que temos gastos com combustível, manutenção do carro, saúde física e mental”, ele enumera.

Diego ganhou da mãe o chaveiro de Nossa Senhora Aparecida (Foto por Arquivo Pessoal)

Para Karine, que tem o hábito de trabalhar de madrugada, o medo de ser assaltada ou assediada é constante. “O aumento da gasolina também estava difícil, ainda bem que baixou. Para melhorar seria interessante ter carteira assinada e ter mais respeito e valor na profissão”, ela deseja.

O taxista há 23 anos Pedro Fernandes, de 48 anos, afirma que o poder aquisitivo caiu muito depois das altas dos combustíveis e o encarecimento da manutenção do automóvel. Continuar como taxista não compensa como anos atrás. Ele também menciona as “pegadinhas” que as obras que ocorrem pregam no centro da Capital, como outra dificuldade para dirigir em Campo Grande.

“A baixa dos combustíveis aliviou o bolso e o reajuste da tarifa do táxi também ajudou, mas o que tinha que baixar mais era o preço do diesel porque o transporte das mercadorias é feito por caminhão. O preço ideal da gasolina para mim seria R$ 4,80, e estourando R$ 5”, ele torce.

O litro da gasolina e diesel ultrapassou os R$ 8 em Mato Grosso do Sul em junho e os R$ 7 em Campo Grande, após sucessivos reajustes feitos pela Petrobras, influenciados pelos cenários econômico e energético internacional.

Após a redução da tarifa do ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias) e o governo federal zerar a alíquota do PIS/COFINS para combustíveis, o menor valor para o litro da gasolina encontrado na Capital, em pesquisa do Midiamax, realizada na última sexta-feira (22), foi de R$ 5,19.

Mesmo com a queda no preço dos combustíveis, o caminhoneiro Emerson Assis, de 37 anos, que trabalha no ramo há 12 anos, afirma que o valor cobrado continua caro. “Tá difícil ainda, o frete não acompanha o diesel, sobra pouco”.

Encontramos Emerson, que é do interior de São Paulo, na última sexta-feira (22), em passagem por Campo Grande. Ele afirma que em Mato Grosso do Sul a estrada é estreita, o que torna difícil transitar, mesmo nos trechos em que há cobrança do pedágio.

“É mal feito demais, aqui em Mato Grosso do Sul é difícil. É caro, a maioria dos trechos não são duplicados, é um dos piores [estados para transitar]”, critica.

No mesmo sentido, o caminhoneiro há 12 anos Marcos Roberto Ramalho, de 44 anos, considera as estradas e estruturas ruins para dirigir. “Tem lugar que não tem acostamento, muitos restaurantes não tem banheiros ou se tem precisa pagar”, ele conta.

Emerson, o caminhoneiro paulista, estava há 30 dias na estrada e pretendia voltar na semana seguinte para casa, onde tem esposa e filhos com dois e oito anos de idade. 

A saudade do lar é grande e está ansioso para voltar para eles, mas longas jornadas são constantes na vida do motorista e garante que não pretende abandonar o ofício mesmo com as dificuldades. “Eu gosto da sensação de liberdade”, ele expõe.

Caminhoneiro Emerson faz longas jornadas. (Foto: Marcos Ermínio/ Midiamax)

Gostar de dirigir e liberdade foram as principais respostas dos motoristas desta reportagem sobre o que os motiva a continuar na profissão, apesar de tantos obstáculos. Karine também disse que gosta de ajudar os passageiros, saber que é essencial para alguém que precisa de uma corrida. Diego mencionou a flexibilidade para fazer os horários de serviço e poder passar mais tempo com a família. 

“Gosto de conhecer pessoas, conversar, estar na rua e ver a cidade mudar. Trabalho mais de 12 horas por dia, tenho amor à profissão, mesmo não rendendo tanto”, conta o taxista Pedro Fernandes.

“Tem gente que fala que não compensa ser caminhoneiro, mas a gente não larga porque gosta”, defende Marcos Roberto, que mora em Bandeirantes (MS), e faz frete com frequência para o Pantanal.

Ele tem esposa, uma filha e dois meninos gêmeos que, desde novos, a dupla de caçulas acompanha a paixão do pai por caminhão. Na infância, Marcos admirava o tio que dirigia do Paraná até o Acre como caminhoneiro. Agora, ele é quem influencia os filhos que gostam de viajar com o pai no período das férias escolares.

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