Greve ‘coincide’ com véspera de julgamento que pode anular concessão bilionária do Consórcio Guaicurus
Para motoristas, atraso de vale com adiantamento do salário foi pressão para início da greve
Aliny Mary Dias –
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A greve de motoristas de ônibus do transporte coletivo de Campo Grande, iniciada na madrugada desta terça-feira (21) e sem previsão para término, acontece exatamente uma semana antes de julgamento que pode anular a concessão do Consórcio Guaicurus. Desde 2012, o grupo de empresas explora o transporte coletivo da Capital com estimativa de faturar até R$ 3,4 bilhões até 2032, último ano de vigência da concessão.
Marcada para o próximo dia 28 de junho, a audiência de instrução e julgamento será presidida pelo juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos. O julgamento dá início ao desfecho de um processo de investigação iniciado em 2019 pelo MPMS (Ministério Público Estadual) e que chegou ao Judiciário em setembro de 2020, em forma de ação civil pública.
No processo, o MPMS elencou uma série de irregularidades identificadas durante a investigação e que, na visão da 30ª Promotoria de Justiça de Campo Grande, são suficientes para anulação do contrato.
Entre os problemas na concessão apontados pelo MP estão 6 pontos principais:
- apresentação de garantia de proposta das empresas concorrentes antes da sessão pública de abertura dos envelopes com as propostas;
- determinação do município de que empresa vencedora pagasse R$ 5,5 milhões ao município em 180 dias;
- ausência de justificativa técnica da empresa vencedora sobre exigências de frota e serviço;
- modelo da licitação no formato melhor técnica e preço que reduziu a competitividade do certame;
- ausência de parecer técnico que justificasse a composição do valor da outorga estabelecido em 70% “técnica” e 30% “preço”
- irregularidade do município em cobrar R$ 3 mil das empresas concorrentes para retirar cópia de documentação física referente ao edital de concorrência.
Todas as irregularidades apresentadas pelo MPMS são, ao longo dos anos, rebatidas tanto pela prefeitura de Campo Grande quanto pelo Consórcio Guaicurus. Atualmente, o processo possui 17,1 mil páginas.
Após a definição da data de audiência, a defesa do grupo de empresas tenta, desde o início de junho, postergar a realização do julgamento se opondo ao formato de videoconferência determinado pelo juiz Ariovaldo Corrêa.
Até a publicação desta reportagem não houve manifestação do Tribunal de Justiça a respeito do recurso e, até o momento, a audiência segue mantida para a próxima semana.
Ofício e pressão aos trabalhadores do transporte
Além da proximidade do julgamento, a greve dos motoristas do Consórcio Guaicurus também chama atenção por ter ocorrido de forma “repentina”, como os próprios motoristas relataram ao Jornal Midiamax.
A deliberação pelo fechamento das garagens se deu na noite desta segunda-feira (20) após decisão da direção do sindicato. Não houve realização de assembleia, como preconiza a legislação trabalhista e, por isso, muitos motoristas só souberam da greve quando chegaram para trabalhar nas garagens, na madrugada desta terça.
Presidente do STTCU-CG (Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Coletivo e Urbano de Campo Grande), Demétrio Freitas, afirmou ao Jornal Midiamax que a reunião entre a direção do sindicato ocorreu logo depois que o Consórcio Guaicurus compartilhou ofício enviado ao poder público, Ministério Público e ao próprio sindicato informando que o adiantamento do vale, que deveria ser pago até ontem (20), não seria quitado por dificuldades financeiras do grupo de empresas.
O documento foi assinado como recebido pela prefeitura de Campo Grande no dia 15 de junho. E o envio do documento por parte do Consórcio, segundo fontes ouvidas pela reportagem, representou pressão ao sindicato que decidiu pela paralisação, mesmo sem assembleia entre os trabalhadores.
Ação na Justiça pede fim da greve dos ônibus
Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo e Urbano de Passageiros de Mato Grosso do Sul protocolou na manhã desta terça-feira (21), junto ao TRT-24 (Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região), ação para barrar a greve dos motoristas do Consórcio Guaicurus, que paralisaram o transporte público mais cedo em Campo Grande.
A petição foi apresentada às 10h04, pelos advogados Raphael Barbosa e Felipe Barbosa, contra o ato deflagrado pelos filiados ao Sindicato dos Trabalhadores do Transporte Coletivo e Urbano da Capital. De acordo com Felipe, o procedimento trata-se de um dissídio coletivo, com pedido de liminar, para declarar a ilegalidade do movimento e restabelecer os serviços.
Consórcio diz tentar convencer motoristas a voltar ao trabalho
Advogado do Consórcio Guaicurus, André Borges disse ao Jornal Midiamax que o ofício encaminhado ao sindicato dos motoristas de ônibus no fim da tarde de ontem (20) justificava o motivo do vale não ser pago.
“O Consórcio dialoga com o sindicato para convencê-los para que eles voltem imediatamente ao trabalho”, afirma o advogado.
O grupo que explora o transporte da Capital alega que os valores presentes no contrato de concessão dos ônibus precisam ser reequilibrados e uma das alternativas é reajuste da tarifa cobrada aos passageiros.
Uma reunião está agendada entre a direção do Consórcio e a Prefeitura de Campo Grande para a tarde desta terça-feira e discutirá o assunto. O sindicato trabalhista afirma que os ônibus só voltam a circular na Capital nesta quarta (22) se o vale, que representa 40% dos salários, for pago até esta terça.
Prefeitura avalia ilegalidade de paralisação dos ônibus
O secretário Odilon Júnior, titular da Agereg (Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos), disse ao Midiamax que a greve, antes de ser iniciada, deve seguir alguns requisitos, sob risco de ser considerada ilegal.
Dentre os requisitos, consta, por exemplo, a realização de fórum e assembleia, bem como a manutenção de pelo menos 30% da atividade, em razão de ser considerado serviço essencial. No entanto, os indícios são de que todas as linhas estão inoperantes no momento.
Assim, a Procuradoria do município vai avaliar a legalidade do movimento e, se for o caso, mover ação para garantir o serviço à população. “Com certeza a Procuradoria vai analisar a situação e obrigar a manutenção do mínimo [de 30%]”, explicou.
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