Proposta da Fiems ‘abre a porteira’ para fuga de clientes da MSGÁS e perda de arrecadação do Estado

Projeto amplia a categoria de ‘clientes livres’, que podem comprar gás natural – e pagar ICMS – de outros locais

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MSGÁS pode sofrer perda substancial de receita caso projeto encabeçado pela Fiems se torne Lei
MSGÁS pode sofrer perda substancial de receita caso projeto encabeçado pela Fiems se torne Lei

Mudança na legislação sobre a comercialização de gás natural capitaneada pela Fiems (Federação das Indústrias de Mato Grosso do Sul) pode ‘abrir a porteira’ para a fuga de clientes da MSGÁS (Companhia de Gás de MS) — a qual o Estado detém 51% de participação — e causar perdas milionárias na arrecadação aos cofres estaduais. 

Um esboço do projeto de lei que pode ser apresentado na Alems (Assembleia Legislativa de MS) obtido pelo Jornal Midiamax revela a intenção da Fiems em ampliar o público que pode ser enquadrado como ‘cliente livre’, ou seja, que pode comprar o combustível de outra fonte. Isso permite, por exemplo, a compra direta de qualquer produtor ou importador de gás, eliminando o recolhimento do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços) por parte do Estado.

Atualmente, já existe a figura do ‘cliente livre’ em MS, conforme portaria nº 103 da Agepan (Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Mato Grosso do Sul), porém, de forma muito mais limitada, com uma série de exigências como ser cliente da MSGÁS por pelo menos 12 meses e consumir ao menos 150 mil metros cúbicos de gás natural por dia para clientes industriais.

Se aprovado, o projeto da Fiems vai permitir que consumidores de qualquer segmento de clientes possa comprar gás de outro fornecedor que não seja a MSGÁS, desde que consuma apenas 10 mil metros cúbicos mensais, ou seja, cerca de 333 m³ diários.


Trecho do esboço do projeto, que amplia o número de clientes da MSGÁS classificados como ‘consumidores livres’

Perda milionária de arrecadação

Conforme dados referentes a outubro de 2020 da Abegás (Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado) — da qual a MSGÁS faz parte —, o segmento industrial, apesar de ter poucos clientes é o que mais consome, ou seja, o que mais compra gás natural da empresa controlada pelo Estado de MS.

Assim, dos 10.278 clientes da MSGÁS, apenas 22 são indústrias. A maioria (9.766) são clientes residenciais. Porém, o volume de gás consumido pelas indústrias representa pouco mais de 50% de todo o combustível vendido pela companhia. São 536,6 mil metros cúbicos diários consumidos de um total de 1.054 milhão de m³ vendidos naquele mês.

O balancete da MSGÁS referente ao ano de 2020 mostra que a arrecadação com ICMS somente proveniente da venda de gás para indústrias foi na ordem de R$ 67 milhões do total de R$ 70,9 milhões recolhidos.

Até outubro de 2020, a MSGÁS contava com carteira de 10.276 clientes em Campo Grande, Três Lagoas e Corumbá. O volume distribuído é de cerca de 1,6 milhão de metros cúbicos de gás por dia e possui rede de distribuição de 355 km. Relatório de 2020 mostra que a companhia obteve lucro líquido de R$ 84 milhões em 2020.

Apesar do novo marco regulatório, sancionado em abril pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a competência para tirar o monopólio da distribuição cabe aos estados. Em MS, a MSGÁS detém esse monopólio, conforme o contrato de concessão da empresa, criada em 1998.


MSGÁS tem ramais que atendem Corumbá, Campo Grande e Três Lagoas

Visão da MSGÁS

Em nota enviada ao Jornal Midiamax, a MSGÁS informou que a empresa continuará recebendo de ‘clientes livres’ pela tarifa de distribuição e pontuou que a abertura de mercado pode ser benéfica ao Estado. “É fato que o Gás Natural funciona como um fator de fomento do desenvolvimento industrial e crescimento econômico do Estado, e a chegada de novos players é fator de competitividade que beneficia a ponta da cadeia, a população”.

Por fim, a companhia limitou-se a pontuar que “se o gás for comprado pela Comercializadora com escritório em MS os impostos de compra continuarão arrecadados pelo Estado”, finalizando a nota sem pontuar a possível perda de clientes ou de receita que a empresa pode sofrer.

A Fiems, presidida por Sérgio Longen, foi procurada pela reportagem para se posicionar sobre os benefícios econômicos ao Estado que o projeto, caso aprovado, pode proporcionar, apesar da queda de arrecadação, mas não se manifestou. 

A Sefaz (Secretaria Estadual de Fazenda) também não enviou posicionamento para a reportagem até a publicação deste material.

O espaço segue aberto para esclarecimentos.

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Sérgio Longen preside a Fiems, que encabeça proposta (Foto: Midiamax, Arquivo)

Reações e projeções de perdas no Amazonas

O esboço do projeto, já com termos trocados para Mato Grosso do Sul e MSGÁS, é uma cópia de Lei sancionada no início do ano no Amazonas, onde o estado detém 51% da companhia de gás CIGÁS — nos mesmos moldes como ocorre em MS.

Ainda no ano passado, quando uma primeira tentativa de aprovar o projeto fracassou, o governo do estado amazônico, por meio da secretária de fazenda, chegou a emitir nota oficial citando perdas na ordem de R$ 500 milhões aos cofres estaduais, caso a proposta se tornasse lei.

A situação mudou com o marco regulatório do gás, sancionado em abril de 2021, quando o governo federal prevê a abertura do mercado. Dessa forma, o Amazonas que já havia discutido o tema voltou a debater a questão e, dessa vez, teve a proposta aprovada e transformada em lei.

Outros estados como Bahia e Espírito Santo já contam com regulações estaduais que permitem a abertura do mercado de gás natural, que até então era restrita às companhias estaduais de gás ou a seleto grupo de ‘clientes livres’.