Considerada a maior das últimas décadas, enchente deixa comunidade quilombola isolada em MS
Moradores da comunidade quilombola Furnas da Boa Sorte se depararam com a maior enchente dos últimos anos em Corguinho.
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Desespero: foi esse o sentimento dos moradores da comunidade quilombola Furnas da Boa Sorte ao se depararem com a maior enchente dos últimos anos em Corguinho, a 96 km da Capital sul-mato-grossense. Na manhã de terça-feira (16), os moradores viram o quintal e a horta desaparecerem, tudo que se podia ver era a água. Era como se o rio tivesse invadido a comunidade.
Em 85 anos de vida, dona Orlandina jamais havia presenciado uma enchente como esta. Uma das anciãs da comunidade, Orlandina Maciel só percebeu o que estava acontecendo quando viu o chinelo boiando dentro de casa. “A água estava correndo mesmo. Eu vi meus chinelos rodando na água. Apanhei dois, quando vi o terceiro, já estava longe”, conta a idosa, que é deficiente física e estava sozinha em casa.
Porém, para contar esta história é preciso começar, é claro, do início. Mais precisamente, da estrada. A chuva transformou o cenário da comunidade antes mesmo de chegar até ela. O caos começa na estrada vicinal em direção à Furnas da Boa Sorte. São mais de 30 km de percurso, mas a tempestade causou tamanho estrago, que o trajeto se transformou em uma odisseia.
No caminho, já é possível perceber todo o caos que a tempestade causou. De longe, já é possível observar no morro as faixas de barro, que correm até as propriedades, demonstrando que houveram deslizamentos de terra pela região. Na estrada, são diversos pontos de atolamento e, ao lado do trajeto, já é possível perceber que a vegetação estava deitada, demonstrando que a água também passou por ali.
Logo na primeira ponte do trajeto já assusta quem passa pela região. No córrego Carrapato, a água estava muito próxima da plataforma da ponte. Moradores contam que no início da manhã de quarta-feira (17), a água ainda passava por cima da ponte. Chegar até a comunidade quilombola não foi fácil e até mesmo a equipe de reportagem atolou no local. Para buscar ajuda, foi preciso caminhar 2,5 km até uma fazenda próxima.
A tempestade derrubou a ponte de acesso à comunidade Furnas da Boa Sorte, no rio Maroto. Apenas alguns moradores vivem antes dela, como é o caso de Maria Bonifácia, de 52 anos. A moradora conta que vive há 36 anos na região e também nunca havia visto tamanho estrago. Ela percebeu a enchente quando a água já estava entrando pela cozinha. Quando decidiu abrir a porta, percebeu o que havia acontecido: o quintal havia sido invadido pela água e, do lado de fora, ainda havia algumas galinhas, desesperadas, tentando se equilibrar em uma cadeira, para não serem levadas pela água.
“A água chegou na altura dos joelhos, foi um desespero. Só consegui pensar na minha vizinha, que é idosa e estava sozinha, e na minha filha que estava em casa com quatro crianças”, relata. Foram mais de quatro horas em meio à água da enchente. Maria conta que não sabia o que fazer, portanto, a única saída que viu foi esperar a água baixar.
A filha de Maria, Maísa Maciel Ribeiro, de 29 anos, estava em casa com o marido e quatro crianças. Ela conta que também ficou apreensiva, ainda mais com os filhos em casa. “Primeiro, vimos a enxurrada correndo pela calçada de casa, isso nunca havia acontecido. Depois, a água começou a entrar pela porta da cozinha, chegou na altura dos joelhos”, diz Maísa. A única saída foi pegar as crianças menores no colo e também esperar a água baixar.
Depois que a água baixou, foi a hora de contabilizar os prejuízos. Por sorte, os moradores não perderam móveis e eletrodomésticos. Eles respiram aliviados, afinal, poderia ter sido pior. Dona Maria conta que algumas galinhas desapareceram, elas teriam sido levadas pela enxurrada. Além disso, as plantações de abóbora, mandioca e milho dela e de dona Orlandina também foram destruídas pela água.
Comunidade isolada
Apesar do cenário assustador, os transtornos foram piores do outro lado da ponte do rio Maroto. A tempestade derrubou a ponte e deixou a comunidade completamente isolada. O único jeito de atravessar é a pé, pelo rio. Algumas pessoas se arriscaram, já que a água do rio havia baixado.
Foi o caso de Jaice, que chegou com o esposo e a filha de caminhonete até a ‘beira’ da ponte. Por lá, deixaram o veículo e atravessaram o rio a pé. Depois, foram mais 3 km de caminhada até o ‘epicentro’ dos estragos causados pela chuva. Ela foi até a comunidade para ver como o pai estava.
A comunidade viveu momentos de tensão, quando uma criança teve que ser resgatada com uso de cordas. Ela tinha apenas sete anos e só conseguiu sair com a ajuda de moradores, que amarraram cordas nas árvores e, com muita cautela, conseguiram chegar à casa onde ela estava.
Além da água que invadiu as casas, até mesmo os veículos ficaram submersos e tiveram que ser amarrados às árvores para que não fossem levados pela enxurrada. “Ninguém nunca tinha visto uma enchente nesta proporção”, conta Jaice.
Situação de emergência
Em entrevista ao Midiamax na quarta-feira (17), a prefeita Marcela Lopes (PSDB) disse que iria decretar situação de emergência no município. Além dos alagamentos nas casas e estragos em seis pontos, a prefeitura identificou duas famílias que perderam os móveis e precisam de ajuda.
“Há 39 anos que vivo aqui e nunca vi uma situação assim, que desespero. Não houve perda humana, mas os danos são muito grandes”, lamentou a prefeita de Corguinho, Marcela Lopes. Até a manhã desta quinta (18), o decreto de situação de emergência ainda não havia sido publicado em Diário Oficial.
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