Após Covid aumentar desafios, a palavra de ordem nas aldeias de MS é resistir
Estado possui a segunda maior população indígena do País, que em 10 anos cresceu 42%
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Não bastassem problemas crônicos enfrentados pelos indígenas, como a violência, altos índices de suicídios, falta de assistência e até de água potável nas aldeias, a pandemia do novo coronavírus trouxe novos desafios a essa população – que em MS é a segunda maior do País e não para de crescer. Em meio ao cenário de dificuldades, eles demonstram que já estão acostumados com a superação.
“A gente tem que ser resistente. Costumamos dizer isso sempre, que devemos cada vez mais resistir. Não é uma pandemia que vai nos desanimar porque a gente já vem enfrentando vários tipos de problemas há muitos e muitos anos, e esse é só mais um. A gente coloca na cabeça nosso povo que tem que superar”, conta Isael Morales, cacique da Aldeia Jaguapiru, onde vivem cerca de 12 mil indígenas. A aldeia integra a maior reserva do Estado.
Nela, as celebrações tradicionais pelo Dia do Índio foram, pelo segundo ano, reduzidas em função da pandemia. Mas, o cacique detalha que a fé mantida na tradição e o ânimo estão sendo renovados. Para enfrentar os desafios, o foco têm sido os jovens.
“Hoje buscamos muito trabalhar o lado da educação, a questão de futuro na área profissional, principalmente. Temos muita dificuldade na questão de emprego. Sem estudo não temos a mínima condição de competir no mercado”, detalha ele.
O olhar dos indígenas para o futuro, que fica mais evidenciado neste 19 de Abril, não é apenas um fio de esperança, mas uma característica marcante desses povos e que os ajuda a enfrentar tantas dificuldades.
“É o feriado (nas aldeias) mais comemorado pelos povos indígenas. São alegres em meio às dificuldades. E é desta característica psicológica que vem a sua força. Os povos indígenas tem um grande futuro pela frente. Há muitos jovens e crianças nas comunidades e isso é sobretudo um fator de esperança”, afirma o professor da UFGD, Neimar Machado de Sousa, que acompanha de perto a realidade indígena local. Na avaliação dele, só o fato de estarem vivos já é um motivo para celebração.
Segurança alimentar
Entre os problemas agravados pela pandemia nas aldeias, a principal é a preocupação com segurança alimentar. “As demandas indígenas são contínuas. Hoje, a maior necessidade é a segurança alimentar, devido à pandemia. As outras podem esperar, mas essa não tem como”, explica o coordenador regional substituto da Funai em Campo Grande, Leopoldo José Costa.
Responsável pela área que abriga 41 aldeias rurais e outras 24 urbanas – em Campo Grande e seguindo de Porto Murtinho a Corumbá, incluindo Brasilândia, Aquidauana, Nioaque e Sidrolândia – ele detalha que mensalmente somente a superintendência tem distribuído cerca de 600 cestas básicas. Outras entidades também têm atuado para assegurar alimento em meio às dificuldades atuais.
“O desemprego também chegou nas aldeias. Tem aldeias em que os indígenas estavam trabalhando em industrias, como a JBS em Sidrolândia, e tiveram que ser afastados”, exemplifica.
Para superar os problemas, a aposta da superintendência tem sido criar estrutura de trabalho que permita aos indígenas produção própria. Entre as ações está a implantação de estrutura de apicultura na Aldeia Limão Verde, em Aquidauana, na última semana. “Implantamos com um cacique que é apicultor desde 2008”, detalha o superintendente.
Enquanto isso, os grandes desafios seguem, maiores até que a abrangência do órgão. Dentre eles, o processo judicial de demarcação de uma área de quase 170 mil hectares, entre Porto Murtinho e Corumbá. Reivindicada pelos kadiwéu, a judicialização dura mais de uma década. “Tem questões que são espinhosas. Demarcação de terra não depende só da Funai”, pondera.
Data se renova, mas problemas são antigos
Dificuldades de emprego, de condições para cultivar a terra, violência e alcoolismo ainda assolam as populações indígenas em MS. Nos últimos dez anos foram registrados 523 casos de suicídio em povos indígenas sul-mato-grossenses, segundo dados do Ministério da Saúde.
Em 2018, 93,6% dos suicídios indígenas do Centro-Oeste aconteceram no Estado, de acordo com o Ministério da Saúde. Segundo o CIMI (Conselho Indigenista Missionário), 31 casos de suicídio foram notificados no MS, em 2017. De acordo com dados do Ministério da Saúde, 64,5% dessas mortes foram na faixa etária de 15 a 19 anos. A faixa de idade que representa a esperança, por vezes tem sido a que mais precisa dela.
Apesar das dificuldades, os dados mais recentes divulgados pelo IBGE mostrou crescimento de 42% da população indígena em 10 anos. No Censo Demográfico de 2000 eram 53.900 indígenas no Estado, e em 2010 um total de 77.025 indígenas. A explicação para o aumento, segundo pesquisadores, demógrafos, antropólogos, está em uma conjuntura política mais apropriada para os indígenas no país, o que estaria ajudando a reverter a invisibilidade sociopolítica desse segmento populacional.
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