assumiu nesta terça-feira (2) a liderança em total de casos de coronavírus em Mato Grosso do Sul. O município registrou, desde o início da pandemia, 339 infectados com o causador da Covid-19, dos quais 19 pacientes, ou 5,6% do total, têm menos de 12 anos. O dado ainda mostra que a pandemia se instalou na cidade entre as camadas mais humildes da população, já que 12 dessas crianças vivem na Reserva –conhecida pela falta de infraestrutura e a situação de carência em que vivem grande parte de seus moradores.

O volume de crianças que contraíram o vírus em Dourados representa, sozinho, 25% do total em Mato Grosso do Sul. Quando esse recorte é feito para a área das aldeias Jaguapiru e Bororó, aponta-se que a reserva guarda dentro de seus limites 16% das crianças infectadas pelo coronavírus em todo o Estado –praticamente 1 em cada 6.

Os dados são resultado do cruzamento dos microdados do boletim divulgado pela SES (Secretaria de Estado de Saúde) na manhã desta terça com informações apuradas pelo Jornal Midiamax junto ao DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) de Dourados. O documento traz informações sobre o município de moradia, idade e possíveis comorbidades de cada pessoa que teve a infecção pelo coronavírus confirmada.

Os dados da SES, no entanto, podem já estar defasados: a DSEI já contabiliza nesta terça-feira 74 indígenas portadores da Covid-19 em Dourados, sendo que o Estado apontava 62 em seus levantamentos. Quanto a crianças com menos de 12 anos, são 14 nos dados do Distrito Sanitário –a reportagem considera os dados tabulados pela Secretaria de Estado de Saúde para permitir a comparação com o restante do Estado.

Segundo o levantamento, em Dourados, 19 infectados tem de 0 a 12 anos –12 seguem em tratamento e 4 delas já se recuperaram, sendo que não há informações sobre as demais. Na faixa etária são 9 crianças com menos de 5 anos de idade: 4 delas com menos de 1 ano; duas com 1 ano de vida; uma com 2 anos; e 2 com 4 anos.

Dos 5 aos 12 anos, são 10 casos confirmados na cidade (três crianças de 6 anos; duas com 7 anos; duas com 8 anos; 2 com 9 anos e uma com 10 anos). Nos dois agrupamentos, Dourados responde sozinha por praticamente um terço dos casos nas faixas etárias em todo o Mato Grosso do Sul.

A SES, por sua vez, soma 76 infectados pela Covid-19 com menos de 12 anos. Do total, 30 têm menos de 4 anos (12 estão abaixo de 1 ano e seis têm essa idade; quatro têm 2 anos, duas tem 3 anos e seis completaram 4 anos de vida). Há, ainda, 31 crianças de 5 a 9 anos e 15 com idades de 10 a 12.

Contaminação na Reserva Indígena

Infectologista da SES e do HUGD ( da Grande Dourados), Andyane Tetila acompanha a situação do coronavírus na Reserva Indígena. Segundo ela, a alta prevalência de crianças entre os infectados na comunidade, que soma cerca de 15 mil habitantes, deve-se “às particularidades do estilo de vida dos indígenas, somada à vulnerabilidade pela baixa renda e as condições locais”.

Além da infraestrutura local ser considerada precária e do fato de a grande maioria dos moradores ser de baixa renda, a médica lembra que “os moradores da reserva vivem em casas pequenas, em famílias com cerca de 10 pessoas. Vivem com os avós, a cunhada, tias, o marido e a mulher e as crianças. A constituição familiar é grande e geralmente conta com crianças pequenas convivendo com adultos”.

Além disso, Andyane ressalta que a constituição social dos indígenas inclui muito contato físico e convívio social. “É difícil manter o isolamento social nesses casos”, afirmou ela. Tal fato levou diferentes instituições que trabalham na reserva –como o MPF (Ministério Público Federal), Igreja Católica, DSEI e Casai ( Indígena) a trabalharem juntos para traçar estratégias de distanciamento.

Os primeiros 21 indígenas infectados pela Covid-19 foram colocados em um alojamento cedido pela igreja, de onde começaram a sair. Na sequência, com o apoio de Estado e município, foi constituída uma força-tarefa para testagem em massa, que permitiu a identificação “de 74 casos positivos de coronavírus de uma vez”. Aqui, porém, começaram os problemas para o isolamento.

A infectologista conta que, em determinado momento, os indígenas começaram a recusar os alojamentos para distanciamento social. “Os indígenas são mobilizados e têm informações, acesso à internet e celulares”, afirmou. “Ao verem que, ‘se o branco não vai [para isolamento]', perguntam o porquê de terem de ir”, prosseguiu. Situações como o medo de ter as casas saqueadas também influenciam na decisão.

Ao mesmo tempo, Andyane aponta que os moradores da reserva já começam a ser apontados como pessoas de risco e sofrerem preconceitos. O primeiro caso de Covid-19 na Reserva Indígena foi identificado em uma trabalhadora de um frigorífico da cidade –as indústrias do setor são um dos focos da doença no Estado. A partir daí, a família foi mapeada e as pessoas que tiveram contato com ela foram rastreadas.

Por outro lado, apesar do foco de coronavírus no local, ela salienta que a grande maioria dos casos surgidos foi de síndrome gripal, com poucas internações (cerca de 5) e nenhuma morte.