Após decretarem quarentena e estabelecerem regras para o funcionamento de diferentes atividades empresariais para tentar controlar o avanço do novo coronavírus, diferentes municípios do país decidiram afrouxar as regras a fim da “retomada da vida normal”. Dias ou semanas depois, grande parte dessas cidades revisa as normas e se prepara para um novo fechamento.
A “quarentena ioiô”, como acabou apelidada, já acontece no interior paulista e será realidade em Curitiba (PR, onde se cogita um lockdown), Grande Florianópolis (SC) e Porto Alegre (RS, que reativou uma série de restrições). E, em Mato Grosso do Sul, também começa a ser avaliada por algumas cidades que decidiram por um retorno ao “novo normal” cedo demais – ou iniciaram o processo de paralisação de atividades tarde demais.
“No ritmo que as coisas estão, Campo Grande terá de voltar a fechar no próximo mês. Dourados já deveria ter fechado”, avaliou o infectologista Julio Croda, da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), ao ponderar sobre a situação nas duas maiores cidades do Estado e atuais epicentros regionais do coronavírus.
Para ele, o misto de desobediência da população às medidas de distanciamento social e a falta de medidas mais severas e de condições do poder público em fiscalizar violações à quarentena criaram o cenário no qual Mato Grosso do Sul já tem mais de 7,3 mil infectados e 73 mortes confirmadas, até a manhã deste domingo (28).
Autoridades de Saúde são unânimes ao avaliar que, após três meses de medidas de restrição, é impossível manter as atividades econômicas paralisadas. Contudo, condenam uma retomada sem que se adotem medidas que mantenham os casos de infecção sob controle –isto é, quando a taxa de transmissão não está abaixo de 1 (neste número, indica-se que uma pessoa pode transmitir a Covid-19 para outra).
Dados mais recentes do Imperial College of London, que acompanha a situação do coronavírus no Brasil, indicavam que o país tem uma taxa de contágio de 1,06. Há uma semana, era de 1,05. Isso quer dizer que um grupo de 105 pessoas consegue contaminar um de 106.
“Flexibilizar é importante. Ninguém pode ficar preso a vida toda. Mas tem de haver adesão da população e apoio do poder público no sentido de evitar aglomerações”, afirmou Croda. “Algumas atividades essenciais não tinham lógica para terem voltado. Os bares com aglomerações: uma pessoa de máscara vai comer e beber. Por que abrir shopping?”.
A avaliação do infectologista é que algumas atividades poderiam ter sido evitadas e ajudar na desaceleração da curva. “Mas a vida voltou ao normal quando não temos a imunidade de rebanho [quando a própria população tem um grande número de pessoas que gera anticorpos para combater o vírus] e o poder público acelerou a taxa de contágio”, avaliou.
Para Croda, a reabertura deveria levar em consideração diversos fatores que permitissem a retomada da atividade econômica sem arriscar a superlotação hospitalar –que começa a ser sentida, principalmente, no sul do Estado.
“Não podíamos perder tudo o que conquistamos, mas caminhamos para isso. Dourados perdeu o que conseguiu com o distanciamento social no início. E Campo Grande segue o mesmo patamar, com um aumento importante no volume de transmissão. Agora é esperar chegar a 80% da capacidade de internação hospitalar e fechar tudo novamente”.
Em Campo Grande, a taxa de ocupação de leitos de UTI do Sus, neste momento, está em 73%, sendo 13% com pacientes de Covid-19. A Capital deu início às ações de enfrentamento à pandemia ainda em março, com a retomada gradual das atividades ao longo de abril –e um afrouxamento maior das medidas entre maio e junho. Contudo, a velocidade de infecção aumentou e, hoje, a cidade tem 1.554 casos. Sua macrorregião soma 12 óbitos.
A falta de disciplina da população em seguir orientações como o isolamento social –sobre o qual Campo Grande frequentemente está entre as piores cidades do Brasil– já levou o prefeito Marquinhos Trad (PSD) a reavaliar medidas, como o horário do toque de recolher e a retomada das aulas nas redes pública e privada. Contudo, até aqui, um lockdown segue fora de cogitação.
Em Dourados, a taxa de ocupação de UTIs públicas é de 55% (30% para o coronavírus). As medidas de enfrentamento à Covid-19 no município, referência para outros 35, demoraram mais a serem implementadas. Hoje, a cidade tem 2.247 casos e lidera em óbitos (com 33 na macrorregião).
MS cria sistema para orientar ações contra a Covid-19 nas prefeituras
Nos próximos dias, a SES (Secretaria de Estado de Saúde) deve apresentar um sistema de bandeiras, composto por indicações a serem seguidas pelas prefeituras, a fim de melhor controlar as atividades econômicas, frear aglomerações e, assim, tentar conter a contaminação pelo coronavírus.
“O sistema terá definido tanto o endurecimento das regras por regiões como a flexibilização de atividades, a fim de municiar os municípios de parâmetros”, explicou o secretário de Estado de Saúde, Geraldo Resende, que alerta para o avanço da Covid-19 em Campo Grande e Corumbá e o crescimento sustentado de casos na Grande Dourados.
A ideia é que o sistema ajude justamente a conter as “quarentenas ioiô” por cidades ou mesmo o lockdown “que vai e volta”. Vamos tentar a padronização para termos medidas uniformes”, destacou.
Os critérios para definição da bandeira (que vai da verde à preta, com cinco níveis de definição) envolve da estruturação da rede de Saúde à taxa de ocupação de leitos clínicos e de UTIs –além do volume de casos na região– para serem adotadas medidas em conjunto. O trabalho conta com apoio da Opas (Organização Pan-Americana de Saúde) e se assemelha com o que é realizado no Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Minas Gerais. “Aproveitamos o que eles tinham de melhor e construímos nosso próprio projeto”.
Julio Croda aposta que, pelo Brasil, as cidades do Norte e Nordeste não terão novos picos após a reabertura, uma vez que enfrentaram muitos casos e mortes.
“Houve uma circulação importante do vírus, com as tragédias que vimos pela TV e sites. Quando as capitais dessas regiões reabrirem, podem não ter uma segunda onda [de infecções] muito intensa, porque a primeira já foi. Mas Campo Grande vive agora a primeira onda”, afirmou.
Ele ainda alertou que a chegada do inverno, quando é maior a ocorrência de problemas respiratórios em meio ao clima frio e ar seco, pode favorecer o espalhamento da Covid-19 no Estado.