Sem apresentar nenhum dos sintomas conhecidos e nenhum indício da infecção, Dona Pedrosa foi a terceira vítima do coronavírus em Mato Grosso do Sul. A sobrinha e cuidadora da vítima de 71 anos, Cláudia Ramos, 44, conta que viu a tia ser internada repentinamente e logo recebeu a notícia do óbito. “Meu sentimento é de inutilidade, parece que tudo que a gente fez não adiantou nada e agora fica a dor com a gente”, desabafa.

Cláudia, que é estudante de enfermagem, conta que a primeira dificuldade encontrada foi manter Dona Pedrosa em casa, mas desde o meio de março a idosa de 71 anos já estava em isolamento social. Por sofrer de diabetes e pressão alta, a Dona Pedrosa precisava de acompanhamento diário, que era realizado pela sobrinha. No dia 30 de março a idosa foi levada ao posto de saúde, quando Cláudia percebeu que ela estava mais debilitada que o normal.

“Quando chegou lá viram que ela estava com uma crise de hipoglicemia e também com infecção urinária. Tratamos por sete dias dessa infecção urinária, mas não passou e ela continuava se desanimando mais ainda, mas não tinha nenhum sintoma que alarmasse que era coronavírus”, lembra Cláudia. A sobrinha conta que com a pandemia, passou a tomar todos os cuidados necessários para cuidar da tia. Luvas, máscara, álcool em gel e troca de roupa ao entrar na residência da idosa eram cuidados básicos para a futura enfermeira.

No dia 9 de abril Dona Pedrosa foi levada ao posto novamente. “Fizeram escuta e não tinha sinais de nenhuma obstrução pulmonar e fizeram novos exames de sangue. Continuaram com tratamento para infecção urinária, nesses últimos dias ela não queria comer muita coisa, mas fora isso não tinha nada ainda”, relata a sobrinha da vítima.

Dois dias depois a idosa, que não apresentou nenhum agravamento da infecção urinária, amanheceu com falta de ar. Cláudia lembra como foi o último dia de vida de Dona Pedrosa. “No sábado (11) de manhã minha mãe ligou e disse que minha tia amanheceu com falta de ar, daí eu fui para lá e fiz todos os procedimentos de enfermagem para checar as comorbidades que ela já tinham. Fiz uma inalação dela em casa, ela não melhorou e de tarde fomos para o CRS (Centro Regional de Saúde) Tiradentes, instalada na sessão emergencial”.

Com a voz trêmula e longas pausas, a sobrinha conta que a partir deste momento já não teve mais contato com a tia. “Quando foi mais ou menos umas cinco horas da tarde me disseram que ela teve uma parada cardíaca e estava entubada. Conseguiram uma vaga no Hospital Regional apenas de noite e nem pude ir com ela na ambulância, porque nesse ponto já falaram que ela estava com suspeita de Covid-19”.

De volta para a própria casa, Cláudia esperava por melhoras da tia. “Umas duas horas da manhã me ligaram para dizer que ela já estava falecida, eu já imaginava, uma ligação às duas da manhã não pode ser coisa boa. Ela foi enterrada no domingo (12) mesmo, saiu do protocolo diretamente para a cova, não podemos nem velar nossa tia”, lamenta.

Nenhuma despedida

Sem nenhum acompanhante, Dona Pedrosa faleceu no HRMS (Hospital Regional de Mato Grosso do Sul), na madrugada do último domingo (12) em Campo Grande. Os familiares e a sobrinha que acompanhava de perto a trajetória da idosa não puderam se despedir.

“Não teve velório, nós não velamos minha tia”, diz Cláudia, com a voz abalada ao lembra. “Quando foi umas sete horas da noite do domingo eu fui ver minha mãe, porque ela está muito abalada até agora. Nessa noite me ligaram de novo, informando que o primeiro exame de sangue que ela fez tinha dado positivo para Covid-19”.

“Eu fiquei sem chão, sem acreditar, não tem nem mais ou menos como saber de onde o vírus tenha vindo”, lamenta a estudante de enfermagem. “A gente não sabe mesmo da onde pode ter pego. Fica esse alerta então, porque na hora que eu soube meu chão abriu, não só por ela que faleceu, mas por nós que tivemos contato, minha própria mãe que também é idosa”.

Sobre como a mãe e ela, que conviviam com a vítima do coronavírus, Cláudia define o momento como um mar de lágrimas. “A gente chora né, ela chora porque perdeu a irmã, porque é do grupo de risco. Eu choro, a gente está arrasada, porque tem que passar por essa suspeita ainda”.

Expostos ao vírus

Dona Pedrosa faleceu aos 71 anos e viveu na mesma casa a vida toda, morava com a irmã e outros três idosos, que vivem em quartos separados no mesmo quintal. A maior preocupação de Cláudia é a mãe idosa, que na falta da filha, ajudava a cuidar da própria irmã e foi exposta diretamente ao vírus.

A sobrinha da vítima afirma, com um pouco de ânimo, que a mãe não apresenta nenhum sintoma, mas faz questão de conferir a temperatura, pressão e glicemia da idosa todos os dias, além de fazer escuta do pulmão. A estudante de enfermagem e o marido foram considerados como casos suspeitos, pois recentemente tiveram febre e indisposição.

“Tivemos febre ontem, eu e meu esposo estamos fazendo tratamento para dengue desde a semana passada”, diz ela, que também lembra do alto índice de casos de dengue no bairro em que moram. “Acho que três dias antes da minha tia ser internada, fomos para o posto e não coletaram nada para teste de Covid-19 para a gente, porque disseram que era o primeiro dia de sintomas”.

A sobrinha da terceira vítima de coronavírus lembra que sentiu febre por três dias e após o início do tratamento, havia parado os sintomas. “Ontem voltou a febre, mas eu também não sei dizer se é emocional ou algum sintoma do coronavírus, amanhã eu e meu esposo vamos fazer o teste para o Covid-19”, conta.

Para prevenir a própria família, Claúdia resolveu se isolar onde a tia morava, junto com a mãe. Ela conta que após a morte da tia começou a reparar ainda mais nas atitudes que vivenciou nos últimos dias. “Desses dois dias para cá, comecei a observar mais as coisas, porque eu não sei sabe, a gente fazia nossa parte, eu tenho álcool em gel na bolsa, no carro, deixei um na porta de casa, passo na maçaneta antes de encostar, depois ainda troco de roupa e lavo as mãos. É tanta gente que não liga, pessoas sem máscara, motoristas de ônibus sem máscara, pessoas nas ruas conversando. As pessoas não estão dando importância a tudo isso que estamos passando, a essa pandemia. As pessoas só aprendem na dor mesmo”.