Não precisar de carro e ter tudo pertinho: vantagens de quem mora no Centro
Em uma cidade onde cerca de 90% das pessoas vivem em bairros nas regiões periféricas, há certo mistério na ideia de morar no centro de Campo Grande, onde à noite praticamente não há movimento. Afinal, como é habitar uma região que, apesar de dispor de toda a infraestrutura, se transforma numa espécie de cidade fantasma […]
Guilherme Cavalcante –
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Em uma cidade onde cerca de 90% das pessoas vivem em bairros nas regiões periféricas, há certo mistério na ideia de morar no centro de Campo Grande, onde à noite praticamente não há movimento. Afinal, como é habitar uma região que, apesar de dispor de toda a infraestrutura, se transforma numa espécie de cidade fantasma quando o comércio fecha?
Ir para o trabalho a pé, menos custos com deslocamento, serviços essenciais nas proximidades e silencio sepulcral à noite. Estes são alguns dos termos que ajudam a responder a essas perguntas. Há algumas surpresas, também: quem vive por ali, perto da Rua 14 de Julho, considera que a região é das mais seguras.
A arte-educadora Adriana Klein, de 47 anos, trocou em julho do ano passado a região do Mata do Jacinto pelo prédio Palácio do Comércio, em frente à praça Ary Coelho. A região antiga tem de tudo, até shopping center. A ideia de ir para o centro, porém, já era algo que Adriana discutia com o esposo. Quando os filhos mudaram de cidade para estudar, portanto, o casal sentiu que foi a hora de mudar. Venderam a casa no bairro e logo na sequência compraram o apartamento.
“Há muitos anos a gente planejava ir pro centro, onde o acesso é melhor e tudo fica mais perto. Posso dizer que minha vida ficou muito mais prática, apesar de não trabalhar aqui perto. Considero que essa mudança é um projeto de vida. Foi algo acertado”, comenta.
Adriana e o esposo, Fernando, têm apenas um carro. Segundo ela, é o suficiente, já que o marido trabalha, na maior parte do tempo, em casa. Compras em geral podem ser feitas a pé. Mas, há pontos que podem melhorar. Eu não tenho uma padaria, por exemplo, porque tem pouca gente morando aqui. À noite é deserto, não tem circulação de pessoas, então o centro fica muito ermo. Ainda assim, acho bem seguro”, aponta.
Há três meses, o mentor de desenvolvimento pessoal Renan Augusto, de 24 anos, trocou o Taquarussu pela Rua 15 de Novembro, no edifício de mesmo nome. Renan afirma que a vida ficou mais leve, que tem mais tempo para ele e que desfez-se do carro.
“Mudei porque aqui é mais acessível, mais seguro. O Centro é bem vazio à noite, quase não tem nada, é silencioso. Eu gastava muito com transporte e combustível, mas aqui no centro tem aplicativo, ônibus, ando muito a pé. Eu consigo ir numa baladinha a pé. Coisa de cinco quadras estou num barzinho. Imagina só se a vida noturna fosse mais intensa por aqui”, comenta.
Eram cerca de 10h quando Renan descia do prédio para iniciar as atividades do dia. “Antes, teria que sair de casa muito mais cedo. Durmo até melhor. Foi uma ótima escolha, não vejo desvantagem”, acrescenta.
No mesmo horário, o instrutor de trânsito Willian de Souza, de 36 anos, atendia clientes em sua empresa. Ele mora no mesmo prédio que Renan e precisou apenas descer o elevador e percorrer cerca de 15 metros até iniciar a jornada de trabalho. Antes morador da Vila Glória, que está no perímetro central, Willian afirma que a mudança que fez há quatro meses foi significativa.
“Agora tudo fica muito próximo para resolver as coisas durante a semana. Não me preocupo mais com estacionamento. Quase não preciso utilizar veículo, economizo combustível, economizo motor. É muito prático”, conta.
De negativo, ele destaca o barulho durante o dia. “Carros, buzinas, isso é irritante. Até a sirene do Corpo de Bombeiros incomoda. Mas, à noite aqui não tem nada, assim como no sábado à tarde, no domingo. O comércio fecha e não tem mais nada, diferente dos bairros. A gente fica sem atrativo. Se tivesse essa facilidade do período noturno como tem nos bairros, ficaria bem melhor”.
Um “Oásis” no Centro
Na parte mais ‘alta’ do centro, ali na Rua Dom Aquino, o zelador Claudemir Martins, de 47 anos, diz que não troca a região, onde mora com a esposa desde 2001, por nada.
“Todas as facilidades estão aqui. Minha esposa também trabalha no centro e ela vai de bicicleta elétrica. A noite é bem sossegada, o único barulho que tem é da obra [da Rua 14 de Julho]. O problema daqui é conseguir estacionar, mas em Campo Grande ninguém faz nada sem carro, né? Hoje em dia tem tudo na mão, tem aplicativo, tem táxi. Morando aqui economizo muito, o único meio de transporte que tô usando é elevador”, brinca.
Seguindo pela Rua 14 de Julho por cerca de duas quadras, a sacada de uma sobreloja chama atenção pelas flores e indica que é morada de alguém. Dedo na campainha, e a cabeleireira Suelilma Dalvi, de 56 anos, recebe a reportagem. Ela mora há 12 anos na região central com o filho caçula, de 26.
O apartamento é um daqueles achados incríveis que devem ter aos montes no centro. As plantas dão cor e transformam a casa numa espécie de oásis em meio ao concreto. São quatro quartos amplos, sala de estar gigante, cozinha, despensa e quintal de dar inveja. “Aos poucos vou arrumando tudo. Quando tirarem esses fios [de energia, na Rua 14 de Julho] vou ter uma vista mais bonita. Mas já gosto muito de morar aqui, apesar de ser vazio à noite. Não saio por nada”, comenta.
A escolha de Suelilma pelo centro tem a ver com amores antigos. Ela vem do Rio de Janeiro, onde viveu em áreas mais urbanizadas e com bastante infraestrutura.
“Já tivemos experiência de morar em bairro aqui e considero o centro muito mais seguro. Eu gosto do movimento, de barulho de carro. Aqui, para mim, é um paraíso. Estou perto de tudo, tem bastante mercado, não pego ônibus. Não entendo porque pagam mil reais para morar no bairro quando fica muito mais barato morar no centro”, aponta.
Cidade fantasma
A queixa geral de quem mora na região central é a falta de movimento à noite, além do comércio fechado. De fato, a regra máxima dessas lojas é se estabelecer em locais de grande fluxo de pessoas. Mas, a falta de adensamento populacional à noite naquela região desestimula o funcionamento de um terceiro turno, aos moldes do que ocorre nas regiões centrais de São Paulo, a maior e mais populosa cidade brasileira.
Dono do tradicional Bar do Zé, que existe há 63 anos na Rua Barão do Rio Branco, o comerciante Marcio Okama, de 53 anos, fala que seu negócio, que passou de pai para filho, já atravessou altos e baixos ao longo das seis décadas de existência.
“Agora, por exemplo, a gente não está numa situação boa. Mas, temos perspectivas de melhorar. A gente tem muita fé na Rua 14 de Julho, de que vá aumentar o fluxo de pessoas e com isso o consumo”, defende.
O local abre às 7h30 e começa a servir café da manhã para quem trabalha no centro – segundo Márcio, muita gente sai tão cedo que não consegue nem comer – e segue até às 18h. “Com esse projeto, se tiver horário diferenciado, acho que a gente pode abrir até mais tarde, sim. Ter mais gente morando no Centro seria interessante, uma forma de aumentar o fluxo de pessoas. Então, tudo que puder contribuir, o comércio vai apoiar”.
Marcio, a propósito, mora em um apartamento no centro. “Venho a pé, na maioria das vezes. Sempre morei por aqui e para mim isso é facilidade. As lojas estão aqui, os cartórios, os restaurantes. Tem mais trânsito, pouco lugar pra estacionar, mas morar por aqui não precisa de carro, né?”, conclui.
Perfil do morador
A rotina de Marcio ao trabalho contrasta com a da vendedora Camila de Freitas Souza, de 20 anos, moradora do Santa Carmélia. “Tenho que acordar muito cedo e também perco muito tempo no ônibus. Para estar 8h30 no trabalho tenho que acordar às 6h. Se eu morasse no centro, acordaria mais tarde, economizaria dinheiro, teria mais tempo para viver a cidade. Eu moraria, sim, aqui, desde que encontrasse algum lugar com aluguel acessível, é um custo muito alto, ainda”, considera.
Camila sofre do mesmo mal que todos os outros trabalhadores do centro que moram nas regiões periféricas: o movimento pendular dos modais de transporte urbano. Pela manhã, o fluxo de veículos para o centro é menor do que os que saem – situação que se inverte após às 18h. Assim, imersos no fluxo, passageiros são submetidos a congestionamentos, superlotações, demora na chegada ao destino final e a todo o estresse decorrente desses fatores.
“Gasto cerca de 40 minutos de moto para vir trabalhar, ida e volta, dá uns R$ 100 por mês. Se eu viesse de carro seria uma fortuna, fora de cogitação. Então seria bom, por esse lado, morar no Centro”, comenta a gerente comercial Roseli da Silva Bezerra, de 43 anos. “Só que eu já tenho minha casa, minha família está toda naquele bairro. Para mim não seria interessante”, comenta.
Moradora do bairro Caiçara, a aposentada Maria Cândida, de 58 anos, percorreu de ônibus cerca de 6km de sua casa até o centro, de ônibus. “Vim pagar conta, porque lá perto de casa é tudo longe ou não tem. Eu não moraria aqui, gosto de silêncio. Mas a facilidade daqui é bem melhor. Quando era mais nova trabalhava na Pedro Celestino. Era um transtorno, porque o ônibus demorava demais a chegar. Se eu fosse mais nova moraria, sim. Mas agora eu prefiro onde eu estou”, comenta.
Os estudos de promoção de moradia no centro respondem algumas diferenças entre os depoimentos de Camila, Roseli e Cândida. Enquanto Camila, de 20 anos, adoraria a ideia de morar na região, Roseli e Cândida desconversam.
“A tendência é que cada vez pessoas mais jovens fiquem nessas áreas. Eles vão ter mais disposição e mais tempo para dar uma nova dinâmica à região e assim fazer com que as coisas funcionem. A gente tá falando de uma tendência mundial, que já é realidade em vários países. Vai dar certo aqui também”, diz Gabriel Gonçalves, diretor de Habitação e Programas Urbanos da Emha, responsável técnico pelo projeto do Hotel Campo Grande, ou melhor, do condomínio Menino do Mato.
“A gente sai do Brasil e vê que no centro tem ocupação desses imóveis, de pessoas mais próximas do local de trabalho. Quem trabalha aqui geralmente mora muito longe. Esse deslocamento pro centro é cansativo e quem mora perto do trabalho tem mais qualidade de vida. Demorou para esse assunto entrar em pauta. E quanto mais inclusivo for, melhor cidade a gente vai ter”, aponta Adriana Klein.
O que mora por trás
O assunto de moradia popular no centro veio à tona quando a Prefeitura de Campo Grande anunciou que pleiteia verba federal para transformar o antigo Hotel Campo Grande em algo do tipo. A medida atende a necessidade tanto de cumprir com o Estatuto das Cidades, aprovado em 2001, como a obrigação contratual com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) de fomentar moradia na região.
A obra de revitalização da Rua 14 de Julho é o grande motor dessa “nova” postura, digamos assim. Prestes a ser entregue (a inauguração é prevista para novembro), a obra traz grande expectativa ao comércio, no caso, de aumentar o fluxo de pessoas na região e, assim, fazer a máquina econômica girar. Adensar a população do centro não só para compras, mas para moradia, integra essa estratégia.
Com isso, a expectativa é que alguns número mudem. Segundo o Censo de 2010, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), eram 71,037 mil pessoas no centro de Campo Grande, o que representava 9,03% da população da cidade. É onde está o menor índice de densidade demográfica de Campo Grande, calculado em 35,32 habitantes por km².
“É um contrassenso, porque é a região que tem mais infraestrutura. Todos os serviços estão lá. E quando a gente tem que levar a infraestrutura para os bairros, há uma conta aí que é paga por toda a cidade. Tem que levar água, esgoto, energia, asfalto, escola, posto de saúde. Nada disso sai de graça. É muito mais estratégico adensar o centro, onde já tem tudo isso”, comenta Neila Janes Viana Vieira, da Central de Projetos da Prefeitura.
A região central é divididos em 13 bairros: Amambaí, Bela Vista, Cabreúva, Centro, Cruzeiro, Monte Líbano, Jardim dos Estados, Planalto, São Bento, São Francisco, Vila Carvalho e Vila Glória. Considerando apenas o miolo da região, que corresponde ao bairro “Centro”, são 11.509 mil habitantes, divididos em 4.404 domicílios permanentes.
“Existem muitos vazios urbanos ali que podem resolver esse problema. Não é uma solução do dia para a noite, mas é preciso fazer algo. Do contrário, vamos continuar com uma cidade cujo o centro será deserto à noite, em detrimento do crescimento cada vez maior da periferia, o que requer um nível de investimento muito maior”, comenta Enéas Netto, diretor-presidente da Emha (Agência Municipal de Habitação), responsável pelo projeto do Hotel Campo Grande.
Morar no Centro
A ideia de levar famílias de baixa renda para o Hotel Campo Grande causou celeuma e dividiu opiniões na cidade. De uma parte, o custo de revitalização do prédio foi considerado muito alto, o suficiente para construir 4 ou 5 vezes mais moradias em conjuntos residenciais para fins sociais, localizados nos arredores da cidade. Por outro, está o medo de que o Hotel Campo Grande se torne um “favelão”, que estigmatizaria a região.
As duas ideias caíram rapidamente por terra. Primeiro, porque os cerca de R$ 50 milhões que a Prefeitura disputa no programa Pró-Moradia são específicos para requalificação de lugares abandonados, ou seja, não podem ser utilizados para nenhum outro fim. E segundo, porque experiências semelhantes em outras cidades mostraram justamente o contrário: a qualidade de vida de pessoas de baixa renda que foram morar nas regiões centrais só cresceu.
Um dos mecanismos para garantir moradia mais barata é o aluguel social. O morador não tem posse do imóvel, apenas direito de uso, e paga uma porcentagem de um salário mínimo, além de uma cota de condomínio. O IPTU é subsidiado pela Prefeitura. “Quando o perfil desse morador mudar, ou seja, quando a família dele crescer, naturalmente ele vai querer outro lugar. Assim, o apartamento fica vago e outra família vai para lá. Ele nunca vai ficar desocupado”, conclui Gabriel Gonçalves.
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