Eram quase duas horas da manhã, faltavam apenas meia hora para Luiz Carlos Calonga voltar para seu turno no plantão do dia. Na tentativa de descansar no intervalo, ele foi chamado por um de seus quatro colegas que trabalhavam no mesmo dia. 

“Um dos agente me ligou e falou que estava com um problema no alojamento oito do bloco B, disse que estava ruim para um interno”, lembra. Com o olhar para o portão de entrada da Unei (Unidade Educacional de Internação) Dom Bosco, Luiz disse que até avisou para verem a situação apenas no outro dia de manhã, pela falta de energia, mas acabou resolvendo verificar o acontecido. 

“Eles estavam batendo no interno, eram dois batendo nele. Tinham até uma estaca de madeira que eles fizeram e iam perfurar o interno”. Ele ficou na janela da cela, esperando os outros colegas chegarem. “Quando chegaram, nós quatro entramos, só que as celas estavam todas abertas, tinha uns 15 caras no corredor do bloco. E lá é fechado, não dá pra ver. Quando tem câmera a gente ainda vê, mas não tem aqui. Então quando abrimos, explodiu para cima da gente os 15 caras”, lembra do momento.

Calonga também lembra que a situação poderia ter sido evitada se a unidade tivesse um sistema de câmera de segurança ou pelo menos um gerador de energia para garantir a iluminação. “Então como aqui não tem câmera, não tinha como a gente ver, e essa é uma situação complicada. Que se a gente não entra para tirar e eles matarem o outro, acusam a gente de omissão, o que fica pior ainda para nós. Então a gente acaba entrando, e nós entramos”.

'Foi um terror', lembra agente da Unei que estava no momento da fuga
Foto: Marcos Ermínio, Midiamax

Os medos diários

O agente da unidade afirma que essas tentativas acontecem praticamente todos os dias. Um pouco nervoso, ele conta de uma noite em que parecia que alguma ação grande aconteceria. “Mês passado, eram umas duas horas da manhã também, no escuro, porque muitas vezes a gente não tem luz aqui, eu ouvi fogos vindo daqui da frente [aponta para o pátio cheio de árvores]. Então pensa, duas horas da manhã um cara sai da cidade e solta fogos na , é claro que é alguma coisa, avisando algo. E eu lá dentro, sozinho, andando na ronda, comecei a perceber os internos acordados, rindo e conversando”, detalhou os momentos de tensão que já passou.

Trabalhando entre a escuridão, Luiz admite que já passou por maus bocados durantes os sete anos de agente na Unei. Mas segundo o servidor, nenhuma situação foi tão traumatizante quanto a da fuga e motim da última segunda-feira (16).

“Olha, eu nunca passei por tanto medo na minha vida. Eu tô com mais de 50 anos e já passei por muita coisa na minha vida, mas medo igual aquele nunca vivi. Foi um terror mesmo, ver eles todos com as caras amarradas cobrindo os rostos, como se fossem bandidos. E na saída, depois que eles viram que dois agentes tiveram que correr eles começaram a cantar uma do PCC. E nisso eu fiquei para trás, fiquei no escuro ali, foi o que acabou me ajudando. Foi difícil, não foi fácil não”, lembra.

As poucas alegrias

Calonga diz que a realidade na Unei se distancia da imagem que as pessoas veêm. “A realidade aqui dentro, da convivência, é que a maioria das vezes o agente gasta do próprio bolso para comprar remédio ou algo assim para os internos. Eu não tenho dever nem formação para comprar e medicar ninguém, mas a gente tem que fazer, porque ficam com dor pedindo pelo menos uma aspirina. Aqui a gente faz papel de assistente social, psicólogo, enfermeiro”, que segundo ele, são ações para tentar ajudar os internos.

O agente admite que “é gostoso quando você consegue fazer um trabalho bom com algum menino”. Entretanto lembra que os servidores acabam desempenhando outras funções. “Mas acontece que os agentes têm que ser meio que psicólogos e assistentes sociais. Dá cinco horas da tarde, começa a escurecer, quando os caras começam a querer endoidar vou lá e tento conversar, passar um conselho pra quem quer, igual um pai mesmo”.

Com um meio sorriso no rosto, Luiz conta que “tem vezes que ele vê resultado”. Além de agente, Calonga trabalha com construções e obras. Ele tem contato com um núcleo de uma igreja que ajuda os jovens que saem da Unei. 

“Às vezes eles me avisam quando tem um interno que saiu daqui e está procurando emprego. O último foi um menino que ajudava na faxina, daí eu coloquei ele lá na minha obra. Tá certo que ele trabalhou só uns dias, mas a gente fica feliz. Eu mesmo gosto quando saio na rua e vejo algum desses guris que já está trabalhando. A melhor coisa seria conseguir ressocializar todo mundo daqui”, conta.