É difícil acreditar, mas ainda hoje muitas famílias passam fome em . A falta de comida na mesa é uma realidade na casa de muitos campo-grandenses. São 18.025 famílias vivendo na extrema pobreza, com renda per capita mensal de até R$ 85. Outras 15.672 famílias vivem com renda de R$ 85 a R$ 170 mensais. Na favela do Mandela, ocupação com cerca de 200 famílias que vivem em barracos na região do bairro Coronel Antonino, não é difícil encontrar famílias que passem por dificuldades para se alimentar.

Jéssica Daiana Oliveira é uma delas. Mãe de cinco filhos, a jovem de 28 anos se mudou para a favela do Mandela há 8 meses, quando o marido quebrou a perna e perdeu o emprego. As condições na casa anterior não eram muito melhores, mas com o status de moradora da favela, o preconceito veio junto com a fome.

“Da última vez que passamos por isso, estava acabando o último pacote de arroz na nossa casa, só tinha isso. Foi quando eu tive a ideia de pedir em um grupo de Whatsapp por uma faxina em troca de doação”, conta.

Mais de 18 mil famílias vivem na extrema pobreza em Campo Grande
Jéssica Daiana pediu por serviços de faxina em troca de doação. (Foto: Marcos Ermínio)

Alento para milhares de brasileiros, o Bolsa Família, um dos programas de transferência de renda que garante a sobrevivência de muita gente, beneficia 25.868 famílias pobres e extremamente pobres em Campo Grande, de acordo com dados da SAS (Secretaria de Assistência Social). O valor médio do benefício é de R$148,89. Parece pouco, mas muitas famílias sentem falta de um auxílio como este.

Jéssica Daiana tenta obter ao benefício. Enquanto ele não vem, ela conta com a solidariedade de desconhecidos. Depois do seu apelo feito pelo WhatsApp, ela recebeu várias doações, suficientes para dividir com outras 30 famílias do Mandela. Se por um lado, muita gente tentou ajudar, por outro também teve quem tentasse se aproveitar. “O pessoal quando sabe que a gente é daqui, tenta se aproveitar, querem pagar pouco, mas na hora da necessidade não tem como recusar também”, diz.

Mais de 18 mil famílias vivem na extrema pobreza em Campo Grande
Vizinhas, Andressa e Jéssica se ajudam nos momentos de dificuldade na favela. (Foto: Marcos Ermínio)

Apesar de trocar seu trabalho por doações, a diarista não se arrepende. Para ela, é melhor ganhar doações de alimentos e roupas, do que passar por dificuldades. “É melhor do que nada. Eu consigo pegar diária em que as pessoas me pagam, mas neste sábado, por exemplo, vou fazer em troca de doação. Eu não sei o que é que a pessoa vai me dar, é sempre uma surpresa”.

Vizinha de Jéssica, Andressa Soares também já passou fome com os filhos. A dona de casa relembra de quando o marido pedreiro ficou doente e não conseguiu trabalho por três meses. “Foi a época mais difícil para nós, não tinha nada, o que a gente comia era ajuda dos vizinhos. Um trazia banana, outro trazia leite ou arroz, a gente vivia assim”. Esta não foi a única vez, no casamento anterior, o marido bebia e ela teve que pedir por comida na casa das pessoas. “Eu prefiro pedir do que perder meus filhos. Eu ia no portão das pessoas e pedia um prato de comida. Teve uma vez que só tinha chá de cidreira e bolacha de água e sal para comer, isso é muito triste para uma mãe”.

Mais de 18 mil famílias vivem na extrema pobreza em Campo Grande
Andressa descobriu que foi aprovada no Programa Vale Renda nesta quinta-feira. (Foto: Marcos Ermínio)

Enquanto a reportagem do Jornal Midiamax estava na casa de Andressa, a dona de casa recebeu uma boa notícia: foi aprovada no programa Vale Renda. O Vale Renda é um programa da Sedhast (Superintendência de Benefícios Sociais, da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Assistência Social e Trabalho), voltado para as famílias sul-mato-grossenses em situação de vulnerabilidade socioeconômica. O valor do benefício é de R$ 180 e é uma esperança para Andressa e sua família.

A pobreza e seus fatores

Mais de 18 mil famílias vivem na extrema pobreza em Campo Grande
Andresa passou por muitas dificuldades mesmo antes de morar no Mandela. (Foto: Marcos Ermínio)

A pobreza não é um fato isolado e nem sempre vem sozinha. A fome, abandono parental, tráfico de drogas, violência doméstica, alcoolismo e educação precária fazem parte dos relatos destas mulheres do Mandela. Jéssica Daiana relembra da mãe, que traficava drogas e morreu há dois anos em um presídio. “Ela fazia tudo de errado na minha frente, me abandonava sozinha em casa, eu não tive estrutura na minha família”, afirma.

Para Jéssica, a vida que a mãe levou nunca será uma inspiração. Apesar da vida confortável e dos mimos proporcionados pelo dinheiro do tráfico, a diarista prefere levar uma vida honesta. “Eu prefiro morar aqui com meu marido, passamos por dificuldades, mas levar uma vida digna é melhor do que aquela vida que eu levava antes. Antes eu até bebia e quase caí nessa vida do tráfico também”.

Andressa Soares nunca esteve próxima ao tráfico, mas também não teve uma vida fácil. A dona de casa conta que teve filhos ainda muito nova e apanhava do primeiro marido. “Depois que nos casamos, ele virou outra pessoa. Me batia muito, fez da minha vida um inferno. Nos abandonou, eu e meus filhos passamos fome, quase os perdi para o Conselho Tutelar”. Para Andressa, ter filhos ainda muito nova foi um dos fatores que influenciou em sua vida, agora ela aconselha a filha a estudar sempre para levar uma vida melhor.