Fuga dos problemas na ponta de um cachimbo: pasta base domina as ruas do Centro
Na antiga rodoviária de Campo Grande, em uma rápida conversa com pessoas que perambulam na região já é fácil descobrir qual a droga mais popular entre os usuários do local: a pasta base. Às vezes, não é preciso nem mesmo perguntar, ao circular pela região é possível notar um ou outro morador consumindo a droga ali mesmo, durante o dia.
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Na antiga rodoviária de Campo Grande, em uma rápida conversa com pessoas que perambulam na região já é fácil descobrir qual a droga mais popular entre os usuários do local: a pasta base. Às vezes, não é preciso nem mesmo perguntar, ao circular pela região é possível notar um ou outro morador consumindo a droga ali mesmo, durante o dia. A droga, subproduto da cocaína, é barata, vicia rápido e ganhou a preferência de muitos usuários. Na segunda reportagem da série sobre a pasta base, o Jornal Midiamax foi às ruas conversar com dependentes químicos.
Gabriele tem 33 anos e mora nas ruas da região central. Em frente à unidade dos Correios, ela prepara o primeiro cachimbo do dia sem medo: sabe que a prática não surpreende quem passa por ali. Segundo ela, a droga é uma forma de esquecer os próprios problemas. “O efeito não dura muito, uns 15 minutos, eu acho. É uma sensação de que todos os problemas foram embora, a gente vê coisas”, explica.
Ela conheceu a pasta base aos 23 anos, quando estudava a oitava série do ensino fundamental e tinha dois filhos. Ainda jovem e sem qualificação, Gabriele se viu abandonada pelo marido e procurou alívio no cachimbo. “Eu já comecei com a ‘base’. Fui eu mesma que procurei, queria esquecer da minha vida e me disseram que era ela que iria resolver o meu problema da depressão”.
Problemas com relacionamentos são comuns entre os usuários da antiga rodoviária e Heraldo é um deles. Começou a usar pasta base logo de cara, quando um vizinho ofereceu e viu uma saída para o sofrimento da separação da mulher.
Aos 42 anos, ele aparenta ser pelo menos 10 anos mais velho. Os dois ou três dentes que sobraram, os olhos amarelos e arregalados e o rosto fino revelam a história de quem convive com a dependência química há anos. “Foi a primeira droga que eu usei mesmo. Morava na Moreninhas, meu vizinho me deu, eu estava com depressão e entrei nessa. A mulher faz isso com a gente, destrói a nossa vida. Hoje esse meu camarada até já morreu, eu ainda estou aqui, sem conseguir sair dessa vida de droga”, conta.
A droga e o crime
Para quem usa a pasta base, cair no crime é só uma questão de tempo. O ex-topógrafo Heraldo começou a usar a droga ainda jovem. Após se envolver em roubos para manter o vício, matou um homem e acabou na cadeia, onde passou mais de 10 anos. “Eu tive que matá-lo ou ele ia me matar. Eu não queria ter feito isso, mas foi preciso. A cadeia muda a sua vida, eu perdi tudo que eu tinha pagando advogado, minha mãe morreu, meu padrasto foi embora”, lembra.
Aos 26 anos, Valdan é um dos mais jovens moradores da antiga rodoviária. Enquanto muitos que vivem ali já enfrentam a dependência química há uma década, ele começou a consumir a pasta base há dois anos. Pedreiro, ele conta que veio a Campo Grande para trabalhar com o pai, mas por curiosidade e estímulo de uma namorada, consumiu a pedra e se viciou. De lá para cá, sua vida despencou: perdeu o emprego, foi renegado pelo pai e foi morar nas ruas. Para pagar pela pasta base, conta que já praticou roubos e furtos.
Andreia tem 36 anos e também se envolveu em crimes para pagar pela ‘base’. Ex-acadêmica de Ciências Contábeis, saiu de casa e foi parar na rua pela dependência química. Sem ter como sustentar o vício, fez coisas que nunca imaginou.
“Eu só não matei, mas já roubei e me prostituí. Hoje em dia eu não quero mais isso, fico por aí pedindo esmola, ou a gente compra uma droga e revende, dá para tirar um dinheiro também”.
O apoio da família
Heraldo sonha com o dia que terá forças para deixar a pasta base de lado, já que o consumo da droga o afastou da família e impediu que visse sua mãe pela última vez.
“Se eu tenho um arrependimento nesta vida é de não ter escutado a minha mãe. Agora ela já morreu, eu não consegui me despedir, nem vê-la pela última vez. Ela era idosa, quando morreu eu estava na cadeia, só soube três dias depois”, lamenta.
Para Heraldo, a relação com a família é uma das coisas mais importantes para que os usuários tenham uma chance de recuperação. Ele até já ficou dois anos sem usar a ‘base’, mas não resistiu e voltou para as ruas. Mesmo sendo uma pessoa muito diferente do topógrafo que já foi, ainda recebe apoio dos familiares. “A família é a coisa mais importante que tem. Eu tenho oito irmãos, eles sempre vêm aqui [na rodoviária] me ver”, diz.
Após ficar longe da família por muitos anos e ter sido rejeitada pela mãe, hoje Andreia recebe visitas dos parentes na região da antiga rodoviária. A mãe e as três filhas a visitam sempre que pode e mantêm contato. “No começo a minha mãe ficou muito mal, ela não me queria em casa. Hoje, ela vem me ver, mas sempre pede para que eu pare de usar [a pasta base]”.
Antônia* é mãe de um dependente químico. Segundo ela, a família demora a perceber a mudança no comportamento do usuário e sempre acha que é apenas uma fase.
“A gente não vê no começo, a família quando descobre, o dependente já está usando há quase um ano, a falta de informação ainda é muito grave para as famílias. Quando a gente toma consciência do problema, já está instalado”, diz.
O filho de Antônia já ficou até três anos longe das drogas, mas recaiu e está há seis meses em uma clínica. Para ela, só a internação não é o suficiente e a família deve se adaptar ao usuário e aceitar que a dependência química é uma doença. “A família toda tem que mudar, às vezes a pessoa fala ‘eu não vou mudar meus hábitos, vou continuar tomando minha cerveja’, aí filho volta, tem recaída. Além disso, família quer esconder de todo mundo porque existe muito preconceito, acham que é mau caráter, mas é uma doença”, explica.
Em vídeo, os usuários contam a experiência do consumo da pasta base:
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