A entre crianças e adolescentes é um problema que tem chamado cada vez mais a atenção de pais e educadores. Só no primeiro semestre deste ano, 47 pré-adolescentes, de 10 a 14 anos, tentaram cometer suicídio em . Entre jovens de 15 a 19 anos, o número é ainda mais expressivo: 148 tentaram tirar a própria vida na Capital.

A série ‘Os 13 Porquês' causou polêmica no ano passado ao trazer o tema da depressão e mostrar o suicídio de uma adolescente. Infelizmente, casos como estes não acontecem apenas na ficção. Mato Grosso do Sul é o terceiro estado no ranking de suicídios do Ministério da Saúde e, em Campo Grande, 18 jovens de 15 a 24 anos morreram em decorrência de suicídio no último ano, segundo levantamento da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde).

Mas, afinal, por quê a depressão tem sido um problema cada vez mais recorrente entre os mais jovens? O professor Fernando Rosalino, do curso de psicologia da UCDB (Universidade Católica Dom Bosco), explica que os estudos ainda não são conclusivos, mas sugerem que o ambiente da internet é um dos fatores. “O cyberbullying, uma humilhação virtual, quando se expõe nudes de uma adolescente, tudo isso acontece no âmbito das redes sociais. Além disso, o uso excessivo da internet propiciaria distanciamento, isolamento e poderia levar a características depressivas. Há a possibilidade de que essa nova variável das redes sociais cause insatisfações em relação à autoimagem”, explica.

A professora Ângela Moura, do curso de psicologia da Uniderp, coordena um projeto social voltado à saúde mental nas escolas estaduais da Capital e afirma que os casos de depressão entre jovens têm aumentado de maneira alarmante.

A especialista alerta que há diferenças entre os sintomas que a doença apresenta entre crianças e adolescentes e entre adultos. Enquanto entre os mais velhos a depressão vem acompanhada da tristeza, em crianças e adolescentes, a irritação é mais recorrente. Além da instabilidade emocional e até crises de raiva, o isolamento, alteração no sono, ansiedade e baixa autoestima também são sinais.

Cada vez mais cedo

Apesar de menos recorrente, a doença também afeta crianças mais novas. No primeiro semestre deste ano, uma menina com menos de nove anos tentou tirar a própria vida em Campo Grande.

Segundo o professor Fernando Rosalino, é preciso ficar atento se a criança para de conversar, se não tem mais vontade de fazer o que gostava, se chora fácil, não quer mais ir para a escola, se tem alterações no apetite e no sono. “Se a criança é um pouco maior, é preciso prestar atenção na fala, às vezes ela solta alguma coisa, frases niilistas como ‘nada vale a pena, ninguém gosta de mim', estas frases desesperançosas, tem que dar importância, é uma forma de pedir socorro”, complementa.

Causas

Se a depressão entre crianças e adolescentes é uma epidemia do mundo contemporâneo, a falta de diálogo pode ser considerada como a principal causa. A psicanalista e professora da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Rosilene Caramalac, explica que a depressão e a tristeza sempre existiram e sempre vão existir, independente da faixa etária, mas a situação se agrava quando não há espaço para conversar sobre a vida e a tristeza.

“Estamos em um tempo em que é preciso que se produza, trabalhe, esteja sempre feliz e alegre. É um tempo que não dá lugar para que as pessoas possam se entristecer ou falar sobre isso. A impossibilidade de falar sobre os sentimentos faz que da tristeza, possa evoluir para uma depressão”, explica.

A fase da ‘aborrescência'

Rebeldes, irritados, isolados. É assim que os adolescentes podem ser vistos pelos próprios pais. O estereótipo esconde um problema profundo, como a depressão. Segundo Ângela Moura, nem sempre os pais e os educadores estão preparados para diferenciar os sintomas da depressão na fase da ‘aborrescência'.

“O adolescente passa por uma fase, ele pede de alguma forma uma contenção, essa proteção. Mesmo que seja com comportamento aversivo, de bater de frente, de discutir, ele está pedindo ajuda. Como ajudar? Criando um espaço de diálogo na família, de fazer esta escuta. A escola pode contribuir com projetos, rodas de conversa, de acolhimento, de falar de assuntos relacionados à fase adolescente”, afirma.

Os desafios virtuais e o suicídio

‘Jogos' virtuais como o da Baleia Azul e da Boneca Momo são motivo de alerta entre os pais. No desafio, alguém se passa por um personagem e lança um jogo com desafios perigosos, como o sufocamento e enforcamento. Em Recife, no estado do Pernambuco, a polícia investiga se o jogo tem relação com a morte de uma criança de 9 anos, que foi encontrada sem vida pelos pais.

Em Mato Grosso do Sul, não houve nenhum caso de suicídio relacionado ao desafio, mas todo cuidado é pouco, ainda mais em casos de crianças e adolescentes com depressão.

Quando a criança não conversa com a família, ela pode procurar o diálogo na internet e acabar pedindo ajuda à pessoa errada. “Podem ter pessoas mal intencionadas que induzem ao ato, como é o caso dos desafios. A criança vai procurar ajuda com quem não quer ajudar. É fundamental que os pais conversem sobre os problemas que o filho enfrenta e não julguem, sem sermão”, diz o professor de psicologia da UCDB.

Já a psicanalista e professora Rosilene Caramalac explica que nos casos de morte envolvendo os desafios, provavelmente, o jovem já tinha um caso de depressão. “O jogo foi só o precipitador, já havia algo aí e nunca foi visto pelos outros. Estes casos em que as pessoas morreram no jogo, já havia vários indícios de que o jovem não estava bem e não foi visto ou escutado”. Entretanto, a especialista alerta que uma medida mais eficiente do que a proibição da internet, é manter a conversa constante e estar atento ao comportamento dos filhos.

Diálogo ainda é o melhor remédio

Os casos de depressão podem ser medicados, a depender do caso, mas a conversa ainda é a melhor saída para quem enfrenta o problema. “Eu vejo que enquanto não repensarmos a perspectiva de escutar o outro, como pai, escola, médico, se não buscar escutar, vamos ter altos índices de depressão. Não é preciso medicalizar a vida, precisamos atravessar com altos e baixos”, diz Caramalac.

O professor Fernando Rosalino afirma que é preciso perguntar sobre as relações, o comportamento, a vida dos filhos. “Tem que perceber como ela se comporta na escola, se brinca com os colegas, se ela se isola. Também é preciso se colocar à disposição, o principal ponto é que os pais estabeleçam um contato, que escutem, mostrem que estão ali. Muitas vezes só de estar perto, a criança pode se sentir melhor”.