As dores de uma crise de sinusite levaram a empresária Priscila Lopes, de 37 anos, à UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do bairro Jardim Leblon, em , nesta terça-feira (5). Na companhia do esposo e do filho, a empresária sentou a poucos metros do local onde o idoso Miguel Lisboa, de 78 anos, morreu enquanto aguardava atendimento na unidade, na madrugada do domingo (3).

“Como morreu esse senhor e estão acusando de negligência, imaginei que talvez o atendimento fosse ser mais rápido hoje. Mas, estou aqui desde as 8h20 e a gente não vê o pessoal ser chamado. Passei pela triagem e estou aguardando”, comenta a empresária, que entrou para a consulta por volta das 10h20.

Assim como Priscila, os demais usuários da unidade também apontam a demora no atendimento como principal aspecto negativo da . “Não é só aqui que demora pra consultar. De madrugada é pior, às vezes a gente sai peregrinando por médico. Liga no SAMU pra saber onde tem plantonista, mas quando chega aqui parece que todo mundo está dormindo”, comenta a diarista Rita de Cássia Sales, de 39 anos, que esteve na unidade com sintomas de mal estar e dor de cabeça.

Na manhã desta terça, cerca de 60 pessoas, entre pacientes e seus acompanhantes, ocupavam recepção e corredores da UPA Leblon. De acordo com a Prefeitura de Campo Grande, 5 médicos faziam atendimento de adultos na unidade no mesmo período, conforme escala de plantão previamente divulgada. Para esta tarde, mais cinco médicos são esperados e, à noite, além da mesma quantidade de clínicos-gerais, 4 pediatras deverão cumprir expediente.

Demora é principal reclamação em UPA onde idoso morreu sem atendimento
Cerca de 60 pessoas, entre pacientes e acompanhantes, ocupavam recepção e corredores da unidade (Foto: Marcos Ermínio | Midiamax)

Diagnosticada com pneumonia, a auxiliar de limpeza Elizabete Veiga, de 33 anos, tem comparecido à unidade diariamente para tomar antibióticos e a cada visita precisa passar pelo consultório médico. “Hoje até que não demorou tanto, mas ontem teve um senhor reclamando que chegou de manhã e só foi ser atendido lá pelas 3h da tarde”, comenta.

Segundo ela, a demora no atendimento numa UPA é compreensível, principalmente quando o paciente recebe classificação azul ou verde. “Mas a gente não vê chegar ninguém estropiado, pra receber a classificação amarela ou vermelha. A gente fica sem entender porque o atendimento demora e os médicos não chamam”, protesta.

Sem Raio-X e cadeira de rodas

Acompanhada do namorado, a autônoma Ana Claudia Santos, de 36 anos, foi levada à UPA após um carro colidir com a moto na qual era passageira. Sentada numa cadeira de rodas e sem conseguir mexer a perna, ela reclamava de dor e da demora no atendimento.

“Eu dei entrada aqui umas 8h30. Tô aqui com a perna inchada, com muita dor e não sei se teve fratura”, disse segundos antes de ser chamada para a consulta, por volta das 10h20. Após receber atendimento, ela ainda trazia o mesmo semblante de indignação.

“Você acredita que vou precisar ir pra UPA Vila Almeida fazer um raio-X? O daqui não está funcionando. Devia ter um transporte para levar lá. Como uma pessoa com a perna como a minha pega um ônibus pra ir até outra UPA? Vou ter que gastar com Uber”, reclama.

Ainda na cadeira de rodas, Ana Cláudia é interpelada por uma senhora, Ilca Medeiros, que levava a vizinha Matilde Benites para atendimento na unidade, com pressão alta e forte dor de cabeça. “Você já está indo? Preciso da cadeira de rodas”, diz Ilca a Ana Cláudia. “Sim, só tem essa cadeira de rodas aqui, você acredita?”, completa.

Classificação de atendimentos

Reclamações de demora em atendimento nas UPA são bastante comuns. E neste período do ano, por conta das doenças respiratórias comuns do outono e do inverno, a demanda nas unidades de pronto-atendimento tendem a aumentar.

Demora é principal reclamação em UPA onde idoso morreu sem atendimento
(Foto: Divulgação | PMCG)

De acordo com a Sesau, em Campo Grande, são seis UPAs e 4 CRS (Centro Regional de Saúde), que atendem diariamente mais de quatro mil pessoas. Os atendimentos nestas unidades são feitos por classificação – sendo os mais graves primeiro – e não por ordem de chegada.

“A eventual demora no atendimento é decorrente da alta demanda, principalmente de casos classificados como azul ou verde, ou seja, de menor gravidade e que, pelo protocolo, têm até no mínimo 4 horas para serem atendidos”, informou a Sesau em nota enviada anteriormente à imprensa, que também destaca que casos de urgência são atendidos imediatamente.

Segundo a pasta, as segunda-feiras costumam receber fluxo maior de pacientes e as escalas são montadas com esta previsão. “Nestes dias, mais de 1 mil pessoas chegam a passar pela unidade nos três períodos e apenas 5% acabam aguardando mais de 4 horas por atendimento”, afirma a nota.

Para casos menos graves, a orientação da Sesau é para que o paciente procure uma UBS (Unidade Básica de Saúde) próximo de casa, a fim de evitar as longas filas e transtornos.

Morte sem atendimento

A demora no atendimento das UPA de Campo Grande voltaram aos holofotes após a morte de Miguel Lisboa, de 74 anos, que morreu na madrugada do domingo (3) enquanto aguardava atendimento na UPA Leblon. A família da vítima acusa ter havido negligência e relata que, apesar dos sintomas de infarto – forte queimação no estômago e pressão alta – o idoso somente recebeu atendimento médico quando desmaiou.

Um vídeo divulgado nas redes sociais mostra o momento em que o idoso recebe massagem cardíaca de uma pediatra que estava de plantão na unidade. Segundo a família, o médico clínico-geral teria interrompido o atendimento. Na sexta-feira (1º), ele já teria dado entrada num posto de saúde com os mesmos sintomas, mas recebendo alta quando a pressão foi normalizada.

A Sesau (Secretaria Municipal de Saúde Pública), no entanto, nega que houve demora no atendimento e afirma que o quadro de profissionais da unidade estava completo com cinco médicos e três enfermeiros (no período) escalados. A nota também reforça que uma sindicância será montada para averiguar se houve negligência por parte dos plantonistas.