Mato Grosso do Sul e 16 estados suspenderam fiscalização contra trabalho escravo

Fiscais do trabalho de 16 estados, inclusive Mato Grosso do Sul, decidiram interromper suas atividades em reação a portaria que dificulta a comprovação de trabalho escravo, autorizada pelo presidente Michel Temer (PMDB). Os fiscais afirmam que por causa da insegurança jurídica, os resgares estão paralisados por tempo indeterminado. Neste ano 8 trabalhadores foram resgatados no Estado. 

“Não haverá combate a escravidão porque a portaria trouxe elementos que dificultam a caracterização da escravidão”, explica o auditor fiscal em Mato Grosso do Sul Kleber Pereira de Araújo e Silva. Segundo ele, uma das principais objeções é a vinculação do trabalho escravo, exclusivamente, a falta de liberdade.  “Não é só a falta de liberdade, é um conjunto de ofensas a dignidade do trabalhador”, esclarece.  

Além de Mato Grosso do Sul, os estados de São Paulo, Espírito Santo, Bahia, Minas Gerais, Mato Grosso, Pará e Rio de Janeiro também decidiram parar após a edição. A modificação da portaria 1.129 ocorreu na segunda-feira (16), atendendo a pressão, principalmente, da bancada ruralista, às vésperas da votação da denúncia contra ele na Câmara dos Deputados. O Ministério do Trabalho diz que, até o momento “não foi informado, de maneira oficial, sobre paralisações ou protestos de auditores fiscais do trabalho”.

A medida do governo federal foi publicada com o argumento de regular o pagamento do Seguro-Desemprego a trabalhadores resgatados do trabalho escravo, mas para entidades e representantes do setor criticam a mudança. Para o Sinait (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho), a Portaria 1.129/2017, altera o conceito de trabalho escravo, tenta inviabilizar a fiscalização e poderá criar a falsa impressão de que a escravidão contemporânea não mais existe.  
A portaria também dificulta o acesso a informação de que empresas acusadas de submeterem seus trabalhadores a condições análogas à escravidão. A divulgação da lista suja, que contém os nomes dos empregados, a partir de agora vai depender uma autorização oficial do ministro do trabalho.

Segundo a norma, para que a jornada excessiva ou a condição degradante sejam caracterizadas, é preciso haver a restrição de liberdade do trabalhador, o que contraria o artigo 149 do Código Penal, que determina que qualquer um dos quatro elementos é suficiente para caracterizar a prática de trabalho escravo. 

Em maio de 2017, o pantanal de Mato Grosso do Sul voltou a protagonizar o resgate de trabalhadores em regime de escravidão. Dessa vez, o flagrante ocorreu em fazenda localizada a 240 km do município de Corumbá, na região conhecida como Nabileque. Um grupo de cinco trabalhadores, contratado para construção e reparo de cercas, viviam em barraco de madeira, com piso de terra, dormiam em camas adaptadas em tábuas e tijolos, e dividiam o espaço com remédios para gado, sacos de sal, material de montaria, galinhas, porcos e insetos. 

No alojamento, não havia instalações sanitárias, o que obrigava os homens a fazer necessidades fisiológicas no mato e a tomar banho com mangueira pendurada na parte externa do barraco. O preparo de alimentos era feito em fogão de lata improvisado no chão e as refeições realizadas sobre tocos existentes no local. Segundo a nova portaria, esse caso poderia não ser enquadrado como escravidão.
 
Para o presidente do sindicato, Carlos Silva, a alteração compromete a erradicação do trabalho escravo. “A portaria condiciona a caracterização do trabalho escravo ao consentimento ou não do trabalhador e à privação do direito de ir e vir, o que nem sempre ocorre. Muitas vezes o trabalhador não vai embora por falta de opção, ou por vergonha, porque acha que tem que saldar a dívida com o patrão, o que não significa que seu trabalho seja digno. Há muitos outros elementos presentes para comprovar a escravidão. O Ministério quer que voltemos ao conceito do Século XIX, de grilhões e correntes. Não vamos aceitar”.