O Supremo Tribunal Federal (STF) vai voltar a discutir a partir desta sexta-feira, 29, no plenário virtual, o alcance do foro por prerrogativa de função, ou foro privilegiado. Desde 2018, a regra em vigor determina que o foro se aplica apenas aos crimes cometidos por autoridades durante o mandato e relacionados ao exercício do cargo. Contudo, ainda não é um tema pacificado na Corte. O julgamento vai até 8 de abril.

O caso foi enviado para o plenário do Supremo no último dia 14 pelo relator, ministro Gilmar Mendes. No despacho, ele apontou que o julgamento pode recalibrar os contornos do foro privilegiado. “No caso dos autos, a tese trazida a debate não apenas é relevante, como também pode reconfigurar o alcance de um instituto que é essencial para assegurar o livre exercício de cargos públicos e mandatos eletivos, garantindo autonomia aos seus titulares”, afirmou o ministro.

O julgamento vai ser realizado em meio ao debate sobre a competência do Supremo para analisar o caso do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), preso no último domingo sob suspeita de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e do motorista Anderson Gomes, em 2018 Brazão ocupava o cargo de vereador na época do crime.

A discussão no plenário virtual será em torno de um caso concreto: um habeas corpus ajuizado pelo senador Zequinha Marinho (Podemos-PA). Ele pede a declaração de incompetência da Justiça do Distrito Federal para julgá-lo por suspeita de “rachadinha”, praticada entre 2007 e 2015, quando ele era deputado federal. Ele argumenta que, desde 2007, desempenhou cargos com foro privativo sem interrupção. Por isso, entende que a competência para julgá-lo é do Supremo. A previsão hoje vigente no Supremo consta na Ação Penal 937.

Competências

A orientação atual do Supremo prevê que o encerramento do mandato parlamentar implica remessa do processo para a primeira instância. Foi o que aconteceu, por exemplo, com as ações envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Também há uma discussão sobre a competência do Supremo para julgar os acusados de envolvimento nos atos de 8 de janeiro de 2023 e o caso de hostilidade de uma família de brasileiros praticada contra o ministro da Corte Alexandre de Moraes no aeroporto de Roma.

A questão do foro privilegiado foi usada como argumento por parlamentares da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, que adiou, anteontem, a votação do parecer sobre a prisão preventiva do deputado Chiquinho Brazão. Ele nega participação no assassinato de Marielle.

O caso voltará à CCJ em abril – a votação foi adiada em duas sessões. Depois, irá para o plenário da Casa, onde serão necessários 257 votos para autorizar a prisão do parlamentar, que, até lá, seguirá na cadeia. O relatório do deputado Darci de Matos (PSD-SC) é favorável à manutenção da prisão. Ao Estadão, os deputados afirmaram que o pedido não se dá pelo mérito do caso Marielle, e, sim, por razões regimentais. Para os deputados, não houve tempo hábil para a análise do relatório da Polícia Federal que implicou Chiquinho na execução da vereadora.

Um dos argumentos para o adiamento foi o fato de que a tipologia do crime não se alinha com que hoje prevê o Supremo para a prisão de parlamentares – apenas em flagrante ou por crimes inafiançáveis.

Por ora, a prerrogativa de Chiquinho Brazão levou seu irmão, Domingos, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, e Rivaldo Gomes, ex-chefe de Polícia Civil, para o mesmo foro: presos na mesma operação da PF, ambos estão sendo investigados pelo Supremo.

Escopo amplo

Mesmo com a mudança de 2018, o escopo do foro privilegiado no Brasil é amplo em termos comparativos, sobretudo pela lista de autoridades que têm direito a ele – de políticos a embaixadores e magistrados de tribunais superiores. Países como Japão, Argentina e Estados Unidos não preveem um foro específico em função do cargo público, embora concedam imunidade ao presidente Em outros, como na França, a prerrogativa se estende apenas ao chefe do Executivo e aos ministros de Estado.

O debate volta agora à Corte em nova composição. Os ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, que participaram do julgamento em 2018, deixaram o tribunal.

Estadão apurou que os ministros foram consultados e acertaram que a discussão deveria ser retomada. A expectativa é a de que a tese seja melhor detalhada, a partir de controvérsias que se apresentaram nos últimos seis anos, sem retornar ao modelo anterior, que foi reformado para baixar o volume de ações criminais após o mensalão.

No julgamento em plenário virtual do Supremo, os votos são registrados na plataforma online ao longo de uma semana, sem debate. Qualquer ministro pode pedir destaque, o que transfere o julgamento para o plenário físico. (COLABOROU RAFAELA FERREIRA)