STJ discute restrição a procedimentos oferecidos por planos de saúde
A Segunda Seção do STJ discute se as operadoras são obrigadas (rol exemplificativo) ou não (rol taxativo)
Agência Estado –
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O Superior Tribunal de Justiça (STJ) volta a julgar nesta quarta-feira, 8, a partir das 14h, dois recursos que podem restringir a cobertura de planos de saúde. A Segunda Seção do STJ discute se as operadoras são obrigadas (rol exemplificativo) ou não (rol taxativo) a cobrir procedimentos não incluídos na lista da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A sessão será presencial, mas pode ser acompanhada por este link. A votação, iniciada em setembro do ano passado, está empatada (1 a 1).
Operadoras de planos pedem pelo rol taxativo, a fim de garantir segurança jurídica e previsibilidade dos preços. Consumidores apontam que o rol é insuficiente e pacientes temem interrupção de tratamento, por isso, defendem a interpretação exemplificativa.
Grupos de mães de crianças com deficiência – principalmente com autismo – temem que tratamentos caros concedidos por via judicial sejam interrompidos. Elas planejam um protesto na sede do Tribunal, em Brasília, às 11h, e “tuitaço” com a hastag #RolTaxativoMata. Personalidades e artistas, como Marcos Mion, Dira Paes, Bruno Gagliasso, Titi Muller e Paulo Vieira já manifestaram apoio ao movimento.
Os recursos julgados buscam uniformizar a jurisprudência interna do Tribunal, para que não haja entendimentos diversos – ou seja, decisões divergentes da mesma Corte. O STJ decide pela característica taxativa ou exemplificativa do rol da ANS, o que deve afetar todas as próximas decisões sobre o tema, inclusive as que já emitiram liminares para obrigar os planos a estenderem sua cobertura.
Se a lista for considerada taxativa, mesmo com justificativa clínica do médico responsável, as operadoras não serão obrigadas a oferecer tratamento ou remédio equivalentes aos já previstos no rol. No caso de um entendimento exemplificativo, a oferta além do rol é garantida, o que permite ir à Justiça em busca de reconhecimento do direito à cobertura.
A ANS diz que a taxatividade do rol de procedimentos é imposta pela lei nº 9.961/2000, “que confere a prerrogativa da ANS de estabelecer as coberturas obrigatórias a serem ofertadas pelos planos de saúde, sem prejuízo das coberturas adicionais contratadas pelos próprios consumidores, com o pagamento da contrapartida correspondente”. “A Lei 14.307/2022 também respalda o entendimento de que o rol é taxativo.”
“Sem a clareza do que deve ser necessariamente coberto, isto é, daquilo que esteja em contrato ou no rol definido pela ANS, fica impossível estimar os riscos que serão cobertos e, logo, definir o preço dos produtos”, explicou.
A agência ainda destacou que, por se tratar de “medida extremamente sensível no mercado de planos de saúde”, vem aprimorando o rito de atualização da lista. “Tornando-o mais acessível e célere, bem como garantindo extensa participação social e primando pela segurança dos procedimentos e eventos em saúde incorporados, com base no que há de mais moderno em ATS (avaliação de tecnologias em saúde).”
Empate
O julgamento começou ainda em setembro de 2021. Relator dos recursos, o ministro Luis Felipe Salomão, votou pela interpretação taxativa. Na visão dele, a taxatividade protege beneficiários de aumentos excessivos e assegura a avaliação de novas tecnologias na área de saúde. Salomão também apresentou hipóteses excepcionais em que a operadora teria de oferecer procedimentos fora do script, como, por exemplo, terapias com recomendação expressa do Conselho Federal de Medicina (CFM).
O julgamento foi suspenso após pedido de vista da ministra Nancy Andrighi. Na retomada da discussão no final de fevereiro deste ano, a magistrada votou pela interpretação exemplificativa.
O entendimento dela é de que a lista ajuda a organizar o sistema de saúde privado, porém, não deve limitar a cobertura. “O rol de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia do consumidor para assegurar direito à saúde”, ponderou. “Mas não pode representar a delimitação taxativa da cobertura assistencial, alijando previamente o consumidor do direito de se beneficiar de todos os possíveis procedimentos ou eventos em saúde que se façam necessários para o seu tratamento”, defendeu.
Na data, mães e pais de crianças com deficiência se acorrentaram em frente à Corte, em manifestação contrária à taxatividade. Após o voto de Nancy, a análise foi suspensa com o pedido de vista do ministro Villas Bôas Cueva. Agora, na quarta, 8, os recursos estão na pauta da mesa novamente.
Prejuízo ao consumidor e pressão no SUS
Coordenadora do programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a advogada Ana Carolina Navarrete disse ao Estadão que “o rol já é exemplificativo”. “É assim que a lei diz e o que STJ tem entendido por anos. O que querem é realizar uma mudança para favorecer as operadoras, que já têm lucros muito altos.”
Na visão dela, caso a taxatividade seja definida, os usuários saem prejudicados, pois não terão mais acesso a uma série de procedimentos. E o Sistema Único de Saúde (SUS) será pressionado. Claro. “O SUS já funciona como um resseguro dos planos frente a negativas de atendimento e ressarcimento”, explica.
Também contrário à taxatividade, o advogado Danilo Russo do Grupo Conduzir, clínica multidisciplinar que atende pessoas que precisam de necessitam de Intervenção Comportamental, destaca que a lista não acompanha “de forma eficaz, a evolução da medicina e da ciência”. “Entender que o rol é taxativo representará um retrocesso no direito constitucional à saúde.”
Russo destaca que o grupo atua diretamente no tratamento de pessoas com autismo e que tem “um número expressivo de clientes que obtêm a Terapia ABA (Applied Behavior Analysis) por meio de decisões judiciais, tendo em vista que os Planos de Saúde negam a liberação do tratamento pela via administrativa”. “Com a judicialização da questão, os clientes conseguem obter o acompanhamento adequado e, consequentemente, o desenvolvimento das suas habilidades comportamentais.”
O entendimento do Instituto Lagarta Vira Pupa também é de que a natureza do rol é exemplificativo – e assim deve permanecer. “Já que a medicina é uma ciência (sempre) em desenvolvimento, o rol não pode ser taxativo em hipótese alguma sob o risco de matar uma pessoa”, diz Vanessa Ziotti, diretora jurídica da instituição.
Os trigêmeos de Vanessa receberam diagnóstico de autismo em 2019. Como nem todas as terapias recomendadas pelos pequenos estavam no rol da ANS, por isso, ela recorreu à Justiça. Caso não tivesse conseguido liminar, teria de tirar do próprio bolso mais de R$ 100 mil, estima.
“Mesmo com a liminar garantindo que eles tenham acesso, o convênio descumpre a ordem judicial todo mês. E eu preciso reiterar que essa ordem seja cumprida sob pena de multa”, fala.
Há seis meses, Vanessa também recebeu o diagnóstico do espectro autista. No entanto, prefere arcar com os R$1,2 mil para terapia comportamental do que recorrer às vias judiciais novamente. “Eu não tenho saúde mental para entrar com outro processo.”
Protesto e ‘tuitaço’
Junto a outras comunidades, associações e grupos, o Instituto Lagarta Vira Pupa integra o Movimento Nacional contra o Rol Taxativo. Vanessa conta que haverá protesto em frente ao STJ a partir das 11h, bem como manifestações em várias cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Também haverá “tuitaço” com as tags #RolTaxativoMata e #RolTaxativoÉRetrocesso.
Operadoras são favoráveis à taxatividade por segurança jurídica
A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), em nota, defendeu a taxatividade, destacando que ela está “diretamente atrelada à segurança jurídica e previsibilidade na atenção à saúde do conjunto de beneficiários”. Também afirmou que a delimitação pela lista é o que permite estabelecer preços.
“Formular o preço de um produto sem limite de cobertura, que compreenda todo e qualquer procedimento, medicamento e tratamento existente, pode tornar inviável o acesso a um plano de saúde e colocar a continuidade da saúde suplementar no Brasil em xeque”, defendeu.
A Unimed do Brasil concorda com a Abramge. “A taxatividade do rol assegura a qualidade e a segurança assistencial, uma vez que procedimentos e medicamentos a serem incluídos na cobertura devem passar pela avaliação de tecnologias em saúde (ATS)”, frisou, em nota.
Rol taxativo ou exemplificativo?
Interpretação exemplificativa: a lista de procedimentos cobertos pelos planos contém alguns itens, mas as operadoras também devem atender outros que tenham as mesmas finalidades, se houver justificativa clínica do médico responsável. Isso tem feito com que famílias recorram à Justiça para que o direito à cobertura pelo plano seja garantido.
Interpretação taxativa: os itens descritos no rol seriam os únicos que poderiam ser exigidos aos planos. Com isso, o pedido para tratamentos equivalentes poderia ser negado, sem chance de reconhecimento pela via judicial. / COLABOROU RUBENS ANATER
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