Líder de esquema na Saúde trata deputado da Alesp como ‘chefe’
O deputado, um dos mais influentes da Alesp, é chamado de “chefe” pelo médico
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Um dos líderes do “Centrão” da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), o deputado estadual Roque Barbiere (Avante) teve mais de uma dezena de conversas com o médico anestesiologista Cleudson Garcia Montali interceptadas pela Polícia Civil durante a Operação Raio X. O deputado, um dos mais influentes da Alesp, é chamado de “chefe” pelo médico, condenado a 200 anos de prisão como líder de uma organização criminosa que, segundo as investigações, desviou R$ 500 milhões por meio de Organizações Sociais de Saúde.
Além dele, o presidente da Casa, Carlos Pignatari (PSDB), teve diálogos com o médico monitorados, como revelou o Estadão nesta terça-feira, 15. Nas conversas, o deputado oferece oportunidades de negócios a Cleudson em hospitais de Ferraz de Vasconcelos e de Santa Fé do Sul. Em nota, Pignatari afirmou que as conversas são de 2019, antes das denúncias, e que “não tem qualquer relação com o caso”.
Ao Estadão, Roque Barbiere disse que tem relação de amizade com o médico. “Cleudson sempre foi meu amigo. Às vezes ia no meu sítio.” O deputado afirmou que o conheceu quando o médico era secretário de Saúde de Santópolis de Aguapeí, cidade da base do parlamentar, “há muitos anos”. O médico foi ainda diretor do Ambulatório Médico de Especialidades (AME) de Araçatuba e diretor regional da Saúde antes de montar as organizações sociais investigadas na Operação Raio X.
“Cleudson pode pegar prisão perpétua que continua sendo meu amigo. Pelas caridades que fez”, disse o deputado, que afirmou que “pedia de tudo para ele, menos dinheiro”. “Não me arrependo. Como diretor regional da Saúde, ele foi um dos melhores para atender a nós, prefeitos, políticos e deputados, para fazer cirurgias e esse tipo de coisa. Não me arrependo dessa amizade. Se ele fez coisa errada, que pague pelo que fez.”
Diálogos
O primeiro dos contatos interceptados ocorreu em 12 de abril de 2019. O deputado pergunta se o médico pode liberar um exame de tomografia, e Cleudson o orienta sobre como proceder. No dia 25, os dois voltam a conversar sobre o atendimento que o médico estava prestando ao filho do parlamentar do Avante.
Para a polícia, Cleudson prestava favores a Barbiere, por meio de atendimentos. E este usaria sua influência no governo em benefício do médico. “Me liga que eu vou dar um jeito de resolver lá… E a outra coisa, a parte do hospital, do médico, o senhor me liga, que a parte de falar com o governador… Eu ligo ‘pro’ senhor. O senhor cuida de aí, que eu cuido de aqui”, afirma Cleudson. O deputado então responde: “O rapaz já falou lá, já falou com o chefe daquela área lá”.
No dia 5 de maio, é o deputado quem telefona para o médico. Trata-se do diálogo mais longo e que mais despertou a atenção dos investigadores. Barbiere comenta o caso de um médico e diz ao interlocutor que ele deve fazer “o que achar que deve ser feito”. “Sim, senhor, tudo bem. Já entendi. Porque é assim: as coisas têm de ter mão dupla, né deputado? Se não for ‘pra’… Se for ‘pra’ não ter mão dupla, chega, chega do senhor ajudar, dos outros ajudar”, diz Cleudson. O deputado responde: “Todos nós ajudando todo mundo e eles ajudando nós”.
Em seguida, o deputado relata que vai ter uma audiência com o vice-governador Rodrigo Garcia (PSDB) e questiona se Cleudson quer que ele trate do caso “daquela senhora lá”. O médico responde que é melhor ficar “quieto”. Barbiere diz ao médico para não se preocupar com um homem que estaria ameaçando os planos. Cleudson então responde que só quer “dar um aperto”. “Quem não colabora, vai cortando”, diz o parlamentar.
É neste momento que o médico teria deixado claro o papel do deputado na história. “Eu respeito as hierarquias, por exemplo, falei ‘pro’ Jair (assessor do deputado), ‘Jair, preciso saber do chefe’.” Barbiere o interrompe e diz: “Quem cuida disso é você. ‘Cê’ sabe o que é bom, se não servir, já sabe o caminho”. Cleudson, então, conclui: “Mas eu sempre converso com o senhor antes”.
Ao Estadão, Barbiere afirmou que ajudou Cleudson para evitar que ele fosse indevidamente prejudicado em uma licitação. Trata-se da AME de Carapicuíba, na Grande São Paulo, que acabou entregue ao grupo de Cleudson. Pignatari teria atuado no mesmo caso.
Documento
Um assessor de Barbiere também foi flagrado pela Polícia Civil tentando substituir, no Tribunal de Contas do Estado (TCE), um documento que apontava irregularidade em uma das organizações sociais do grupo, a Santa Casa de Birigui, a fim de não atrapalhar a participação da entidade em uma licitação.
O diálogo entre Jair Braz Pereira, assessor de Barbiere, com um suspeito do caso aconteceu em 11 de julho de 2019. “Eu peço em nome (do deputado), entendeu?”, diz o assessor. “O que se está pedindo é que a Santa Casa de Birigui não tem contas irregulares”, afirma. Pereira então diz que usaria o documento como argumento no TCE de que não estava querendo “fazer nada de errado”.
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