A discussão já saiu do ambiente virtual em ao menos 11 capitais brasileiras, com a realização de manifestações nos Legislativos – algumas com episódios de violência. Ativistas antivacina já provocaram uma tentativa de invasão à Assembleia do Rio (Alerj), troca de agressões na Câmara Municipal de Porto Alegre e dois casos em que vereadoras – uma também da capital gaúcha e outra em Campinas – registraram boletim de ocorrência por injúria racial.

No caso mais divulgado, em outubro, houve troca de socos entre manifestantes antivacina e vereadores em sessão do Legislativo de Porto Alegre que discutia o veto ao passaporte municipal na capital gaúcha. Uma manifestante se dirigiu à vereadora Bruna Rodrigues (PCDOB), negra, e a chamou de empregada. Na mesma plenária, um dos ativistas exibiu um cartaz com reprodução da suástica nazista.

A retórica contra o passaporte vacinal e a imunização tem eco na Câmara Federal, conforme levantamento feito pelo Estadão com os 513 deputados federais. A reportagem perguntou, entre outubro e dezembro, a todos parlamentares da Casa se eles tomaram a vacina contra a covid-19 e se eram a favor ou contra o projeto de lei 5610/2020, que propõe obrigatoriedade na imunização dos congressistas. Do total que respondeu (243), um em cada três preferiu não se manifestar ou se disse contrário à obrigatoriedade vacinal.

Ao Estadão, quatro deputados confirmaram que até agora não tomaram a vacina contra a covid-19: Carla Zambelli (PSL-SP), Junio Amaral (PSLMG), Marcio Labre (PSL-RJ) e Sargento Fahur (PSD-PR). Fahur defendeu que o imunizante deve ser disponibilizado só para quem quiser. “Se o não vacinado for uma ameaça ao vacinado é sinal que a vacina falhou”, argumentou.

Gráficos que mostram a evolução dos casos de infectados e óbitos por covid-19 no Brasil revelam uma relação direta entre a diminuição dos números de ambos os índices e o aumento da vacinação na população.

Deputados que se manifestaram contra ou não têm uma resposta definitiva sobre o tema deram diferentes justificativas para o posicionamento. Bosco Saraiva (Solidariedadeam) afirmou que as vacinas estão “em fase experimental”, dr. (PSL-MS) argumentou que é mais fácil ser imunizado contraindo o vírus do que pela vacina – afirmações que não têm comprovação científica – e Reinhold Stephanes Jr. (PSL-PR) disse apenas ter “nojo da esquerda”.

‘LIBERDADE’. Em sua maioria, os parlamentares usam como justificativa a “liberdade individual”. Numa discussão em um grupo com 6 mil membros no Telegram, uma usuária disse que, para evitar o rótulo de negacionista, a comunidade deve falar que é a favor “da liberdade” em vez de se manifestar abertamente contra o passaporte.

Esse discurso extrapola o aplicativo e alcança os perfis oficiais de deputados bolsonaristas nas . Parlamentares como (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, compartilharam publicações divulgadas em grupos antivacina no Telegram – a principal delas é a associação, sem evidência científica, de casos de problemas cardíacos atribuídos indiretamente à vacinação contra a covid-19

Investigada no inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal para apurar a divulgação de fake news, (PSL-DF) é ativa na divulgação de mensagens antivacina. No Twitter, a deputada já compartilhou conteúdo de influenciadores contra o imunizante – um deles divulgou um vídeo em grupo com 6 mil seguidores em que uma mulher afirma, sem qualquer comprovação científica, que seu braço foi “magnetizado” após tomar a vacina contra a covid-19.

A pesquisadora no Departamento de Comunicação e Mídia da Universidade de Liverpool, Patrícia Rossini, aponta que a divulgação de informações sem evidência científica por parlamentares pode ser mais nociva. “Figuras públicas têm um grande alcance perante ao público em geral e também perante à imprensa, que acaba repercutindo essas narrativas, ou seja, o risco é de esses conteúdos falsos chegarem até os discursos mais ‘mainstream’”, disse.

Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro disse que a vacina só poderia ser aplicada “com receita médica” e consentimento dos pais. Já o ministro da Saúde Marcelo Queiroga defendeu que as mortes nessa faixa etária pela doença não demandam “decisões emergenciais”. Até agora, 1.148 crianças de 0 a 9 anos já morreram de covid no Brasil. Em nota, a Anvisa reforçou que “seu ambiente de trabalho é isento de pressões internas e avesso a pressões externas”.