STJ invalida decisão de juiz contra Flávio Bolsonaro por considerá-la sucinta

A brevidade das palavras do juiz Flavio Itabaiana de Oliveira Nicolau, da 27.ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, no decreto em que quebrou o sigilo bancário e fiscal de Flávio Bolsonaro (Republicanos/RJ) e de outras 94 pessoas – todos suspeitos de desvio milionário na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) – foi o que motivou […]

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A brevidade das palavras do juiz Flavio Itabaiana de Oliveira Nicolau, da 27.ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, no decreto em que quebrou o sigilo bancário e fiscal de Flávio Bolsonaro (Republicanos/RJ) e de outras 94 pessoas – todos suspeitos de desvio milionário na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) – foi o que motivou a 5.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a anular a prova principal da denúncia criminal contra o filho mais velho do presidente, Jair Bolsonaro.

No sucinto despacho, o magistrado do Rio usou uma técnica jurídica que “há muito, é admitida” pelo STJ para fundamentar a decisão. É o que defendeu o ministro Félix Fischer, relator do processo no STJ.

O Zero Um é acusado pelo Ministério Público do Rio de crimes de peculato, lavagem de dinheiro e de liderar uma organização criminosa. Considerado juiz linha-dura, Itabaiana atuou no caso das “rachadinhas” de Flávio Bolsonaro de 2018 – ano de início das apurações – até julho de 2020.

O processo foi retirado da 27.ª Vara Criminal, após a defesa obter vitória no Tribunal de Justiça do Rio, que concedeu foro privilegiado ao ex-deputado e enviou para a segunda instância a apuração. Decisão tomada dias após o MP prender o operador e estopim do esquema, Fabrício Queiroz – policial militar aposentado, ex-assessor na Alerj e amigo do presidente.

A 5ª Turma do STJ anulou a quebra de sigilo por 4 votos a 1, na última terça-feira, 23, em decisão encabeçada pelo ministro João Otávio de Noronha, que derrubou o entendimento do relator do caso – que seguiu a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Tribunal de Justiça do Rio.

Noronha acatou argumentou da defesa de Flávio Bolsonaro, de que o despacho do juiz Flávio Itabaiana – de abril de 2019 – é nulo, pois “falta de fundamentação da decisão do juiz”. A defesa alegou que o a decisão “não teria passado de um parágrafo, não fez referência ao caso concreto nem indicou importância da medida para as apurações nem mesmo sua urgência”. Argumentos levados ao colegiado pelo advogado e conselheiro da família Bolsonaro Frederick Wassef, encampados por Noronha e seguidos pelos ministros Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e José Ilan Paciornik.

“Ele (o juiz Flávio Itabaiana) afasta o sigilo de 95 pessoas, cada investigado tem uma situação, numa decisão de duas linhas. Em verdade, o magistrado não se deu ao trabalho de adotar de forma expressa as razões do pedido (do Ministério Público), apenas analisou os argumentos, concluindo que a medida era importante. Apenas isso. A decisão é manifestamente nula”, criticou Noronha, ao ler seu voto na sessão de terça-feira, 23.

Com a decisão, a 5.ª Turma anulou o despacho da primeira instância e mandou retirar os dados da quebra do processo. Alinhado ao Palácio do Planalto, Noronha tem um perfil garantista, mais propenso a ficar do lado de investigados – e tem sido criticado, nos bastidores, por tentar se cacifar para a vaga que será aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) em julho

‘Per relationem’

Flávio Bolsonaro passou a ser investigado no MP do Rio em fevereiro de 2018. A quebra dos sigilos fiscais e bancários dos investigados foi decretada em abril de 2019, por Itabaiana. A decisão curta remete os fundamentos aos elementos apresentados no pedido de quebra feito pela Promotoria.

“Compulsado os autos, ou seja, analisando os argumentos expedidos pelo Parquet (Ministério Público) na petição inicial de folhas 02/87 e examinando os anexos constantes da mídia digital de folha 88, verifica-se que o afastamento dos sigilos bancário e fiscal é importante para a instrução do procedimento investigatório criminal”, escreve o juiz no decreto – agora anulado pela 5.ª Turma.

A técnica é chamada de fundamentação “per relationem”. Nela, o magistrado pontua no despacho sua motivação remetendo ou fazendo referência às alegações da parte – no caso, o Ministério Público, ou até mesmo a decisão anterior nos autos do mesmo processo.

O relator do caso no STJ, Felix Fischer foi voto vencido. Ele foi contra os argumentos da defesa de Flávio Bolsonaro e registrou, em decisão anterior, que era “importante ressaltar que a técnica da fundamentação per relationem, utilizada na primeira decisão, há muito, é admitida por este Tribunal Superior”.

O ministro destaca que Itabaiana usou a remissão, “chamada de fundamentação per relationem”, em que se refere aos fundamentos que deram suporte ao pedido do Ministério Público ou até mesmo a anterior decisão. Lembrou que a técnica visa economia processual e “constitui meio apto a promover a forma incorporação, ao ato decisório, da motivação a que ele se reportou como razões de decidir”.

O relator das “rachadinhas” no STJ listou também em despacho de abril de 2020 casos de julgamentos anteriores, inclusive da 5.ª Turma e de seus membros, em que a técnica per relationem foi aceita. Citou ainda entendimento do STF, em outros casos, que a técnica foi aceita.

Pesquisadores de direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) levantaram que apenas 3 de 29 decisões da 5.ª Turma, tomadas em casos semelhantes ao do senador Flávio Bolsonaro, foram similares à da que derrubou a prova principal da denúncia, conforme reportagem do Estadão. O levantamento foi feito no banco de dados da Corte, e se referem ao período entre 1.º de janeiro de 2020 a 24 de fevereiro de 2021.

PGR

Fischer destacou também manifestação “esclarecedora” do sub-procurador-geral da República Roberto Luís Oppermann Thomé, em parecer do caso, em que considerou inexistente qualquer “constrangimento ou ilegalidade/nulidade” nas decisões” do juiz da primeira instância.

“As movimentações bancárias suspeitas na conta do investigado Fabrício Queiroz configuram fortes indícios de que assessores ligados ao co-investigado Flávio Bolsonaro faziam transferências bancárias ou sacavam mensalmente parte de seus próprios vencimentos e os repassavam em espécie a Fabrício Queiroz, configurando-se prática criminosa conhecida no meio político por ‘Rachadinha’, ‘Rachid’ ou ‘Esquema dos Gafanhotos’, ou seja, prática em tese de peculato.”

Para Fischer, a decisão de Itabaiana foi tomada com “amparo em fortes indícios de materialidade e autoria de crimes, inclusive, com a suposta formação de associação criminosa, com alto grau de permanência e estabilidade, envolvendo dezenas de pessoas”. “Não bastasse, a imprescindibilidade da medida de quebra de sigilo foi muito bem explicada na segunda decisão” de Itabaiana.

O juiz expediu novo despacho na época, em que registrou que o “afastamento dos sigilos bancário e fiscal” citados “é imprescindível para o prosseguimento das investigações”. “Pois somente seguindo o caminho do dinheiro é possível o Ministério Público apurar os fatos que estão sendo investigados, não havendo outros meios menos gravosos de averiguar o contexto fático.”

Denunciado

Flávio Bolsonaro, seu ex-assessor Fabrício Queiroz e outras 15 pessoas foram denunciadas em novembro. A derrota desta semana na 5.ª Turma do STJ foi considerada o pior revés das apurações do MP do Rio contra o senador. A decisão invalida o decreto de quebra de sigilo de Itabaiana, o uso dos dados obtidos e toda prova colhida à partir deles. No processo, enfraquece substancialmente a denúncia, mas não anula por completo o caso, segundo autoridades ligadas ao caso ouvidas em reservado.

No pedido de quebra de sigilo feito ao juiz da 27ª Vara Criminal do Rio, o MP lista todos os elementos colhidos até aquele momento que justificavam a necessidade do pedido.

“Diante dos desafios inerentes à compartimentalização da cadeia de comando em crimes desta espécie, a identificação das lideranças do núcleo político e de outros possíveis integrantes dos núcleos operacional e executivo, bem como a descoberta do destino final dos recursos desviados demandará, dentre outros meios de prova, o afastamento dos sigilos bancário e fiscal dos envolvidos”, registra o MP.

O pedido de quebra, que tem 87 páginas e uma série de anexos que foram analisados pelo juiz e mencionados como referência para sua decisão, lista os elementos colhidos até ali que indicavam as práticas de crimes e a necessidade de se obter os dados. Entre elas as movimentações financeiras suspeitas entre assessores, constante em relatório do Coaf, revelado pelo Estadão, que apontou movimentação atípica de R$ 1,2 milhão em uma conta de Queiroz, informações suspeitas prestadas pelo ex-assessor, transações imobiliárias suspeitas.

O Ministério Público do Rio informou em nota que ‘analisará as medidas’ a serem adotadas, depois que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou a quebra dos sigilos bancário e fiscal do filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Em entrevista à imprensa, após o julgamento de terça no STJ, o advogado Frederick Wassef e Flávio Bolsonaro afirmaram que o colegiado fez o que diz a lei e que toda apuração do MP do Rio foi invalidada, assim como a decisão do juiz da 27.ª Vara Criminal. “Isso é absolutamente ilegal”, disse Wassef.

O senador disse que a corte reconheceu aquilo que ele e sua defesa afirmam desde o início do caso, de que ele era alvo de uma perseguição. Falou em conluio entre promotores e o juiz Flávio Itabaiana, sugerindo que ele tinha interesses políticos. “Pode me investigar a vontade. Agora, não dá para rasgar a lei.”

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