O risco de censura e possível cerceamento à acesso à informação basearam o voto de três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que se manifestaram na sessão desta quarta, 10, contra o reconhecimento do chamado ‘direito ao esquecimento'. Para Kassio Nunes Marques, Alexandre de Moraes e Rosa Weber, um entendimento que valide a possibilidade de uma pessoa requerer a retirada de um conteúdo antigo, ainda que verdadeiro, pode atingir diretamente o trabalho da imprensa e a liberdade de expressão.

O caso começou a ser julgado na semana passada, com a leitura do voto do ministro , relator do processo. Para ele, o ‘direito ao esquecimento' é incompatível com a Constituição e poderia restringir ‘direitos da população de serem informados sobre fatos relevantes da história social'.

O recurso em discussão envolve uma ação movida pela família de Aída Curi, assassinada em 1958 no Rio de Janeiro. O crime teve ampla cobertura midiática à época e, em 2004, foi reconstituído pelo programa Linha Direta, da TV Globo. Inicialmente, a família de Curi solicitou que o episódio não fosse ao ar e, após a sua exibição, acionou a Justiça em busca de indenizações e pelo ‘direito ao esquecimento' do caso. A justificativa é que a lembrança do episódio causou sofrimento aos familiares de Aída.

O julgamento foi retomado nesta quarta, 10, com os votos de mais quatro ministros. Kassio Nunes Marques foi o primeiro a falar, declarando que conflitos entre a liberdade de comunicação e a vida privada das pessoas devem ser resolvidos ‘de maneira tópica', e não com o reconhecimento de um suposto ‘direito ao esquecimento cujos limites ninguém sabe exatamente quais são'.

“A liberdade de expressão é ampla e não pode ser limitada previamente. Não vislumbro nenhuma possibilidade de se extrair do texto da Constituição norma, seja sob que determinação for, que proíba a veiculação da notícia em si ou que exija autorização prévia dos envolvidos”, frisou.

Em seguida, Alexandre de Moraes foi enfático ao afirmar que a existência de um ‘genérico, abstrato e amplo direito ao esquecimento' seria equivalente à ‘censura prévia'.

“Como e quem seria o órgão responsável para estipular se aquelas informações são verídicas, foram desvirtuadas ou são degradantes? Nós teríamos um controle preventivo das informações a serem divulgadas? Isso claramente configura censura prévia. Não há permissivo constitucional que garanta isso.

A ministra Rosa Weber, que votou por último. Para ela, o julgamento não busca colocar a liberdade de expressão em suposta posição de supremacia ao direito à privacidade, mas sim ‘delimitar os campos próprios a cada posição'.

“Além de inconstitucional, a exacerbação do direito ao esquecimento é o tipo de mentalidade que, revestida de verniz jurídico, direta ou indiretamente contribui para, no longo prazo, manter um país culturalmente pobre, a sociedade moralmente imatura e a nação economicamente subdesenvolvida”, apontou Rosa, “No Estado Democrático de Direito , a liberdade de expressão é a regra”.

Divergência. Até o momento isolado na divergência, o ministro é o único que reconheceu a existência do direito ao esquecimento. No entanto, destacou que o caso de Aída Curi não se enquadra neste contexto pois a reportagem do Linha Direta apenas registrou a trágica realidade da época e do crime.

“Eventuais juízos de proporcionalidade, em casos de conflitos ao direito ao esquecimento e a liberdade de expressão, devem sempre considerar a posição de preferência que a liberdade de expressão possui, mas também devem preservar o núcleo essencial dos direitos da personalidade”, afirmou Fachin.

O julgamento será retomado nesta quinta, 11, com a leitura dos votos de cinco ministros: Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski e o presidente do Supremo, Luiz Fux. O ministro declarou suspeição e não votará neste caso. O placar está 4 votos a 1 contra o direito ao esquecimento.