Metade dos brasileiros já sofreu assédio no trabalho, diz pesquisa
Segundo pesquisa, de 4,9 mil profissionais, 52% disseram ter sofrido algum tipo de abuso sexual ou moral
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Segundo pesquisa, de 4,9 mil profissionais, 52% disseram ter sofrido algum tipo de abuso sexual ou moral
Mariana teve um fax esfregado em seu rosto pela chefe. Adriana foi chamada várias vezes à sala do gerente para que ele falasse de “seus sentimentos” para ela. Luiza resistiu às investidas do supervisor e ouviu que ele “poderia acabar com sua carreira”. Marcela foi apalpada pelo dono do bar onde trabalhava. Gustavo recorreu ao psiquiatra por causa da pressão excessiva de seu gerente.
Ao buscar relatos de profissionais que tenham sofrido assédio no trabalho, a reportagem ouviu uma dezena de pessoas sempre sob a condição de que seu nome e da empresa não fossem revelados. A quantidade e velocidade com que os depoimentos surgiram indicam que este é um problema comum no mercado brasileiro, como aponta uma pesquisa feita pelo site Vagas.com e publicada com exclusividade pela BBC Brasil.
Dos 4.975 mil profissionais de todas as regiões do país ouvidos no fim de maio, 52% disseram ter sido vítimas de assédio sexual ou moral. E, entre quem não passou por esta situação, 34% já presenciaram algum episódio de abuso.
“Sofri assédio em diversas empresas”, diz Mariana, de 30 anos. A primeira foi quando era estagiária. Até hoje, Mariana lembra de como a chefe ficou furiosa quando ela não encontrou o fax que estava caído atrás de uma mesa. Mariana diz que este episódio foi apenas um de uma série. “Ela me tratava muito mal durante toda a semana e, na sexta-feira, me dava um presente para compensar.”
Em outro emprego, ela e os colegas tinham de lidar com os frequentes gritos do acionista da empresa: “Viu quanta formiga tem no chão? É de tanto doce que você está fazendo!”. Também era comum ouvir pelo telefone que ela tinha 30 segundos para descobrir o que estava ruim em seus relatórios, seguido por uma contagem regressiva: “30, 29, 28…”.
No caso mais recente, Mariana trabalhava em uma grande empresa farmacêutica, sob um executivo conhecido por pressionar sua equipe e, assim, conseguir bons resultados. “Ouvi de um colega: ‘Não posso mais te elogiar. Seu chefe não gosta. Diz que você vai virar estrela’.” Ela conta que saía de reuniões chorando “ao menos uma vez por semana”. Tinha sua performance elogiada na avaliação anual, mas recebia do chefe um péssimo retorno em particular. “Ele era inteligente. Não fazia nada em público. Preferia me minar e me diminuir psicologicamente.”
Após quatro anos e fazendo terapia por causa do trabalho, Mariana decidiu mudar de emprego. “Quando ia trabalhar, tinha dor de estômago e ânsia de vômito. Pensei em virar dona de casa para não passar mais por isso. Tenho medo dele até hoje. No tempo que trabalhei para ele, a equipe toda mudou. Só ele ficou – e acabou promovido.”
‘Você precisa saber de meus sentimentos’
O Vagas.com enviou o questionário para 70 mil profissionais de sua base de dados, escolhidos entre os que tinham atualizado seu currículo nos seis meses anteriores e tinham ao menos um emprego em seu histórico.
O assédio moral foi definido como “ser motivo de piadas e chacotas, ofensas, agressões verbais ou gritos constantes, gerando humilhação ou constrangimento individual ou coletivo”, enquanto o assédio sexual trazia como definição “receber investidas com tom sexual – cantadas, olhares abusivos, propostas indecorosas”.
Nos resultados, o assédio moral foi identificado como o tipo de abuso mais comum, apontado por 47,3% dos profissionais que responderam a pesquisa, enquanto 9,7% disseram ter sofrido assédio sexual. Entre os entrevistados, 48% disseram não ter sofrido assédio. Alguns entrevistados declararam ter sofrido os dois tipos de assédio.
Mas os resultados mostram que, enquanto o assédio moral foi relatado em proporções semelhantes por homens (48%) e mulheres (52%), o sexual é quatro vezes mais comum entre elas: 80% das pessoas que disseram ter sido vítimas de abuso são do sexo feminino.
Adriana, de 32 anos, foi pega de surpresa pelo assédio sexual, após trabalhar por dez anos para o mesmo chefe, a quem considerava um mentor, na área de tecnologia de uma grande empresa do setor de petróleo e combustível. “Preciso falar dos meus sentimentos por você”, disse ele ao chamá-la em sua sala. Segundo Adriana, foi apenas a primeira vez.
“Ele continuou mesmo eu deixando claro que não tinha interesse. Ele me chamava, e eu não tinha como negar, porque poderia ser sobre trabalho. Mas, quando eu chegava, ele fechava a porta e falava que queria me comprar uma joia, me levar para almoçar”, diz Adriana, que diz ter suportado a situação por dois anos. “Chorava muito de raiva. Fui para a terapia, fazia massagem, tomava floral, tudo para me acalmar. Chegou a um ponto em que me via fugindo dele. Só acabou quando ele se aposentou.”
No entanto, assim como 87,5% das vítimas ouvidas pela pesquisa, Adriana não denunciou seu assediador. “Tinha medo. Não possuía provas, e ele era responsável por me promover ou me mandar embora. Também não confiava no RH. Havia muitos casos de assédio na empresa. E, quando foram denunciados, o RH disse que não podia fazer nada. E a vida da pessoa virou um inferno.”
Adriana ainda ficou mais dois anos na empresa após a aposentadoria do chefe. Acabou se desligando e mudando de profissão. Hoje, é terapeuta corporal. “Não queria mais ter chefe.”
Entre os receios mais comuns entre as vítimas de assédio que não o denunciaram, estão perder o emprego (39%) e sofrer represália (31,6%). Não se trata de um medo infundado, pois, entre os que denunciaram, 20,1% afirmaram terem sido demitidos e 17,6% disseram ter sofrido algum tipo de perseguição.
Exceção
Neste contexto, Gustavo foi exceção. Ele diz que, após quase um ano sendo “perseguido” por seu supervisor, decidiu abrir um processo contra a multinacional do setor aéreo para a qual trabalhou por quatro anos.
Gustavo conta que o comportamento de seu gerente mudou depois de ele levar ao setor de RH da sede da companhia, nos Estados Unidos, sua insatisfação com o plano de carreira da subsidiária brasileira. “Quando ele descobriu, passou a querer minha cabeça”, diz Gustavo.
“Começou a me chamar com frequência na sua sala para explicar pequenos atrasos e horas extras, algo que nunca tinha feito. Como todos os funcionários trabalhavam numa mesma sala, as pessoas começaram me perguntar o que estava acontecendo. Algumas até se afastaram de mim para não virarem um alvo também.”
Gustavo diz que seu chefe também passou a sobrecarregá-lo de trabalho ou encarregá-lo de tarefas que ele não sentia ser capaz de cumprir com a qualidade esperada, como abrir uma nova área da empresa. “Quando o questionei sobre isso, ele me disse ironicamente: ‘Mas você não queria crescer profissionalmente?’”, diz Gustavo. “Passei a ter problemas de saúde e a beber bastante. Fui medicado por um psiquiatra, porque não conseguia mais dormir direito.”
Em agosto do ano passado, Gustavo decidiu deixar a companhia e abrir um processo contra ela. A primeira audiência será em novembro. “Soube que meu ex-chefe foi afastado por um mês e depois voltou completamente mudado.”
É um desfecho bastante comum nos casos de assédio que são denunciados, segundo o estudo da Vagas.com: 74,6% dos profissionais que denunciaram o abuso disseram que o assediador permaneceu na empresa.
Problema comum
Para os organizadores do estudo, o alto índice de respostas mostra que este é um assunto urgente no mercado profissional brasileiro. Dos 70 mil questionários enviados para os cadastros no site, 7% participaram, bem acima da média de 0,5% registrada em outras pesquisas. Destes, 98% responderam a todas as perguntas.
“Isso mostra que muitas pessoas são impactadas pelo assédio no trabalho ou têm algo para contar”, diz Sylvia Fernandez, que coordenou a realização do pesquisa. “Infelizmente, é um problema bastante comum. Os profissionais querem que isso seja debatido e que haja consequências, mas ainda predomina a sensação de impunidade.”
José Carlos Wahle, sócio da área trabalhista do Veirano Advogados, enxerga uma melhora nesta questão no mercado brasileiro nos últimos anos, devido à maior presença de multinacionais no país e à internacionalização de companhias brasileiras.
“Esta maior presença de grandes empresas, que têm ações em bolsa e prezam por sua imagem, levou a uma maior adoção de bons valores corporativos e um aumento do número de companhias que determinam padrões de conduta e orientam seus funcionários quanto a este tipo de comportamento”, afirma Wahle.
“Também há uma maior percepção por parte dos funcionários em relação a seus direitos. Antes, havia problemas mais urgentes, como o trabalho escravo. Hoje, nosso mercado está mais maduro, o que nos permite discutir o assédio. Isso não quer dizer que é algo raro nem que está perto de acabar. Vem melhorando, mas ainda há um abismo entre a realidade e como deveria ser.”
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