Ladrão que comoveu policiais já tinha 3 passagens por furtar carne: ‘Triste’

Eletricista nega acusações e disse realmente passar por necessidades

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Eletricista nega acusações e disse realmente passar por necessidades

Policiais civis de Brasília que se sensibilizaram com a história do homem que furtou para alimentar o filho descobriram nesta sexta-feira (15) que o eletricista Mário Ferreira Lima já tinha três antecedentes criminais por furto em comércio no estado de Goiás, todas de carne. Lima nega que tenha cometido os crimes, disse que realmente passa por necessidades e declarou que não quer comentar o assunto.

Um agente que ajudou a mobilizar os colegas afirmou ao G1 que a notícia deixou o grupo triste. Os sistemas das corporações das unidades da federação não são integrados.

“Espero que com essa oportunidade ele mude de vida”, declarou o policial. “A história dele em si vocês comprovaram que era verdadeira. Ele realmente passava por dificuldades. Eu só espero que ele realmente aproveite a oportunidade de emprego oferecida e mude seu comportamento. Se isso acontecer, ainda vou achar que valeu a pena.”

De acordo com agente, um grupo foi até Goiás nesta sexta para verificar as ocorrências no sistema e descobriu a situação. Os furtos são de 2004 e 2007. A delegacia do Gama Oeste, onde os policiais trabalharam, receberam cestas básicas e ofertas de dinheiro para o homem. Uma turma de faculdade também se sensibilizou e começou a arrecadar mantimentos para ajudá-lo.

Lima foi contratado por uma construtora de Valparaíso de Goiás para trabalhar como eletricista, por R$ 1,3 mil, nesta sexta-feira. Ele vai fazer os exames admissionais na segunda.

Lima foi preso depois de ser flagrado por câmeras de segurança do mercado, em Santa Maria , com 7 kg de carne escondidos dentro da mochila. Ele disse em depoimento que praticou o crime para alimentar o filho, de 12 anos.

O homem cria o menino sozinho desde que a mulher se mudou para a casa de um filho mais velho, de outro casamento, para se recuperar das sequelas de um acidente. O eletricista se disse arrependido do crime e classificou a própria situação como “desespero”. “A pior que coisa existe na vida da gente é não poder alimentar o próprio filho”, disse.

O presidente da Comissão de Ciências Criminais e Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil,  Alexandre Queiroz, disse que a defesa pode buscar enquadrar o caso do eletricista como “estado de necessidade”, se ficar comprovado que ele não tinha mesmo outras condições de conseguir alimento.

O advogado disse, no entanto, ser importante que as autoridades fiquem alertas às mazelas sociais e que casos como esse não sejam estimulados.

“A meu ver os policiais agiram acertadamente, até porque eles cumpriram com as formalidades. E é importante deixar isso claro, eles cumpriram com as formalidades. Como cidadãos foi que eles se sensibilizaram e pagaram a fiança, e o policial, pelo tipo de trabalho que exerce, tem essa sensibilidade de enxergar as pessoas. Mas não se pode esquecer que houve um crime”, declarou.

O gerente do mercado que o denunciou à polícia, Ednaldo Belém Silva disse reconhecer que o homem passa necessidades, mas questionou a intenção dele. O crime aconteceu na quarta-feira, Lima foi solto depois de agentes da Polícia Civil se comoverem e pagarem a fiança.

“Se ele quisesse só uma carne para ele comer, ele ia pedir 1 kg de carne, mas pedir duas peças de carne, de uma das melhores carnes que tem [coxão duro]? Eu acho que ele já vem fazendo isso outras vezes. Não acho que era só por necessidade”, afirmou.

De acordo com o gerente, a postura de Lima já havia causado suspeitas em outras duas idas ao mercado. Ele disse ainda que o eletricista “passou como vítima”.

“Não acho que ele tinha que ficar preso, [tinha mesmo que] pagar a fiança realmente e ser liberado, ou ficar um dia, dois dias lá, e se arrepender do que fez”, afirma. “Para mim foi caso pensado, não foi desesperado.”

 

O furto e a ajuda

O desempregado contou que se confundiu com as datas e achou que já tivesse caído na conta os R$ 70 que recebe mensalmente por meio do Programa Bolsa Família. Ele foi então ao mercado comprar banana, pão e carne.

Na hora de passar as compras no caixa, o homem descobriu que o valor que tinha levado – R$ 7 – era insuficiente e tentou esconder a carne na bolsa. Os 2 kg do alimento custavam R$ 26. A ação foi flagrada pelas câmeras de segurança, e o dono do estabelecimento não aceitou as desculpas do ladrão e acionou a polícia.

O agente da Polícia Civil Ricardo Machado conta que o desempregado desmaiou pouco depois de chegar à delegacia, quando ouviu que ficaria preso. Questionado se estava bem, o homem respondeu que estava sem comer havia dois dias, porque deixou o filho consumir sozinho o pão que restava em casa, e que estava preocupado porque não havia alguém para cuidar do menino.

Machado terminou de ouvir a história do suspeito – que narrou ter perdido o emprego com carteira assinada por ter precisado acompanhar a mulher nos oito meses em que ela ficou internada em coma no hospital – e procurou os colegas. “Dei a ele R$ 30 para pagar a carne e depois fui contar aos colegas o que estava acontecendo no plantão. Ficou todo mundo comovido, e logo um tirou R$ 5, outro R$ 10, outro R$ 20 do bolso”, lembra.

A ocorrência foi registrada na delegacia do Gama Oeste, e a fiança foi estipulada em R$ 270. Sensibilizada, uma agente pagou sozinha o valor, enquanto os colegas arrecadavam mais dinheiro para comprar mantimentos para o ladrão.

Quatro policiais acompanharam o eletricista desempregado até o supermercado, onde compraram arroz, feijão, macarrão, biscoito e itens de higiene. “Na hora que passávamos pela seção de higiene, um colega perguntou se ele tinha pasta de dente. Ele disse que tinha mais de mês que não escovava os dentes com pasta, e pedimos que ele pegasse lá, então. Ele, na humildade dele, voltou com a menorzinha e mais barata. Brincamos que isso não dava nem para um dia e pegamos logo cinco, aí pegamos sabonete e todo o resto.”

 

Os agentes acompanharam o homem até a casa dele. Machado diz que ele “não conseguia acreditar e não parava de agradecer”. “Ele cuida da casa e do menino pela manhã e à tarde vai atrás de bicos, mas não conseguiu nada nos últimos dois meses. A gente sabe que o crime não é certo, mas eu me ponho no lugar. Imaginei a minha filha passando fome. O que eu não faria nessa situação?”, questionou.

O eletricista disse esperar nunca mais passar por isso e afirmou que deseja conseguir um emprego e restituir a família.

A agente da Polícia Civil Kelen Lemos, que também colaborou na vaquinha, conta que nada justifica o crime. “Em nenhum momento a intenção é de fomentar o crime [mas não tem como não se comover e não tentar ajudar].”

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