Alunas de curso de artes visuais da Unigranrio tinham a missão de criar uma intervenção urbana

Não era protesto, muito menos magia negra. Os 15 corações de boi pendurados em uma árvore no Aterro do Flamengo neste fim de semana foram um trabalho artístico criado por três alunas de graduação em artes visuais. Tatiana Pessanha, Dani Mei e Deva Peixoto estão no 5º período do curso na Universidade Unigranrio, em Duque de Caxias, e tinham como missão criar uma intervenção urbana para uma disciplina da faculdade. Os corações foram comprados em um açougue e pendurados congelados no fim da tarde de sábado. O trabalho chamou a atenção de quem passava ali na manhã de domingo, e as peças foram retiradas no mesmo dia pela Comlurb.

“A intervenção é uma forma de mexer com a sociedade. Pensamos em usar o coração de boi porque ele remete à vida. O que está acontecendo no mundo? Todos os dias vemos notícias de atentados à vida. O coração é vida, a árvore é um ser vivo, e o homem também”, filosofa Tatiana.

Segundo a estudante, os corações foram colocados ali congelados, e seriam retirados no domingo à tarde para que não comprometessem a limpeza do local. Além de pendurar as peças, as alunas escreveram no chão: “Não é para ficar chocado, é preciso nascer de novo”. O trio tirou fotos e elaborou uma explicação por escrito que será apresentada ao professor da matéria esta semana. Com toda a repercussão, as alunas esperam que a nota pelo trabalho seja alta.

“Não tínhamos noção de que nossa intervenção traria todo esse choque para as pessoas. Mas foi bom porque conseguimos alcançar nosso objetivo, que é botar a sociedade para pensar”, acrescenta Tatiana, que mora em Magé e foi até o Aterro encontrar com as colegas para realizar o trabalho.

O trabalho das estudantes causou polêmica nas redes sociais. No domingo pela manhã, o administrador Luiz Aquino fotografou e filmou os corações pendurados na árvore e compartilhou em um grupo do Facebook. Pedestres se assustaram com a intervenção, e muitos internautas sugeriram que se tratasse de um protesto ou até mesmo de um ritual de magia negra.

Para a crítica de arte e curadora Daniela Labra, o trabalho das estudantes é interessante por levantar o debate sobre a violência na cidade. Ela salienta que a polêmica em torno da intervenção não deveria superar a polêmica que é a quantidade de homicídios e outros crimes violentos que ocorrem no Rio.

“Nada é mais duro e mais impactante que a realidade. Dias atrás vimos a notícia de bandidos que assaltam as pessoas armados com porretes e facas no Aterro do Flamengo. Esse é mais um trabalho que procura levantar questões sobre a violência na cidade.Temos uma barbárie estabelecida – critica Daniela, que cita a obra “Trouxas ensanguentadas”, de Artur Barrio, como exemplo semelhante. Nos anos 1960, o artista espalhou 14 trouxas com carne putrefata em Belo Horizonte, em alusão ao contexto político da época.

O maior ícone desse tipo de trabalho é o britânico Damien Hirst. Entre suas obras estão “A thousand years”, que apresenta uma cabeça de vaca em decomposição, e “The physical impossibility of death in the mind of someone living”, coposto por um tubarão morto dentro de um aquário com formol. Uma obra do artista pode custar até R$ 50 milhões.

Segundo a prefeitura, qualquer intervenção urbana deve ter autorização da subprefeitura responsável pelo local onde será realizada. O órgão da Zona Sul não foi contactado pelas estudantes antes da sua intervenção.