Polícia diz que quadro tinha ‘efeito contrário’ ao tentar denunciar pedofilia
Delegado diz que idade para público da exposição está equivocada
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Delegado diz que idade para público da exposição está equivocada
Opiniões divididas cercaram a apreensão da tela ‘Pedofilia’, assinada pela artista plástica mineira Alessandra Cunha, na tarde desta quinta-feira (14), no Marco (Museu de Arte Contemporânea), de Campo Grande. Se, por um lado, muitos veem a ação como censura, a polícia garante que a obra, da maneira como estava exposta, estimulava justamente o crime que tenta denunciar: estupro de vulnerável.
Diante de toda a polêmica que a denúncia, seguida pela apreensão da tela, causou, o Midiamax conversou com o delegado responsável pelo caso, Fábio Sampaio, da Depca (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente). Para ele, o primeiro problema encontrado na exposição foi a idade recomendada para o público.
Assim que a denúncia chegou à delegacia especializada, a classificação da exposição era “não recomendada para menores de 12 anos”. As 31 telas expostas no Marco (Museu de Arte Contemporânea) de Mato Grosso do Sul, na série intitulada ‘Cadafalso’, expõem as violências a que mulheres são submetidas, inclusive a pedofilia, em uma sociedade machista.
Homens nus e frases que criticam as situações, escritas ao contrário, foram cuidadosamente desenhadas para dar o tom de protesto que a autora da série, Alessandra Cunha, também conhecida como Ropre, tentou expressar. Na visão da equipe policial, as imagens com conotação pornográfica explícita são inapropriadas para a idade permitida a ter acesso à exposição.
O problema foi resolvido, segundo o próprio delegado, depois que a classificação passou a ser proibida para menores de 18 anos, mas, entre as telas, aquela intitulada ‘Pedofilia’ chamou atenção. Foi pela vivência diária na especializada que a equipe optou pela apreensão da obra em que uma criança é representada entre dois homens com pênis eretos.
“Foi para proteger nossas crianças e adolescentes que apreendemos a obra. Entendemos que a tela tem, sim, apologia ao crime”, defendeu Sampaio. O delegado explicou que a imagem retratada no quadro, da forma que estava sendo colocada, pode causar o efeito reverso ao propósito da artista e estimular o estupro.
“Entendemos que isso, da maneira que foi colocada, nada contribuí para diminuir os índices de violência contra crianças”. Conforme Sampaio, a preocupação é exatamente a interpretação de que possíveis autores, que tenham contato com a exposição, façam da obra.
Denúncia
Ainda conforme Sampaio, a polícia não agiu antes por que não teve conhecimento da exposição. Assim que a denúncia chegou à delegacia, levada por parte de deputados estaduais, depois de sessão ordinária na Assembleia Legislativa que debateu a situação, as equipes policiais seguiram o Código de Processo Penal.
O artigo 6 da legislação determina que, “logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais, e apreender os instrumentos e todos os objetos que tiverem relação com o fato”.
Testemunhas devem ser ouvidas nos próximos dias, incluindo pessoas ligadas à exposição, crianças que possivelmente foram ao Marco e também a artista plástica. “Vamos ver se ela vem até Campo Grande. Se não ela deve ser ouvida por carta precatória”, explicou o delegado. A coordenadora do Marco deve prestar depoimento na nesta sexta-feira (15).
Enquanto o caso é investigado, a obra é mantida na delegacia, e uma das preocupações é seu armazenamento, para não danificar a tela. Até que um local apropriado seja encontrado, ela segue na sala do delegado, ambiente com ar-condicionado. “O juiz pode ter um entendimento diferente do meu e devolver a tela para a artista, por isso o cuidado para não danificar a obra”.
Versão da autora
Em entrevista ao Jornal Midiamax. A artista revelou que a reação de indignação diante da tela ‘Pedofilia’ é esperada. “Sim, porque eu representei uma criança acuada, diante da violência. É isso mesmo. É para causar reflexão. Mas esta foi a primeira vez que isso aconteceu na contramão, que as pessoas não entenderam. Normalmente, as pessoas compreendem que se trata de uma crítica”, aponta.
“Assusta um pouco saber que as pessoas não conseguem entender uma crítica óbvia, mas é uma reação natural do machismo, que é justamente o que eu denuncio na minha série. Essa reação na contramão é o próprio machismo tentando reprimir as questões que a gente coloca contra ele”, revela a artista.
‘Cadafalso’ é uma série de 32 telas que já circulou em diversas cidades brasileiras. Segundo Alessandra, a inspiração para elaborar a série surgiu após uma visita a uma exposição em Maceió, em Alagoas, na qual mulheres eram retratadas com a boca costurada ou fechada.
“A obra que eu vi retratava o silêncio diante da violência que as mulheres sofrem. Aquilo me tocou muito e, quando voltei para Uberlândia, decidi fazer justamente o contrário, que é expor essa violência machista, misógina e falocêntrica”, explica.
Ao todo, foram cerca de dois meses até concluir a série, cujo nome se refere ao pedestal onde mulheres acusadas de bruxaria eram mortas queimadas durante a Santa Inquisição. “O nome faz uma alusão a esse palco, uma metáfora, porque, tantos anos após a inquisição, as mulheres continuam sofrendo violências decorrentes do machismo”, aponta.
O caso envolvendo a exposição da mineira em Campo Grande ocorre menos de uma semana de um imbróglio implicando a exposição ‘Queermuseu’, no Santander Cultural, em Porto Alegre (RS), ganhar repercussão, após ser suspensa pela entidade, em razão da pressão de grupos religiosos e de organizações políticas como o MBL (Movimento Brasil Livre). Segundo as denúncias, as obras traziam blasfêmia com ícones religiosos, além de serem supostas apologias à pedofilia e à zoofilia. (Colaborou Guilherme Cavalcante)
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