Naquele dia 8 de junho de 1972, nós estávamos escondidos no templo. O Vietnã estava em guerra, mas minha mãe imaginou que num lugar sagrado e assistidos por soldados estaríamos seguros. Eu tinha 9 anos e não conseguia pensar em nada. Estava muito assustada. Eu me lembro de ver o avião se aproximando de nós. Depois, paralisada de medo, vi as bombas caírem e ouvi o estrondo. Vi o fogo a meu redor. Eu nunca tinha ouvido falar em napalm antes. Ele tem uma consistência pegajosa que adere à pele humana e a transforma em cinzas, queima a 1.200 graus célsius. Eu saí apavorada pela estrada, correndo o mais rápido que podia. O fogo destruiu as roupas típicas que eu usava: uma blusa larga, parecida com uma túnica, e calças folgadas de algodão. Eu não imaginava que estava sendo fotografada. Mas Nick Ut (fotógrafo da Associated Press) me fotografou. A foto que ele tirou ali foi o começo de uma longa jornada para mim. Tirar fotos era seu trabalho, mas ele fez mais do que isso. Largou a câmera e me levou para o hospital mais próximo. Sou muito grata a ele, a quem chamo de Tio Ut. Ele se tornou parte de minha família, e nós temos uma relação maravilhosa até hoje. Conversamos sempre.
Só vi esse registro muito tempo depois. Passei 14 meses no hospital, tratando as queimaduras. Quando voltei para casa, meu pai me mostrou a foto, recortada de um jornal vietnamita: “Aqui está sua foto, Kim”. Olhei a foto e, meu Deus, como fiquei envergonhada! Como eu estava feia! E pelada! Todos estavam vestidos, e eu, uma menina, estava sem roupa. Vi a agonia e dor em meu rosto. Fiquei com raiva.
Por que ele tirou aquela foto de mim? Era melhor não ter tirado nenhuma! Eu era só uma criança, mas tinha de lidar com muita dor. Quanto mais famosa a imagem ficava, mais eu precisava encarar minha tragédia.
A foto voltou a me atormentar em 1981, quando eu tinha 19 anos. A guerra já havia acabado. Eu estava terminando a escola e tinha um novo sonho: ser médica. Jornalistas estrangeiros começaram a vir ao Vietnã atrás de mim. Queriam me entrevistar e me mostravam a foto e vídeos em que eu aparecia correndo na estrada depois da explosão da bomba de napalm. Percebi que minha foto era muito famosa. Quando eu era criança, tinha vergonha de minhas cicatrizes, mas aprendi a aceitá-las. Eu só queria seguir em frente e realizar meu sonho de ser médica, mas o governo vietnamita me descobriu e não me deixou mais em paz. Foi um período terrível em minha vida. Eu esperava que usassem minha foto para conscientizar as pessoas dos horrores da guerra, mas por que não me deixavam em paz? O governo queria que eu fizesse propaganda do regime comunista e o ajudasse a culpar os Estados Unidos por nossas desgraças. Eu nunca quis, e até hoje não quero, me envolver em política. Só quero fazer o que meu coração manda: lutar pela paz em nome das crianças e vítimas de guerra.

Essa é Kim Puc, hoje!

Foto : Getty Images
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