Na teoria, a saúde é um direito fundamental de todo o cidadão brasileiro, mas para uma determinada parcela da população, o acesso a medicamentos, exames, cirurgias e tratamentos ainda é precário. E cada vez mais cidadãos procuram o Poder Judiciário como última alternativa para a obtenção desses serviços, que muitas vezes são negados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).  

A prática conhecida como ‘judicialização’ ocorre cada vez mais na área da Saúde e consiste na tentativa dos moradores em obter recursos por meio de ações judiciais contra o Estado e município onde moram.

O Jornal Midiamax apurou que, em 2016, com processos finalizados na Justiça e com direitos adquiridos pela população, o Governo do Estado gastou R$ 17 milhões dos cofres públicos com ações judiciais. Em 2017, valor salta para R$ 19 milhões. Já a Prefeitura gastou, em 2016, R$ 7,6 milhões em processos e, em 2017, valores empenhados caíram para R$ 5,9 milhões. Ou seja, em um ano, Estado e Município, gastaram, juntos, quase R$ 25 milhões em processos.

Em busca dos seus direitos

Para o defensor público, Dr. Hiram Nascimento Cabrita de Santana, integrante do Naspi (Núcleo Regional de Atenção à Saúde), aumento na procura de serviços na Defensoria Pública de Campo Grande se deve ao fato dos moradores reconhecerem cada vez mais os seus direitos e para ele, imprensa faz grande papel na orientação.

“A população passa a conhecer mais os seus direitos. A imprensa acaba sendo um veículo importante para trazer esses esclarecimentos para as pessoas. As pessoas têm direito a acessar os serviços da defensoria, buscar no Judiciário o tratamento de que ela necessita”, disse Hiram.

Outro fator que seria responsável pelo aumento nos gastos com a judicialização, seria a falta de investimentos que o Estado faz na Saúde, causando um sucateamento do SUS. “Nós estamos em um momento em que as necessidades da população aumenta e o poder público não aumenta proporcionalmente os recursos para custear esses serviços, aí acaba tendo uma procura muito grande e não atende à demanda da população”, esclareceu o defensor público.

Questionado sobre o período de tempo em que se leva para dar entrada no processo e conseguir o recurso, Hiram respondeu que agilidade depende da ocasião. Quando se consegue uma liminar com um juiz, obrigando o fornecimento imediato para o custeamento do procedimento do paciente, tempo de reposta é bem mais rápido.

No entanto, quando Estado ou município se negam a aceitar cumprimento da liminar, processo é mais demorado e trabalhoso. “Aí o processo é mais lento, pois necessita de o paciente retornar à Defensoria e conversar com um defensor novamente. Aí entra com um novo pedido no processo, com um bloqueio de verba pública. O judiciário vai no poder público e retêm um valor que seria o suficiente para garantir o valor para que a pessoa possa adquirir na rede particular”, explicou.

Atualmente, a Defensoria Pública têm 19 defensores, sendo quatro profissionais que atendem no Naspi. Por dia, cerca de 80 pessoas passam por lá para conseguir procedimentos na Justiça que deveriam ser fornecidos pelo SUS.

Conquista da medicação

Moradora do Jardim São Conrado na Capital, a aposentada Maria Aparecida Oliveira, de 88 anos, entrou na Justiça, junto à advogada, para conseguir receber um medicamento que não estava disponível no SUS. O remédio, Ketosteril, destinado para tratamento renal custava na época R$ 480, uma caixa com 100 comprimidos e, atualmente custa R$ 556.

“Quando a médica [nefrologista] disse que só esse remédio poderia fazer com que meus rins voltassem a ser mais saudáveis era aquele preço, eu quase caí para trás. Não dava para comprar porque o dinheiro da aposentadoria não iria dar para comprar ele e pagar outras contas. Aí uma advogada conhecida da família disse que ia ajudar”, contou à reportagem.

Em 2015, época em que a advogada da paciente entrou com processo para conseguir que o Estado ou município custeasse ou fornecesse o remédio à idosa levou cerca de um mês para que liminar fosse concedida. No entanto, Justiça decidiu que fornecimento seria de forma compartilhada, sendo que Estado deveria dar medicamento por seis meses e Município em outros seis meses.

O fato é que no primeiro semestre em que conseguiu o remédio, considerado impossível de arcar com o dinheiro do próprio bolso, correu tudo nos conformes. Secretaria Estadual de Saúde entregava, pontualmente, todos os meses, o caríssimo remédio para o tratamento dos rins da senhora.

Mas no segundo semestre, quando Saúde municipal deveria assumir o fornecimento, as coisas começaram a desandar para a família de Maria.

“Nos seis primeiros meses eu consegui o remédio certinho. Todo mês minha neta ia buscar para mim lá no centro da cidade [na Casa da Saúde, localizada na Afonso Pena]. Quando acabou esses seis meses [que o Governo parou de fornecer] começou a dor de cabeça porque a prefeitura não queria me dar o remédio”, comentou a aposentada.

Ainda em fase de tratamento, Maria precisava, sem falta, do medicamento e foi então que a situação financeira ‘apertou’, pois ela teve de comprar as cápsulas com o próprio dinheiro. “Eu tinha que tomar dois [comprimidos] por dia e como a médica não tinha falado que eu podia parar de tomar, eu tive que comprar. Não teve jeito”, disse.

Com a ajuda da filha e do genro, Maria comprava uma cartela do remédio por mês. “Minha neta pedia na internet e eles entregavam em casa. Foi assim por seis meses até que eu tive alta e meus rins ficaram melhores”, declarou a idosa. O medicamento, tão importante no tratamento, fez com que os rins melhorassem em 80%, disse nefrologista a ela.

Depois de dois anos

De fato, a Secretaria Municipal de Saúde (Sesau) ignorou a decisão judicial de fornecer o remédio e por muitas vezes, a advogada da aposentada acionou Justiça para que prefeitura fosse cobrada, mas nunca obteve resposta.

O tratamento de Maria Aparecida terminou em 2016 e os rins da aposentada nunca mais precisaram do caro remédio renal. Depois de dois anos, o telefone da casa onde a idosa mora com a filha recebeu um telefonema em abril de 2018.

“Era alguém [da Sesau] informando que o medicamento já estava disponível para ser retirado no CEM [Centro de Especialidades Médicas]. Um absurdo decidirem dar o remédio depois de dois anos”, disse Maria José, filha de Maria Aparecida.

A decisão da família foi de não aceitar retirar o remédio, entendo que a paciente não precisa mais do remédio e que outras pessoas precisam da medicação tão cara para quem não tem condições de comprar.