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A bagagem do viajante: São Petersburgo, a monárquica e chique cidade imperial russa

Andando pelas ruas. Parte I
Arquivo -

Andando pelas ruas. Parte I

Quando o policial, na imigração, pediu-me de onde eu vinha, por estar distraída ou pelas minhas limitações do inglês, respondi “venho do Brasil”. Ele disse não. Pedi desculpas, disse que falava mal o inglês, não tinha entendido que queria saber de onde era meu voo. Respondi Estocolmo. Não sei se por isso ou por outro motivo, passei rapidamente pela polícia. São filas demoradas para entrar na Rússia, muitas perguntas. A mim, depois de pedir desculpas e dizer que não falo bem inglês, foi rápido. Fui dispensada bem antes do que minhas amigas.

E chegamos a São Petersburgo, cidade linda, de muitas cúpulas douradas, à beira do Rio Neva. Próxima do Golfo da Finlândia, no Mar Báltico. Já tinha lido tanto sobre ela, em tantos romances, tantos escritores. Ivan Turgueniev ambienta nela a maior parte de seus dramas políticos e amorosos. Nela, a aristocracia, que vivia de um jeito nababesco, com uma família real exageradamente rica e gastadora, ficou com os olhos fechados aos anseios do povo e foi o clima propício para a revolução bolchevista, que depois de um tempo, também virou às costas ao povo. Meu pai, que é um grande leitor da história russa, dos romances russos, tinha me dito, antes da viagem: você vai conhecer um povo que foi oprimido desde sempre, um povo muito sofrido.

O painel do metrô (Arquivo Pessoal)

 

 Encontrar nosso hotel foi difícil. Era em um andar de um prédio imponente, antigo, sem restauração. Entrando no prédio, as escadas eram depredadas, estragadas, um elevador velho que tive medo de subir. Chegando ao primeiro andar, em uma das portas, era nosso hotel. Dentro era totalmente reformado, moderno, bem decorado. Não acreditava que assim o seria. E assim foi quase tudo em São Petersburgo: uma mistura de novo e velho, de coisas depredadas, precisando de restauração, com preciosidades. Mesmo em sua rua principal, a Nevsky Prospekt, tudo é assim: algumas construções lindas e outras sem cor, sem cuidado, gastas pelo tempo. A Igreja do Sangue Derramado, situada à margem do canal Griboedov, foi construída onde o Czar Alexandre II foi assassinado e se tornou um armazém durante o período comunista. Ainda guarda marcas desse período de descaso.

Estive na cidade por uma semana durante o verão, e pude observar suas noites brancas, como Dostoievski descreve em sua novela. Escurecia – e mesmo assim, não completamente – às três horas da madrugada e às cinco horas já estava completamente claro. O jeito era passear pela cidade, andar de barco.

A Igreja do Sangue Derramado (Arquivo Pessoal)Não conseguíamos nem conversar com as pessoas. Mesmo em nosso hotel, só uma atendente falava inglês. Tivemos que resolver quase tudo na mímica. E além de tudo, eles têm outro alfabeto. Senti-me uma analfabeta absoluta. Só reconhecia as imagens. Saia entrando nas lojas, olhando dentro, para ver se encontrava um mercado. Nos passeios de barco, museus, enfim, em todos os passeios turísticos, só se falava em russo. A maioria dos turistas era do próprio país. Assim o percebi. Foram dias e dias tentando me comunicar na mímica. Para algumas coisas é bem difícil fazer mímica, porém as pessoas eram tão simpáticas, tão acolhedoras, sempre querendo ajudar, adivinhar o que você queria, que eu e minhas amigas, não tivemos problemas sérios. Um dia cheguei ao hotel comendo um chocolate, nos dias seguintes, ganhava das atendentes um chocolate. Não há marcas conhecidas nos supermercados, tudo é produção local.

Foram dias quentes, de muito sol e noites claras, de comida boa e pessoas simpáticas e acolhedoras. Gente simples, pobres, trabalhadores. Eu não precisava saber língua nenhuma para entender isso. Mas foi lá, nessa semana, que decidi que voltaria ao país falando o russo. Quero fazer, em viagem futura, o trajeto da ferrovia transiberiana – pelo menos um trecho, pois ela tem mais de nove mil quilômetros – conhecer o Lago Baikal, ler alguns romances russos no original e, sobretudo, conversar com as pessoas. Há mais de um ano sigo nesse empreendimento tão difícil: estudando russo. Já conheço o alfabeto, declino verbos, falo e compreendo frases curtas.

Em poucas viagens em minha vida aprendi tanto e saí tão determinada a aprender uma língua tão difícil. Um país gigantesco, com uma história tão complexa, de tantas batalhas, guerras, sofrimento do povo. Qual país do mundo tem tantos escritores geniais como a Rússia? Que cidade foi tão retratada em romances como São Petersburgo? Enquanto andava pela Nevsky Prospekt, estava no ambiente de Anna Karenina, o maior romance já escrito. E como a cidade, em parte, parou no tempo, eu estava naquele tempo. E não no meu. Voltarei a essa cidade imperial em alguns anos e falando a língua deles. Quem me acompanha?

*Andréa Brunetto é formada em psicologia e atua como psicanalista. É membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano, funda­dora do Ágora Instituto Lacaniano de e autora de “Sobre amores e exílios” (Editora Escuta, 2013). Colabora com o MidiaMAIS às quartas-feiras.

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