Afinal, o que os grupos de WhatsApp têm a ver com a carência da vida moderna?
Para psicóloga, a devoção à tecnologia pode esconder uma série de problemas
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Para psicóloga, a devoção à tecnologia pode esconder uma série de problemas
Sabe aqueles grupos de WhatsApp que não te deixam dormir, comer, ver filmes ou conversar? Pois bem, eles surgiram para ser a solução dos problemas de comunicação entre equipes de trabalho, famílias e amigos. Mas, se tornaram um verdadeiro tormento para muita gente. São mensagens e mais mensagens, fotos, áudios e vídeos absolutamente desnecessários que pipocam a todo instante. A saída é, na maioria das vezes, silenciar as notificações ou sair de uma vez por todas, certo? Errado! Acredite, há quem viva à procura desse “karma”.
Em grupos no Facebook e em anúncios espalhados pela internet, é fácil encontrar quem esteja à procura deles. “Criando grupo só de homens casados. Assuntos de mesa de bar: futebol, casamento, mulheres”, convidou um usuário. Na mesma página, alguém à procura de amigos deixou o seguinte recado: “oi galera…bom dia…faz pouco tempo que mudei. para Campo Grande…. não conheço nada e ninguém aqui….to ficando meio depressiva tenho que distrair minha cabeça…eu estou à procura de amizades aqui….alguém a fim??”
E o mais curioso disso tudo é que os posts recebem dezenas e dezenas de comentários de pessoas dispostas a conversar e que, acima de tudo, não têm medo de tornar público seus dados pessoais como o número de telefone.
Como motivo, a maioria delas apontou o desejo de receber conteúdo engraçado e conhecer pessoas novas. Uma delas afirmou, inclusive, que sua maior forma de distração são os tais grupos. “Ali você conversa besteira, ri das piadas que as pessoas colocam no grupo. É muito tranquilo e quando vejo já fiquei um tempão conversando”, disse a usuária que preferiu não se identificar.
Pisicóloga há 24 anos, Bernandete Freire Campos vê com certa preocupação o uso intenso das redes sociais, em especial o WhatsApp. Para ela, a busca excessiva por conectividade e distração podem esconder, entre outras coisas, transtornos psíquicos.
“Há uma carência afetiva, uma necessidade de falar. Mas o que acontece é que nestes grupos ela não vai encontrar o que busca. As pessoas querem falar, se comunicar, mas não ouvir o outro e isso pode gerar uma frustração muito grande. Uma sensação de que ninguém se importa. É o contrário do que buscam”, explica.
Um dos maiores críticos do que intitulou de “liquidez” da modernidade, o o sociólogo polonês Zygmunt Bauman trata do assunto em seu livro de maior sucesso, Amor Líquido. Para ele, pertencemos ao ato de conversar e não ao que conversamos. “Nós entramos nos chats e temos “camaradas” que conversam conosco. Os camaradas, como bem sabe todo viciado em chat , vêm e vão, entram e saem do circuito – mas sempre há na linha alguns deles se coçando para inundar o silêncio com “mensagens”. No relacionamento “camarada/camarada”, não são as mensagens em si, mas seu ir e vir, sua circulação, que constitui a mensagem – não importa o conteúdo. Nós pertencemos ao fluxo constante de palavras e sentenças inconclusas (abreviadas, truncadas para acelerar a circulação). Pertencemos à conversa, não àquilo sobre o que se conversa”, escreveu.
Com toda essa transformação, alguns novos códigos de conduta social estão se estabelecendo e se adaptar a eles nem sempre é simples. A necessidade de obter resposta, por exemplo, é muito séria., explica a especialista. Por estarem conectadas o tempo todo, se espera do outro uma resposta imediata e isso nem sempre vai acontecer. É aí que surge o drama do “fulano viu e não visualizou”, que assombra até o mais desencanado dos mortais.
Bernadete explica que atende cada vez mais pessoas com síndrome do pânico, dificuldade de concentração e até de socialização. Para ela, esses problemas podem estar ligados ao fato de estarmos cada vez mais conectados. “O cara a cara se tornou um problema. As pessoas se falam pelas redes, mas quando o encontro acontece, o diálogo acaba”. diz ao mencionar que muitos casais têm sofrido com isso. “Eles não conseguem se comunicar sem ser por mensagens via WhatsApp. Isso é muito sério.”
Voltando ao papo com os “caçadores de grupos” – alguns contam nos dedos o número de grupos em que estão inseridos como quem mede sua “popularidade” -, a instantaneidade da circulação das informações também é outro atrativo apontado. “Fico sabendo das coisas antes de sair nos jornais. Tudo eles jogam no whats, rapidão. Quando demora eu já acho estranho”, diz.
Nessa ida e vinda de conteúdos sem qualquer filtro, tornou-se comum o compartilhamento de fotos intímas, conteúdo pornográfico, imagens de acidentes e mortes, tudo sem qualquer censura. “As pessoas se esquecem que estão em um espaço em que os registros permanecem. O conteúdo que compartilha hoje pode fazer sentido, mas no futuro é possível que não tenha mais nada a ver com quem compartilha. Por tanto, é preciso ter cautela”, aconselha.
O vício
A tecnologia também vicia e cada vez mais. Algumas pessoas são mais suscetíveis ao vício do que outras, mas o que não muda, é a quantidade crescente de pessoas nessas circunstâncias.
Já existe, inclusive, um grupo de apoio à viciados em internet desde 2006 na USP (Universidade de São Paulo). Quando à devoção às redes sociais e à internet passa a atrapalhar as relações pessoais, é hora de procurar ajuda profissional.”
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