Pular para o conteúdo
Saúde

Caso de Charlie Sheen ‘mostra que preconceito é maior obstáculo para combate à Aids’

"Não vamos conseguir vencer a Aids apenas com comprimidos"
Arquivo - Publicado em
Compartilhar

“Não vamos conseguir vencer a Aids apenas com comprimidos”

A revelação do ator Charlie Sheen, que admitiu ser HIV positivo, reanimou o debate a respeito do vírus, que ataca o sistema imunológico do corpo e pode levar ao desenvolvimento da Aids – doença que ainda carrega forte carga de preconceito, três décadas depois do início da epidemia.

Para o vice-coordenador do Programa de Aids das Nações Unidas (Unaids), o brasileiro Luiz Loures, o maior obstáculo hoje ao fim da epidemia é justamente a discriminação. Segundo ele, embora os testes e o tratamento estejam disponíveis, muita gente continua sem acesso a eles por causa do estigma e do preconceito.

Um novo relatório divulgado nesta terça-feira pelo Unaids revela que os grupos mais duramente atingidos pela doença são justamente os que sofrem mais discriminação: as mulheres e meninas da África, as trabalhadoras do sexo da Ásia, os usuários de drogas injetáveis do leste da Europa e os gays do mundo todo.

“Não vamos conseguir vencer a Aids apenas com comprimidos”, afirmou Loures. “Precisamos voltar a falar sobre a doença.”

BBC Brasil  O que o novo relatório da Unaids apresenta?

Luiz Loures – Este relatório é diferente, traz uma narrativa nova para a epidemia, chama a atenção para as epidemias locais para tentarmos entender melhor os contextos específicos.

É o caso, por exemplo, da epidemia no Sul do Brasil, ligada aos usuários de drogas injetáveis. Se essas realidades não são conhecidas, é nesses locais que a epidemia pode voltar a crescer. Temos que ser capazes de captar essas diferentes dinâmicas.

A Aids hoje vive uma situação única: temos a ciência e os instrumentos para acabar com a epidemia, mas nem todos se beneficiam da mesma forma deles. Por isso, apesar de termos todos os instrumentos, a epidemia cresce em alguns lugares e vemos o risco de intensificação da epidemia, a despeito de todos os avanços.

Leia também: ‘Chuva de bombas’ é suficiente na luta contra o ‘Estado Islâmico’?

Image copyrightGetty

Image captionBrasileiro diz que existem ferramentas para enfrentar a Aids, mas nem todos se beneficiam delas

BBC Brasil – O preconceito às populações mais vulneráveis ainda é um problema?

Loures – Sim, exatamente. Progredimos muito do ponto de vista biomédico, do acesso ao tratamento. Hoje, temos 16 milhões de pessoas em tratamento, quando o nosso objetivo até o fim deste ano era ter 15 milhões de pessoas em tratamento. Mas não conseguimos avançar em questões fundamentais, como a discriminação em serviços de saúde.

BBC Brasil – Ainda há muita discriminação nos hospitais? Isso acontece no mundo todo ou apenas nos países mais pobres?

Loures – No mundo todo. É como se estivéssemos na época pré-tratamento. Quando perguntamos para pessoas das populações consideradas mais vulneráveis (homens gays, usuários de drogas, trabalhadoras do sexo) é quase unânime reclamarem da discriminação nos serviços de saúde. E isso em qualquer lugar do mundo, mesmo nos países desenvolvidos.

É um absurdo que depois de três décadas de epidemia, a discriminação persista inalterada nos serviços de saúde. Parece a época em que eu atendia soropositivos e não conseguia sair do hospital porque os meus colegas se recusavam a por a mão nos meus pacientes. Essa atitude negativa em relação ao HIV persiste na sociedade.

Leia também: O grupo extremista mais mortífero que o ‘Estado Islâmico’

BBC Brasil – A discriminação impede, por exemplo, que mais pessoas sejam testadas?

Loures – Sim, claro. Hoje, temos 16 milhões de soropositivos em tratamento. Mas temos 22 milhões de pessoas que não recebem os remédios, embora eles estejam disponíveis. Mais de 50% dessas pessoas não sabem que têm o vírus. O teste é um ponto fundamental. Precisamos fazer com que essas pessoas tenham acesso ao teste.

E um dos maiores entraves a esse acesso é o serviço de saúde discriminatório. Temos que desenvolver estratégias para levar esse teste para onde as pessoas estão: no trabalho, nas escolas.

BBC Brasil – O senhor acha que houve uma resposta negativa, por exemplo, ao ator Charlie Sheen que, na semana passada, revelou ser soropositivo?

ReutersImage copyrightReuters

Image captionPara Loures, reação após Charlie Sheen revelar que é soropositivo lembra década de 1980

Loures – Sim, parece que estamos vivendo de novo nos anos 1980. Na verdade, a reação da imprensa americana foi pior do que o que víamos nos anos 1980. A resposta de muitos colegas dele foi preconceituosa. Esse episódio mostra de uma forma muito clara que a discriminação está mais viva do que nunca, que não avançamos muito nesse campo.

BBC Brasil – Houve muitos avanços nos últimos anos em relação aos direitos dos homossexuais, por exemplo. Vários países aprovaram o casamento gay. A sensação que se tem é de que avançamos, sim, nessa questão do preconceito. Por que é diferente com a Aids?

Loures – Bem, é um vírus, não vamos diminuir a importância disso. Sei que avançamos muito em algumas áreas de discriminação, mas em relação ao HIV isso não ocorreu. Vejo de forma positiva a questão do casamento igualitário. Mas não falamos mais sobre o HIV como falávamos no passado. Então, há um avanço contra a discriminação, mas é um avanço seletivo. Precisamos voltar a falar sobre a epidemia.

BBC Brasil – Com todos os avanços, ainda é uma epidemia muito grave…

Loures – Sim, a Aids é a principal causa de morte entre mulheres em idade reprodutiva no mundo. É a primeira causa de morte entre adolescentes na África Subsaariana – a segunda no mundo. E a discriminação é um grande problema. Por exemplo, na África, o número de meninas infectadas é muito maior que o de meninos. Isso não é uma questão biológica. É uma questão de gênero. São 5 mil meninas infectadas por semana na África Subsaariana. Se não discutirmos o papel de predador dos homens em relação às mulheres, por exemplo, não vamos resolver o problema. Não é só com comprimido que eu vou resolver a questão. Não somente.

Leia também: Cerco ao churrasco? Estudo propõe ‘cortar na carne’ contra aquecimento global

BBC Brasil – Mas por que a questão da discriminação chama mais atenção agora?

Loures – Fica mais evidente justamente porque determina os grupos que ficaram para trás: as mulheres jovens na África, as trabalhadoras sexuais na Ásia, os usuários de drogas na Europa do leste. Os homens gays no mundo todo.

Compartilhe

Notícias mais buscadas agora

Saiba mais

Durante chuva forte em Campo Grande, asfalto cede e abre 'cratera' na Avenida Mato Grosso

Bebê que teve 90% do corpo queimado após chapa de bife explodir morre na Santa Casa

Com alerta em todo o Estado, chuva forte atinge Campo Grande e deixa ruas alagadas

Tatuador que ficou cego após ser atingido por soda cáustica é preso por violência doméstica

Notícias mais lidas agora

Menino de 4 anos morre após tomar remédio controlado do pai em Campo Grande

Pedágios

Pedágio em rodovias da região leste de MS fica 4,83% mais caro a partir do dia 11 de fevereiro

Vítimas temem suposta pressão para abafar denúncias contra 'fotógrafo de ricos' em Campo Grande

Morto por engano: Trabalhador de usina foi executado a tiros no lugar do filho em MS

Últimas Notícias

Cotidiano

Escolas rurais da Reme, de Campo Grande, voltam às aulas dia 17

Decisão ocorreu devido a fatores climáticos e de logística

Cotidiano

Castramóvel, Drive-thru da Oração e Ação do Procon interditam trânsito de Campo Grande neste fim de semana

Há interdições previstas para segunda, terça e quarta-feira também

Polícia

Lojas de tênis alvo de fiscalização reabrem com os mesmos produtos no centro de Campo Grande

As lojas foram fiscalizadas na última quarta-feira (5)

Polícia

Homem tenta esfaquear outro e acaba agredido com soco na Praça Ary Coelho

Vítima foi levada até a UPA Coronel Antonino na tarde desta sexta-feira (7)