À beira-mar, o som da orquestra se misturava ao tilintar dos copos e ao barulho dos dados rolando. No palco, Carmen Miranda cantava para um público vestido de gala, entre mesas de roleta e garçons servindo champanhe. Essa era a cena comum nos salões do Cassino da Urca (um dos melhores cassinos brasileiros), no Rio de Janeiro, nos anos 1930 e 1940 — o auge da era dos cassinos no Brasil.
Luxo, cultura e desenvolvimento econômico giravam lado a lado com as roletas. Até que, em 1946, tudo mudou. Com um decreto presidencial, os cassinos foram proibidos no país, encerrando uma era e dando início a décadas de clandestinidade e debate.
Enquanto isso, o mundo seguiu jogando — e lucrando. Las Vegas, Macau e Cingapura transformaram os cassinos em pilares do turismo e da economia. Agora, quase 80 anos depois, o Brasil se pergunta: seria a hora de apostar novamente?
Uma era de glamour tropical
Legalizados em 1934 por Getúlio Vargas, os cassinos brasileiros rapidamente se tornaram centros de entretenimento de luxo. Mas iam muito além do jogo: eram complexos com salões de baile, teatros, restaurantes e shows.
Carmen Miranda, Grande Otelo, Orlando Silva e outros nomes se apresentaram nos palcos dos cassinos, muitos deles transmitidos ao vivo pelo rádio. As noites cariocas se dividiam entre Copacabana e a Urca, onde o famoso Cassino da Urca atraía a elite e turistas internacionais.
Outro exemplo era o monumental Hotel Cassino Quitandinha, em Petrópolis (RJ), inaugurado em 1944 com arquitetura inspirada nos resorts europeus. O lugar chegou a receber celebridades como Walt Disney e Eva Perón.
O setor também gerava empregos em massa: estimativas apontam cerca de 40 mil trabalhadores diretos e até 100 mil indiretos atuando em cassinos no auge da atividade. Eram crupiês, garçons, músicos, costureiras, camareiras e mais — todos movendo a economia do entretenimento.
Proibido jogar
Mas o jogo virou. Em 30 de abril de 1946, o presidente Eurico Gaspar Dutra, influenciado por setores conservadores e religiosos, assinou o Decreto-Lei 9.215, que baniu os jogos de azar do território nacional.
A justificativa era moral: o jogo era considerado um vício nocivo à sociedade. O fechamento foi abrupto, e milhares perderam seus empregos da noite para o dia. Os salões foram abandonados, e os cassinos viraram lenda — e, em muitos casos, ruína.
O mundo jogou — e venceu
Enquanto o Brasil colocava uma trava no setor, outros países viram nos cassinos uma oportunidade de desenvolvimento.
Las Vegas, nos EUA, tornou-se a capital mundial do jogo, movimentando mais de US$ 60 bilhões por ano e atraindo milhões de visitantes com seu ecossistema de shows, eventos, gastronomia e compras.
Na Ásia, o território de Macau superou Vegas em arrecadação desde 2006, com cassinos que geram cifras astronômicas. Já em Cingapura, a legalização controlada permitiu a criação de resorts integrados de luxo, como o icônico Marina Bay Sands, contribuindo fortemente para o turismo e a economia local.
Mesmo países lusófonos como Portugal e Uruguai mantêm cassinos legalizados, gerando empregos, impostos e atraindo turistas — inclusive brasileiros.
O Brasil fora do jogo
Sem uma legislação clara, o Brasil hoje convive com uma indústria paralela de apostas ilegais: bingos, caça-níqueis clandestinos, jogo do bicho e, mais recentemente, casas de apostas online. Estima-se que esse mercado movimente R$ 27 bilhões por ano, mas sem regulamentação, impostos ou controle.
Especialistas apontam que a legalização dos cassinos — especialmente em formato de resorts integrados — poderia gerar entre R$ 20 e R$ 50 bilhões por ano em arrecadação, criar centenas de milhares de empregos e colocar o Brasil no mapa do turismo de alto padrão.
“Hoje, turistas de alto poder aquisitivo viajam para jogar em Punta del Este, Las Vegas, Lisboa. Por que não no Rio, em Foz do Iguaçu ou Salvador?”, questiona um economista do setor de turismo.
O retorno dos cassinos está em pauta?
Desde os anos 1990, o tema volta e meia aparece no Congresso. Em 2022, um projeto de lei que legaliza os jogos de azar chegou a ser aprovado na Câmara, mas travou no Senado. Agora, em 2025, novas propostas voltaram à mesa — algumas ligadas ao interesse de grandes redes hoteleiras e investidores internacionais.
Entre os defensores, o argumento principal é econômico e turístico. Entre os críticos, o receio é social e moral, com destaque para o risco de vício, lavagem de dinheiro e degradação urbana.
E agora, apostar ou não?
A história mostra que os cassinos já foram um dos motores da cultura e da economia brasileira. O mundo aprendeu a regulamentar e lucrar com responsabilidade. Talvez a pergunta não seja mais “se” os cassinos voltarão, mas “quando” — e como o país vai garantir que o jogo seja limpo, seguro e benéfico para todos.
Enquanto os dados continuam proibidos de rolar por aqui, o Brasil segue assistindo à sorte girar longe de suas mesas. O glamour ficou no passado. O futuro, talvez, esteja esperando uma nova aposta.
Por Bruna Bozano