Gacep investiga atendimento feito pela Polícia Civil à Vanessa na Deam e ‘possíveis falhas’
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O Gacep (Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial) que investiga e atua no controle externo da atividade policial, vai apurar o atendimento dado à jornalista Vanessa Ricarte, de 42 anos, na Deam (Delegacia de Atendimento à Mulher), no dia em que morreu assassinada pelo ex-noivo, Caio Nascimento, em Campo Grande.
O grupo já deu início ao trabalho em dois procedimentos investigativos distintos instaurados pelo órgão. No primeiro deles, as circunstâncias em que se deu o atendimento à Vanessa pela Polícia Civil será apurada.
O órgão considera que os fatos noticiados sugerem falhas nos ritos e procedimentos adotados pela Deam, o que será objeto de detalhada investigação. Ao sair da delegacia, Vanessa mandou um áudio para uma amiga relatando um atendimento com descaso e erros.
‘Fria e seca’: delegada endossou discurso que culpabiliza vítima
Horas antes de se tornar a primeira vítima de feminicídio de 2025 em Campo Grande, a jornalista deixou registrado nas mensagens como se sentiu tratada por uma delegada ‘fria e seca’ na delegacia criada justamente para acolher as mulheres em situação de vulnerabilidade.
Segundo ela, a delegada ainda teria se negado a comentar sobre o histórico de agressões do assassino e falou que a vítima “já sabia porque ele mesmo havia falado de agressões”.
Em tom de defesa prévia, na coletiva sobre o feminicídio de Vanessa, a delegada Eliane Benicasa chegou a admitir que faltou agilidade, mas jogou a culpa toda para o judiciário.
Segundo a delegada, a jornalista teria feito tudo certo, pedindo ajuda, mas “não acreditou que corria perigo com o noivo”. Foi uma forma sutil de, mais uma vez, culpar a vítima.
As duas delegadas da Deam de Campo Grande que atenderam a jornalista Vanessa Ricarte, Riccelly Maria Albuquerque Donhas e Lucélia Constantino, horas antes do seu feminicídio pediram para deixar a unidade após repercussão do atendimento à jornalista, morta pelo noivo a facadas.
A titular da Deam, Elaine Benicasa, também colocou o cargo à disposição até que as investigações sejam concluídas na Casa da Mulher Brasileira. Conforme apurado pelo Midiamax, o secretário da Sejusp-MS (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul), Carlos Videira — após reunião a ministra da Mulher, Cida Gonçalves, e a delegada Riccelly —, confirmou que a delegada pediu para sair da unidade após a repercussão dos áudios da vítima.
Em áudios gravados pela jornalista Vanessa Ricarte antes de morrer, uma delegada teria dito para ela mesma ligar para Caio, pedindo que ele deixasse a sua residência. Trata-se de Lucélia, também em estágio probatório – assim como Ricelly -, que teria feito o atendimento à Vanessa quando ela foi buscar a medida protetiva expedida pela Justiça naquela tarde.
Possíveis gargalos no atendimento
O segundo é um procedimento administrativo e terá um caráter mais amplo para aferir todo o fluxo de atendimento da delegacia da mulher e eventuais déficits estruturais e procedimentais. O objetivo de constatar e mensurar a efetividade de todos os setores da delegacia.
Com isso, o Gacep, que é um braço do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), quer melhorias tangíveis no fluxo de funcionamento, e que resultem no melhor atendimento possível prestado às mulheres vitimadas que recorram à Deam.
Reclamação não é isolada
Humilhação, deboche e falta de acolhimento. Essas são algumas das características apontadas em relatos sobre atendimentos na Deam realizados há pelo menos quatro anos na Casa da Mulher Brasileira, em Campo Grande.
Áudios de Vanessa Ricarte sobre atendimento mostram que o descaso e erros grosseiros seguem presentes na Deam.
A jornalista completou 43 anos, no último dia 16 de fevereiro, dias após ser morta a facadas. Agora, deixa memória de carreira brilhante e independência, além das denúncias em gravação de voz.
Melhorias no sistema de proteção
O MPMS vai desenvolver duas soluções tecnológicas para aperfeiçoamento da rede de atendimento às vítimas e o encaminhamento célere dos casos.
Após participar de reunião com autoridades estaduais da segurança pública – convocadas após o feminicídio da jornalista – o Procurador-Geral de Justiça, Romão Avila Milhan Junior, detalhou as providências práticas adotadas.
“Nós tivemos diversas reuniões, na Governadoria do Estado, na Assembleia Legislativa, no Tribunal de Justiça e em especial com a Secretaria de Segurança Pública, tentando retroceder ao fato que ocorreu com a Vanessa Ricarte e com outras vítimas, para descobrirmos os grandes gargalos da segurança pública e da política de proteção à mulher”.
Primeiro, o órgão vai atualizar o formulário de análise de risco preenchido quando a vítima busca as autoridades policiais, no primeiro atendimento. O que é usado atualmente é um documento físico, que passará a ser virtual, informou Romão Avila Milhan Junior.
Campo Grande teve a primeira Casa da Mulher Brasileira, implantada dez anos atrás, mas, conforme a declaração do Procurador-Geral de Justiça, por uma série de fatores, a estrutura física e tecnológica ficou estagnada e precisa ser aperfeiçoada.
“O Ministério Público vai desenvolver internamente um sistema eletrônico para que esse formulário de análise de risco seja lá colocado. Após o preenchimento deste formulário eletrônico, será enviado um alerta de risco a todos os agentes do sistema de segurança pública, em especial em Campo Grande”, detalhou.
Alerta de processos em andamento
Outra medida vai ser a criação de um alerta, dentro do SAJ (Sistema de Acompanhamento Judicial), a plataforma onde ficam armazenados todos os processos em andamento na Justiça de Mato Grosso do Sul em que o MPMS atua.
Com esse instrumento, assim que for protocolado um novo caso de violência de gênero, incluindo os pedidos de medida protetiva, haverá um alerta informando se o agressor tem outras denúncias em processamento.
No caso do feminicídio de Vanessa, Caio já tinha cinco registros anteriores de violência doméstica, um deles tendo a mãe como vítima e os outros envolvendo mulheres com quem se relacionou.
“Nós desenvolveremos aqui também um sistema com inteligência artificial para que crie um alerta para todos os integrantes do sistema de justiça, para que uma nova ocorrência seja disparada e todos tomem conhecimento, para que nós não tenhamos mais Vanessas em Campo Grande e no nosso estado”, pontuou o Procurador-Geral de Justiça.
Demanda reprimida
Pelo que ficou acordado, um grupo de delegados de classe especial, todos atuantes na administração superior da Polícia Civil, fará o trabalho de rastrear os boletins de ocorrência parados e dar andamento.
Após encerradas essas investigações, elas serão relatadas ao MPMS, que tem o papel de conduzir a acusação penal e o fará com diligência, conforme declarou Romão.
“Quando finalizados os inquéritos policiais feitos por esses delegados, para que nós possamos fazer análise e levar os casos em que devem ser denunciados ao poder judiciário, para que possamos dar fim ao cabo de toda a demanda reprimida que há no estado”, diz.
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