‘Na bênção de Deus’: Procurador do MPMS pediu liminar para adiar dívida de R$ 5 milhões
PF classifica pedido de sentença de procurador a desembargador como ‘bastante grave’
Evelin Cáceres, Gabriel Maymone, Thatiana Melo –
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Procurador de Justiça do MPMS (Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul), Marcos Antônio Martins Sottoriva está entre os citados na investigação da Polícia Federal que apura suposto esquema de venda de sentenças, deflagrada nesta quinta-feira (24) após determinação do STJ (Superior Tribunal de Justiça). O apartamento onde mora foi alvo de busca e apreensão durante a operação.
Para agradecer a um favor atendido pelo desembargador Marcos José de Britto, o procurador enviou uma mensagem: “Obrigado de coração. Boa Páscoa na bênção de Deus e de seu filho Jesus Cristo”.
Documento da investigação obtido pelo Jornal Midiamax aponta que o procurador do MPMS enviou em março de 2020 ao desembargador o número de um recurso de agravo de instrumento contra decisão de 1º grau, que indeferiu liminar em processo ajuizado por ele a respeito da compra de uma fazenda, com valor da causa de R$ 5 milhões.
Sem ter acessado os autos, o desembargador do TJMS pede a seu assessor para providenciar a elaboração de decisão liminar, concedendo os efeitos pretendidos, sem entrar no mérito, e assinar a decisão.
As mensagens entre o procurador de Justiça e o desembargador “demonstram fatos bastante graves”, informa a investigação. “A nosso ver, fica claro que o desembargador profere indevidamente decisão favorável ao procurador de justiça em razão do cargo dele”, frisa.
Sottoriva já foi Corregedor-geral do MPMS e atualmente está lotado na 5ª Procuradoria de Justiça Cível.
Surto de peste suína
Os efeitos pretendidos e conseguidos na liminar a pedido do procurador foram a suspensão da exigibilidade das parcelas vincendas da fazenda comprada por ele; a manutenção dele na posse do imóvel rural, até a devolução dos valores que pagou; a suspensão do pagamento de aluguéis, pelo procurador, quanto a imóvel que entregou como parte do pagamento, mas que continua em sua posse, ou autorizar que deposite os aluguéis em juízo; a devolução, ao procurador, da posse de outros 3 imóveis que entregou como parte do pagamento, ou que os réus depositem os aluguéis em juízo.
Na decisão consta que Sottoriva requer a resolução do contrato de compra da fazenda por ‘onerosidade excessiva decorrente da China enfrentar grave surto de peste suína africana, com extraordinária valorização da arroba do boi, tornando as prestações excessivamente onerosas’, as quais são indexadas em tal valor.
Na petição da parte contrária, esta alega que além de procurador de Justiça, Sottoriva é pecuarista e tinha pleno conhecimento dos termos do contrato e do mercado do boi gordo, não podendo suscitar ignorância ou desconhecimento do negócio que celebrou, sendo que o contrato foi redigido pelo filho dele, que é advogado.
Assinou sem ler
A Polícia Federal concluiu que decisão não foi nem assinada pelo desembargador. “Isso, a nosso ver, leva a uma grave conclusão: o desembargador não acessou os autos, não elaborou a decisão, não a conferiu e nem assinou. Portanto entendemos que a decisão judicial é nula, sendo que a atuação dele limitou-se a uma ordem a seu assessor que favorece indevidamente um procurador de justiça”, afirma a investigação.
Menos de um mês depois do pedido, Sottoriva envia novamente mensagem ao desembargador Marcos Brito, informando que: “Graças a Deus e ao seu trabalho … acabamos por fechar um acordo … consegui alongar a dívida em mais uma parcela. Obrigado de coração. Boa Páscoa na bênção de Deus e de seu filho Jesus Cristo”, finaliza.
Em nota, o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) informou que não recebeu nenhuma representação ou comunicação oficial referente ao afastamento de membro do MPMS. “Até o momento, não há procedimento instaurado sobre este caso”.
Já o MPMS foi acionado desde o início da manhã de quinta-feira (24) sobre o pedido de busca e apreensão na casa do procurador, mas não se manifestou sobre o caso. O espaço segue aberto para manifestação.
Operação Ultima Ratio
A PF (Polícia Federal) pediu a prisão de 12 dos 26 investigados por suposto esquema de venda de sentenças no TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul).
Entre os que tiveram pedido de prisão representados pela autoridade policial estão os cinco desembargadores que foram afastados do cargo: Vladimir Abreu da Silva, Alexandre Aguiar Bastos, Sideni Soncini Pimentel, Sérgio Fernandes Martins e Marcos José de Brito Rodrigues.
Além deles, também foi representada prisão do conselheiro afastado do TCE-MS (Tribunal de Contas do Estado), Osmar Domingues Jerônymo, e seu sobrinho Danillo Moya Jerônymo – que é servidor do TJMS.
Também foram alvo de pedidos de prisão: Júlio Roberto Siqueira Cardoso – desembargador recém-aposentado flagrado com R$ 2,7 milhões que foram apreendidos -, Diego Moya Jerônymo (parente de Osmar Jerônymo e proprietário da empresa DMJ Logística e Transportes Ltda), Everton Barcellos de Souza (sócio da DMJ), Percival Henrique de Sousa Fernandes (proprietário da PH Agropastoril) e o advogado Felix Jayme Nunes da Cunha.
No entanto, os pedidos foram rejeitados pelo ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), relator Francisco Falcão: “A medida extrema de prisão não deve ser adotada nesse momento, já que, por ora, há outras medidas cautelares capazes de atingir a mesma finalidade, com menor ônus. Além do mais, a efetivação de prisões cautelares nesse momento imporia a necessidade de conclusão das apurações, com oferecimento de denúncia, em prazo exíguo”.
Assim, os investigados deverão usar tornozeleira eletrônica e ficam proibidos de conversar com funcionários e frequentar o TJMS.
A investigação que apura esquema de venda de sentenças apreendeu cerca de R$ 2,7 milhões em cédulas – entre reais, euros e dólares – e várias armas. Todo o dinheiro teria sido apreendido na casa de um desembargador. Já as armas, a PF não informou em qual ou quais locais foram encontradas. Não houve prisões.
Também foram cumpridos contra 27 alvos (lista completa abaixo) como advogados, desembargador aposentado e filhos de magistrados.
Confira a lista dos investigados pela PF em operação que apura venda de sentenças no TJMS:
1) Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul
2) VLADIMIR ABREU DA SILVA (desembargador) – residência
3) MARCUS VINICIUS MACHADO ABREU DA SILVA – residência e escritório
de advocacia
4) ANA CAROLINA MACHADO ABREU DA SILVA – residência e escritório de
advocacia
5) JULIO ROBERTO SIQUEIRA CARDOSO – residência
6) NATACHA NEVES DE JONAS BASTOS – residência
7) MAURO BOER – residência
8) ALEXANDRE AGUIAR BASTOS (desembargador) – residência
9) CAMILA CAVALCANTE BASTOS BATONI – residência e escritório
10) SIDENI SONCINI PIMENTEL (desembargador) – residência
11) RODRIGO GONÇALVES PIMENTEL (filho de Sideni) – residência, escritório e demais locais de
trabalho
12) RENATA GONÇALVES PIMENTEL – residência e escritório
13) SÉRGIO FERNANDES MARTINS (presidente do TJMS) – residência
14) DIVONCIR SCHREINER MARAN (desembargador aposentado) – residência
15) DIVONCIR SCHREINER MARAN JUNIOR (filho de desembargador) – residência e escritório
16) MARCOS JOSÉ DE BRITO RODRIGUES (desembargador) – residência
17) DIOGO FERREIRA RODRIGUES – residência e escritório
18) OSMAR DOMINGUES JERONYMO (conselheiro do TCE-MS) – residência
19) FELIX JAYME NUNES DA CUNHA – residência
20) EVERTON BARCELLOS DE SOUZA – residência
21) DIEGO MOYA JERONYMO – residência
22) DANILLO MOYA JERONYMO (sobrinho de Osmar Jerônymo e servidor do TJ) – residência
23) PERCIVAL HENRIQUE DE SOUSA FERNANDES – residência
24) PAULO AFONSO DE OLIVEIRA – residência
25) FABIO CASTRO LEANDRO – residência
26) ANDERSON DE OLIVEIRA GONÇALVES (advogado que mora em Cuiabá apontado como lobista do advogado Roberto Zampieri) – residências em Brasília e Cuiabá,
e locais de trabalho
27) FLAVIO ALVES DE MORAIS – residência
PF investiga esquema de venda de sentenças no TJMS
Foram cumpridos 44 mandados de busca e apreensão expedidos pelo Superior Tribunal de Justiça em Campo Grande, Brasília, São Paulo e Cuiabá/Mato Grosso.
Conforme apurado pelo Jornal Midiamax, foram cerca de 40 equipes na operação, com investigação de parentes e assessores ligados aos investigados.
A ação teve o apoio da Receita Federal e é um desdobramento da operação ‘Mineração de Ouro’, deflagrada em 2021, na qual foram apreendidos materiais com indícios da prática dos referidos crimes.
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