Fazenda no precinho: Suposta manobra de Patrola para não pagar imposto revela indício de ocultação de bens

Empreiteiro é apontado como laranja de políticos e investigado por corrupção em contratos milionários

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Imagem de satélite da fazenda e detalhe de Patrola (Reprodução / Alicce Rodrigues, Jornal Midiamax)

Apontado em investigações do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) como laranja de políticos, o empreiteiro André Luiz dos Santos, o Patrola, tenta manobra para não pagar imposto sobre fazenda. O detalhe é que ele comprou a fazenda por menos da metade do valor pelo qual a propriedade é avaliada.

Conforme ação judicial, Patrola afirma ter comprado fazenda com área de 1.055 hectares, mais de 1,5 mil metros quadrados de benfeitorias, localizada na zona rural de Campo Grande, por R$ 6 milhões. Por outro lado, o município cobrou impostos incidentes sobre o valor de R$ 12.989.500,00, que seria a avaliação da fazenda na época, em junho de 2018.

A última avaliação da prefeitura sobre a propriedade aponta que o imóvel vale R$ 15.821.734,79. Ou seja, Patrola ‘economizou’ impressionantes R$ 9.821.734,79.

O negócio é apenas um de vários os quais o empreiteiro adquiriu, principalmente durante período em que manteve contratos milionários com a prefeitura de Campo Grande e Estado.

Para se ter uma ideia, somente com a administração municipal, Patrola tinha contratos de R$ 24,7 milhões e outros de R$ 195,8 milhões em obras públicas na região do Pantanal, na época das investigações do MPMS, que resultaram na Operação Cascalhos de Areia, que aponta que a maioria dos contratos da empreiteira de Patrola teriam indícios de corrupção.

Então, o empreiteiro foi denunciado pelo MPMS por corrupção e organização criminosa juntamente com o ex-secretário de obras durante a gestão do ex-prefeito Marquinhos Trad, Rudi Fioresi, e servidores municipais.

André Luiz dos Santos, o Patrola. (Alicce Rodrigues, Midiamax)

Vale ressaltar que o crime de ocultação de bens consiste na tentativa de esconder o verdadeiro patrimônio junto à Receita Federal. É prática comum com personagens envolvidos em escândalos de corrupção. Uma das técnicas mais comuns para lavagem de dinheiro – operações para incorporar ao patrimônio dinheiro proveniente de crimes -, consiste na aquisição de bens em que o comprador declara formalmente ter pago quantia inferior ao que realmente vale.

O próximo passo, então, é vender o bem pelo valor que realmente vale. Assim, a diferença será considerado lucro e o dinheiro estará disponível de forma legalizada.

Patrola quer que município devolva valor pago com imposto

Toda vez que um imóvel é comprado, deve-se pagar o ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis). Neste caso, a defesa de Patrola aponta que ele pagou R$ 259.790,00 de taxa e pede que o município devolva R$ 139.790,00, que teriam sido pagos “a mais”.

No entanto, o município desconfiou da discrepância de valores. “A base de cálculo do tributo deve ser, portanto, a princípio, o valor da transação, e nos casos em que houver discrepância no preço da transação declarada pelo contribuinte, haverá fixação pelo Setor de Avaliação”, pontua em documento anexado aos autos do processo que tramita na Justiça.

Em resposta aos argumentos apresentados por Patrola, o município justifica que os valores que incidem sobre o imposto podem “ser fixados pelo órgão competente da Municipalidade quando não corresponderem aos valores praticados no mercado imobiliário”.

Patrola comprou fazenda ‘a preço de banana’

Em rápida pesquisa em sites especializados em venda de imóveis rurais em Mato Grosso do Sul é possível constatar que Patrola comprou a fazenda ‘a preço de banana’.

É claro que os valores variam muito conforme as condições de terra, se há benfeitorias ou até mesmo pastagem plantada ou lavoura. Porém, com os R$ 6 milhões pagos por Patrola em uma fazenda de 1 mil hectare, não seria possível nem comprar uma fazenda de 6 hectares também na Capital.

Fazendas desse porte costumam ser vendidas por cifras superiores a R$ 20 milhões.

Conforme laudo de avaliação – feito em setembro de 2023 – assinado por especialistas técnicos e apresentado pelo município à Justiça, o valor da propriedade é de R$ 15.821.734,79.

Laudo de avaliação anexado pelo município de Campo Grande (Reprodução)

O documento considerou a área, localização, características do solo, benfeitorias e até mesmo o mercado de commodities boom e land grabbing no Brasil, que impactam no preço.

Dessa forma, técnicos da prefeitura concluíram que o valor de mercado para o hectare onde se localiza o imóvel rural é de R$ 14.495,03, totalizando R$ 15.292.605,19. Mais o total avaliado das benfeitorias construídas na propriedade, no valor de R$ 529.129,60.

Justiça manda perito avaliar propriedade

Por fim, o juiz Claudio Müller Pareja, da 2ª Vara de Fazenda Pública e de Registros Públicos, determinou que o perito Vinícius Coutinho Consultoria e Perícia S/S Ltda realize avaliação do valor das terras. Então, o magistrado irá proferir decisão sobre o caso.

A reportagem entrou em contato com o advogado de Patrola no processo, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto. Posicionamento e esclarecimentos podem ser acrescentados após a publicação.

Contratos milionários alvos de investigação

Sede da empresa ALS é alvo do Gaeco (Foto: Henrique Arakaki/Jornal Midiamax)

André Luiz dos Santos se tornou alvo de operação do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) e do Gecoc (Grupo Especial de Combate à Corrupção) em junho do ano passado.

Ele está implicado na investigação por indícios de corrupção nos contratos de cascalhamento e de locação de equipamentos com a Prefeitura de Campo Grande conquistados em 2018, quando Marquinhos Trad era prefeito.

Desta forma, as suspeitas são de que juntos implementariam supostos esquemas de desvio de verbas públicas em contratos de obras públicas com difícil aferição. De acordo com a denúncia, Patrola venceria licitações de cascalhamento de vias não asfaltadas, “para evitar fiscalização na execução dos trabalhos”, já que seria mais difícil de medir o serviço que sequer havia sido realizado.

Marquinhos nega ter negócios com Patrola e classificou sua relação com o empreiteiro como ‘amizade’.

Ainda, à reportagem do Jornal Midiamax, Marquinhos disse que “todos os contratos de responsabilidade do gestor foram feitos e aprovados pela procuradoria-geral do município e controladoria de transparência. Não fiz e não faço parte dessa relação processual”. Além disso, negou ter praticado qualquer ato ilegal: “Todos os meus atos foram proclamados pelo MP como lícitos e legais”.

‘Laranja’ de políticos

Assim, segundo fontes que acompanham a atuação de órgãos de controle externo e combate à corrupção em Mato Grosso do Sul, ‘Patrola’ seria uma espécie de ‘coringa’ para políticos regionais.

Como seria considerado ‘de confiança’, o empreiteiro assumiria a parte arriscada de colocar o CPF e o CNPJ à disposição.

Em troca, supostamente manteria verdadeiro propinoduto em Mato Grosso do Sul com devolução de parte dos lucros inflados para os ‘companheiros’.

Portanto, contratos estrategicamente visados por esquemas de corrupção, como locação de equipamentos, obras mais facilmente ‘disfarçáveis’, como cascalhamentos, manutenção de vias não pavimentadas, seriam os prediletos do esquema.

Com o avanço do sistema, supostamente para diversas prefeituras e órgãos públicos, ‘Patrola’ teria se tornado o “empreiteiro dos políticos”. 

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