Um ano e meio depois, a PF (Polícia Federal) retornou nesta quinta-feira (8) ao (Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul) em ação que afastou o presidente da corte, o corregedor-geral e mais um conselheiro. Esta é a Operação Terceirização de Ouro, desdobramento da Mineração de Ouro, deflagrada em junho de 2021.

Iran Coelho das Neves – que vai usar tornozeleira eletrônica –, Ronaldo Chadid e Waldir Neves foram afastados dos cargos por 180 dias (cerca de seis meses) por ordem do STJ (Supremo Tribunal Federal). O processo está sob sigilo.

Nesta fase, a PF, a Receita Federal e a CGU (Controladoria-Geral da União) cumprem 30 mandados de busca e apreensão em , Brasília (DF), (SP), Porto Alegre (RS) e Miracema (RJ).

O nome da operação decorre de indícios de crimes relacionados a contratos de terceirização de mão de obra do TCE. O principal contrato investigado supera a quantia de R$ 100 milhões.

As investigações apontaram uso de pessoas jurídicas vinculadas à participação no certame para contratação de empresas com licitações fraudulentas. 

Entre as estratégias utilizadas para vencer as licitações, os investigados agiam com rapidez incomum na tramitação do procedimento, exigência de qualificação técnica desnecessária ao cumprimento do objeto, contratação conjunta de serviços completamente distintos em um mesmo certame e apresentação de atestado de capacidade técnica falsificado.

Operação Mineração de Ouro

Em junho de 2021, PF, Receita e CGU foram às ruas para cumprir 20 mandados de busca e apreensão, em Campo Grande, e Brasília (DF). A ação também foi autorizada pelo STJ.

A investigação mira favorecimento de terceiros por servidores públicos, enriquecimento ilícito, lavagem de dinheiro, fraude em licitação, superfaturamento e contratação de funcionários “fantasmas”. O balanço divulgado revelou R$ 1,6 milhão apreendido. Além de Waldir Neves e Osmar Jeronymo, o conselheiro Ronaldo Chadid também foi alvo da investida.

A PF apontou que os funcionários “fantasmas” foram admitidos apenas para superfaturar os vínculos firmados com estas empresas e dissimular o pagamento de propinas.

A ligação mais evidente é a de Willian das Neves Barbosa Yoshimoto com o conselheiro Waldir Neves Barbosa. Embora seja advogado, Willian foi contratado pela Dataeasy Consultoria e Informática, em março de 2018, como administrador de redes e de sistemas computacionais.

Conforme as apurações policiais, a Dataeasy, com sede em Brasília (DF), foi a empresa que mais recebeu pagamentos do TCE-MS entre 2018 e 2020 – R$ 80,7 milhões. Somados aos valores pagos à sua filial em Goiânia (GO), os números saltam para R$ 106,4 milhões.

Os investigadores também chegaram a Pedro Bedoglim Júnior, agente administrativo na Câmara Municipal de Campo Grande entre 2005 e 2012. Pedro foi contratado em maio de 2012 como capataz da fazenda de Mara Cleusa Ferreira Jeronymo, juíza do TRT24 (Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região) e esposa do conselheiro Osmar Jeronymo.

Em março de 2015, Bedoglim Júnior foi admitido também como analista de comércio eletrônico na Cast Informática, com salários de R$ 5 mil – quando a média praticada no segmento é de R$ 2,3 mil.

Antes mesmo de se desligar da Cast, em abril de 2018, o capataz da propriedade da esposa de Osmar Jeronymo foi contratado pela Dataeasy, em março, como administrador de redes e de sistemas computacionais.

Investigação apontou lavagem de dinheiro de conselheiro com fazendas

A Polícia Federal identificou ainda indícios de lavagem de dinheiro em uma série de negócios milionários envolvendo fazendas e imóveis feitos por Waldir Neves. As movimentações suspeitas foram identificadas a partir da quebra de sigilos do conselheiro.

Neves recebeu pelo menos três fazendas da Agropecuária Água Viva, no valor declarado de aproximadamente R$ 4 milhões. Os pagamentos teriam origem em uma dívida da empresa com o conselheiro, que seria quitada com uma área de 621 hectares. Waldir Neves foi sócio do grupo até 2009.

Ele só passou a declarar à Receita Federal que tinha créditos a receber da Água Viva em 2016. O primeiro imóvel repassado teria 455 hectares e valeria R$ 1,9 milhão, embora o valor que serviu de base para cálculo dos impostos sobre transmissão fosse muito superior – R$ 3,9 milhões.

Neves declarou que permutou a propriedade rural por um apartamento no Bairro Santa Fé, área nobre de Campo Grande, em 2017. Mas, segundo a PF, o imóvel já vinha sendo declarado em notas fiscais destinadas ao conselheiro desde 2013, “restando dúvidas quanto à data da aquisição do referido imóvel e se, de fato, fez parte de uma operação de permuta”, indicou relatório de investigação.

Em 2018, Waldir Neves declara nova permuta, desta vez do apartamento por uma casa no Residencial Damha, condomínio de luxo em Campo Grande. Ocorre que a casa também consta em notas fiscais eletrônicas emitidas para o conselheiro desde 2015, “anos antes de sua suposta aquisição, suscitando dúvidas quanto ao tempo e forma que ocorreu tal operação”, revela a polícia.

No mesmo ano de 2018, a Agropecuária Água Viva repassa outra fazenda a Waldir Neves, desta vez de 70 hectares, localizada em Bonito, cujo valor declarado foi de R$ 1,1 milhão.

Os agentes também identificaram outra operação imobiliária em 2019, quando a empresa transferiu uma área com os 103 hectares faltantes do suposto débito com o conselheiro. O valor declarado do imóvel foi de R$ 936 mil, ainda que a base para o cálculo de impostos tenha sido de R$ 1,2 milhão.

Para a Polícia Federal, o repasse de imóveis pela Água Viva ao conselheiro configura “situação extremamente suspeita”, já que Neves só passou a declarar o suposto débito da empresa com ele sete anos depois de sair do quadro de sócios.

Waldir Neves criticou operação da PF

Dias após a operação, o conselheiro publicou uma nota intitulada “Palavra de tranquilidade aos meus amigos”, a quem, em certa altura da mensagem, ele diz ter medo de envergonhar com seus atos. A publicação teria sido compartilhada em redes sociais.

“Oras prestar esclarecimentos se faz com meras intimações ao contribuinte para tal mister, não por medida de busca e apreensão previamente divulgada à mídia local como acabou por acontecer”, reclamou.

Veja na íntegra a nota do conselheiro Waldir Neves:

“Palavra de tranquilidade aos meus amigos.

Como amplamente noticiado, fui alvo de busca e apreensão por determinação de ministro do STJ a pedido do MPF.

Como magistrado estadual de contas respeito toda e qualquer decisão administrativa ou judicial, mesmo com ela não concordando. No caso específico minha discordância jurídica se dará perante o próprio STJ, mas do ponto de vista pessoal tenho um dever de tranquilizar meu rol de amizades.

Sendo assim, aos meus amigos devo a presente palavra:

1º- Todo o pedido do MPF se baseou em negócios jurídicos devidamente registrados e constantes em minhas declarações de renda desde 2009, que segundo a RFB precisam ser melhor esclarecidos. Oras prestar esclarecimentos se faz com meras intimações ao contribuinte para tal mister, não por medida de busca e apreensão previamente divulgada à mídia local como acabou por acontecer.

2º- No cumprimento dos mandados de busca e apreensão não se encontrou em minha casa e gabinete um único valor em espécie, cheque, promissória ou bem de valor vultoso e de origem duvidosa tais como jóias, relógios e obras de arte.

3º-Não há no TCE/MS, seja na condição de comissionado ou terceirizado, ninguém com vínculo de parentesco comigo em afronta à Súmula Vinculante 13 do STF (súmula que veda a contratação de parentes até o 3º grau). Repito: Ninguém no TCE/MS é meu parente até 3º grau como proíbe a Súmula Vinculante 13 do STF.

4º Não há em meu gabinete nenhum servidor que esteja dispensado de comparecimento, trabalho e produtividade. Não lido e nem tolero com fantasmas e desídia no serviço público, nem mesmo durante a pandemia da Covid-19, já que o controle do trabalho remoto é rigoroso.

5º De posse de toda a representação do MPF ao STJ, estou refutando judicialmente de forma documental toda e qualquer dúvida ou insinuação velada de que pratiquei negócios jurídicos duvidosos ou ilegais.

6º- Acredito no poder judiciário e esclarecerei todos os atos reputados como pendentes de esclarecimentos, não apenas porque a autoridade policial deseja, mas por que todo e qualquer homem público (na minha condição e história) tem o dever de dissipar dúvidas seja perante as autoridades constituídas, seja perante seus amigos, já que em relação a esses o meu maior medo é envergonhá-los com meus atos.

7º Garanto a você meu amigo, que desde a malfadada operação, não tenho feito outra coisa com meu tempo senão dedicar esforço, vontade intelectual e moral para comprovar que meus atos (reputados como duvidosos na referida operação) são lícitos e dignos do cargo que ocupo e da minha amizade com você. Ninguém será surpreendido com o contrário das alegações da presente nota.

Abraço fraterno.

WALDIR NEVES.”

Filhos de ex-secretários de Estado também foram empregados

A Polícia Federal ainda relatou ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) a contratação pelas prestadoras de serviços ao TCE-MS de diversas outras pessoas com vínculos profissionais ou parentescos com conselheiros do tribunal ou políticos do Estado. Os admitidos não teriam qualquer formação ou experiência em Tecnologia da Informação.

Entre os supostos “fantasmas” está Isabela Pires Giroto, filha do ex-secretário de Estado de Obras Públicas Edson Giroto, réu na Operação Lama Asfáltica.

Outro beneficiado é o advogado Lucas Gandolfo Hashioka, filho do ex-titular da SAD (Secretaria de Estado de Administração e Desburocratização) e do (Departamento Estadual de Trânsito) na gestão de Reinaldo Azambuja (PSDB), Roberto Hashioka.

Também ganharam empregos nas contratadas pelo TCE-MS Mara Regina Bertagnolli de Gonçalves, ex-secretária do ex-governador e absolvida em ações penais da Lama Asfáltica. Bem como Lidiane Serpa Gonçalves, ex-assessora parlamentar da ex-senadora e ex-conselheira Marisa Serrano.

Além destes, a investigação cita Fernando Jeronymo Serra, Elieth Rosa Possari, Danilo Deivid dos Santos e Claudia Mara Tumelero Gomes como beneficiados com vagas nas firmas de tecnologia com algum vínculo a conselheiros ou políticos.