O desembargagor Nélio Stábile, da 2ª Câmara Cível do (Tribunal de Justiça de ), estranhou argumentação presente em agravo civil interno movido pela PGE (Procuradoria-Geral do Estado) no último dia 22, com o objetivo de derrubar decisão monocrática que suspendeu matrícula de uma candidata no curso de formação da Polícia Civil. O estranhamento está relatado em manifestação do do último dia 27, na qual o pedido foi indeferido.

A decisão que foi alvo de agravo interno da PGE é decorrente de recurso movido pela defesa de candidatos regularmente aprovados no certame e, além de suspender a matrícula da candidata, também determinou o retorno da classificação dos candidatos à situação anterior.

Todavia, para a PGE, tais candidatos não teriam legitimidade para atuar na referida Ação Civil Pública, conforme alegou no agravo interno. A PGE também aponta que o concurso em questão já estaria na fase de finalização dos módulos e que, por isso, a decisão traria insegurança jurídica.

Foram justamente essas argumentações que causaram estranhamento ao desembargador. Ele reconhece que o concurso da Polícia Civil foi tumultuado por responsabilidade do próprio estado, que chegou a ser acionado judicialmente pelos candidatos para iniciar o Curso de Formação, protelado por mais de um ano.

“Agora, depois que incluiu indevidamente candidato(s) reprovado(s), é que busca ‘acelerar' o término do Curso, pretensamente para criar um inexistente ‘fato consumado', alegando que a Decisão de minha lavra estaria a causar tumulto no último módulo do referido Curso de Formação, quando, em verdade, o decisum foi proferido apenas para garantir a lisura do Concurso, ante a indevida inclusão de candidata considerada inapta, consoante já salientado', aponta Stábile antes de indeferir o agravo.

Para Stábile, a decisão deve ser mantida e não suspensa, visto que o Estado “desobedeceu à ordem judicial quando do julgamento das Apelações interpostas na Ação Civil Pública e Ações Populares, apensadas e julgadas conjuntamente”. O relator argumenta que seria exatamente por isso que a alegação de que os Agravantes não teriam legitimidade para atuar na ação não merece prosperar, como já registrado na decisão ora agravada.

“Ademais, ao incluir, administrativamente, candidata excluída do certame, o ente público estatal desobedeceu, também, o julgamento do IRDR pela Segunda Seção Cível deste Tribunal – que suspendeu todas as liminares e cautelares judiciais relativas aos candidatos reprovados – praticando, assim, verdadeiro atentado à ordem judicial. Se até mesmo as decisões judiciais encontram-se suspensas, com maior razão as administrativas”, pontua o desembargador.

Entenda o caso

Após decisão administrativa do governo de Mato Grosso do Sul beneficiar candidata reprovada no concurso de 2017 da Polícia Civil, candidatos regularmente aprovados no certame ingressaram com recurso distribuído à 2ª Câmara Cível do TJMS (Tribunal de Justiça de MS). Em decisão monocrática, o relator, desembargador Nélio Stábile, decidiu pela suspensão da manobra, que havia driblado o resultado de uma das fases do processo seletivo para garantir a matrícula da postulante ao cargo de escrivã no curso de formação.

A interferência administrativa, realizada pela Uems (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), fez com que a candidata passasse à frente de ao menos outros seis candidatos que tiveram matrículas revogadas por decisão judicial no mesmo concurso. A concorrente havia sido reprovada na fase mais polêmica do processo seletivo, a prova de digitação. Uma perícia constatou que praticamente todos os computadores usados na etapa estavam com vírus. Outros teriam teclas muito duras, o que atrapalhou os participantes. O problema provocou uma corrida à Justiça por parte dos prejudicados e o MPMS (Ministério Público Estadual) ajuizou ação civil pública.

Uma decisão liminar de março de 2020 permitiu a participação da candidata em questão nas demais fases do concurso. Porém, um mês depois, uma nova sentença, desta vez em segunda instância, determinou a suspensão de todas as liminares expedidas no bojo da seleção da Polícia Civil. Assim, sua matrícula no curso de formação policial foi anulada.

A revogação acabou revertida pelo edital de 18 de dezembro passado, após decisão do reitor da Uems, Laércio Alves de Carvalho. A manobra incluiu a candidata na lista de aprovados para o curso e levou à sua convocação para matrícula no curso de formação. Com isso, ela desistiu da ação que movia na Justiça Estadual.

A interferência da reitoria da Uems contou com o aval de SAD (Secretaria de Estado de Administração e Desburocratização), Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) e DGPC (Delegacia-Geral da Polícia Civil), signatários do edital.

Para desembargador, decisão administrativa causou ‘lesão grave' e feriu ordem judicial

Então, os candidatos prejudicados pela decisão administrativa do governo estadual recorreram à Justiça, que, em primeira instância, rejeitou a investida. Mas, em segundo grau, o desembargador Nélio Stábile acatou o pedido liminar dos candidatos. Em decisão proferida no último dia 31 de março, o magistrado viu “lesão grave e de difícil reparação” aos que foram ultrapassados na classificação.

Além disso, Stábile entendeu que a interferência administrativa provocou “flagrante desrespeito” à ordem judicial de novembro de 2019 – em acórdão relatado por ele -, que determinou o prosseguimento do concurso apenas com os candidatos aprovados da prova de digitação.

Na ocasião do edital de dezembro passado, a SAD defendeu à reportagem que não houve “atropelo” à decisão judicial, pois “o direito ao recurso administrativo está previsto no edital que rege o certame”. Sejusp, DGPC e Uems também haviam sido procurados, mas não se manifestaram.

Com a suspensão do edital, a sentença do desembargador também anulou a matrícula da candidata antes beneficiada. Consequentemente, restabeleceu a classificação anterior dos demais participantes do concurso. Stábile ainda deu dez dias de prazo para manifestação da comissão organizadora do processo seletivo. Além disso, convocou SAD, Sejusp e DGPC a, no mesmo prazo, prestarem esclarecimentos sobre a manobra para contemplar a candidata.