Com aval da Funai, diretor de ONG registra estância de luxo em terra indígena de MS
Justiça Federal chegou a suspender novos registros, mas liminar foi derrubada pelo TRF3
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Após a Funai (Fundação Nacional do Índio) mudar as regras de reconhecimento de terras indígenas, uma estância turística de alto padrão foi registrada entre os municípios de Aquidauana e Miranda. A propriedade pertence ao empresário Roberto Klabin, como denunciou nesta semana o site The Intercept Brasil.
A Estância Caiman tem 7,6 mil hectares, uma área 65 vezes maior que o Parque das Nações Indígenas, em Campo Grande. A propriedade absorveu 1,8 mil hectares da Terra Indígena Cachoeira, reivindicada pelos Terena.
Em abril de 2020, o então presidente da Funai, Marcelo Xavier, assinou a Instrução Normativa N.º 9, que reconhece como terra indígena apenas áreas homologadas no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Dessa forma, territórios em processo de demarcação ficam excluídos.
Foi assim que Klabin e uma série de proprietários rurais por todo o Brasil conseguiram registrar e absorver áreas em disputa. A Caiman Agropecuária, da qual o empresário é o proprietário, requereu o registro das terras em disputa em novembro de 2020, tendo o aval em janeiro de 2021.
A Terra Indígena Cachoeirinha é palco de disputa há quase 40 anos. “Para nós, nossa terra nunca foi demarcada, porque há mais de 100 anos o antigo Serviço de Proteção ao Índio fechou uma área pequenininha e disse ‘aqui vão ficar os índios’. Mas a gente vivia sem fronteira por aqui”, disse uma liderança Terena sob condição de anonimato ao Intercept.
“Pagando mais”
Roberto Klabin é vice-presidente da ONGs (organizações não-governamentais) Instituto SOS Pantanal e da Fundação SOS Mata Atlântica, sendo um dos fundadores desta última. A família dele é dona de uma das maiores fabricantes de papel do Brasil.
A estância já recebeu hóspedes ilustres. Em 2001, o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), passou o Natal na propriedade. Em entrevista ao jornalista Jorge Fernando dos Santos, no mesmo ano, Klabin ressaltou que a estância é voltada apenas às classes mais altas. “Aqui é uma propriedade privada e elitista, pois eu quero manter um certo padrão”, declarou.
O empresário confirmou ao Intercept que espera apenas hóspedes de alto poder aquisitivo. “Buscamos menos turistas pagando mais, ao invés de mais turistas pagando menos. É uma área de alto custo, somente um turismo de observação da natureza poderia trazer os recursos necessários para a mantermos protegida”, afirmou.
Klabin é advogado, mas tem pouca ligação com as empresas da família. A Caiman Agropecuária, por outro lado, lhe rendeu uma fortuna de R$ 44 milhões, que inclui até mesmo criação de gado.
No que lhe concerne, o empresário nega que o registro das terras não tem relação com a normativa da Funai, alegando motivos fiscais por meio de cobrança indevida de impostos pela prefeitura de Miranda. A administração municipal não comentou.
O Incra informou que a base de dados de seu sistema “é alimentada pelo Ministério do Meio Ambiente e pela Fundação Nacional do Índio (Funai)”. Disse ainda que o registro da estância Caiman “passou por análise” do “Incra em Mato Grosso do Sul e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade”. Já a Funai não respondeu às perguntas do Intercept sobre Klabin.
Liminar derrubada
O MPF (Ministério Público Federal) em Mato Grosso do Sul foi à Justiça para impedir o registro de terras indígenas em demarcação como propriedades rurais, temendo conflitos. Mas o Incra conseguiu derrubar uma decisão favorável aos indígenas.
Em dezembro de 2020, a 2ª Vara Federal de Campo Grande acolheu pedido do Parquet e determinou a suspensão da Instrução Normativa N.º 9. O MPF sustentou que a normativa viola o princípio da segurança jurídica ao não assegurar o reconhecimento de terras indígenas que ainda não tiveram o processo demarcatório concluído (estando delimitadas, declaradas ou demarcadas fisicamente), contrariando o caráter originário dos direitos indígenas sobre essas terras e podendo levar ao reconhecimento de propriedades privadas sobre terras tradicionais, o que vai contra a Constituição Federal.
Em sua decisão, a juíza Janete Lima Miguel considerou que a exclusão de territórios em processo de demarcação do Sigef permite a sobreposição de propriedades privadas sobre terras indígenas pendentes de regularização. Assim, a Funai não poderia deixar de documentar esses territórios.
“A aplicação da IN09/FUNAI/2020 poderá ensejar no aumento de conflitos fundiários nos territórios indígenas, obstaculizando a demarcação constitucional das terras indígenas, com a desproteção territorial dos grupos indígenas, excluindo territórios indígenas no âmbito das apreciações administrativas”, escreveu a magistrada.
A decisão em caráter liminar vedou a concessão de novos registros, mas o Incra recorreu ao TRF3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região). O órgão justificou que a normativa da Funai já é objeto de ação popular no Distrito Federal e apenas o STF (Supremo Tribunal Federal) poderia anular a Instrução Normativa.
O desembargador Hélio Egydio de Matos Nogueira concordou com os argumentos e derrubou a liminar em decisão proferida no domingo (27). “Assim, entendo presente igualmente o risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, na medida em que a declaração de inconstitucionalidade da IN nº 9/2020-FUNAI, da forma como requerida, necessariamente produzirá efeitos , afastando a adequação da via da ação civil pública erga omnes para os fins pretendidos”, escreveu.
O Jornal Midiamax procurou o MPF, que informou que ainda não foi intimado da decisão do TRF3.
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