Mais de 20 anos depois da assinatura do contrato original, o juiz federal Pedro Pereira dos Santos, da 4ª Vara Federal de Campo Grande, sentenciou servidores públicos, ex-gestores, empresários e entidades da sociedade civil em uma das diversas ações apresentadas para tentar recuperar recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) voltados à qualificação profissional e que teriam sido desviados no Estado.

Além da perda de direitos políticos por alguns réus pelo prazo de 5 anos, os valores a serem devolvidos à União superam os R$ 3 milhões. Contudo, ainda cabem recursos à decisão.

As fraudes, ocorridas a partir de 1999 na gestão do então governador Zeca do PT, motivaram inspeção do Tribunal de Contas da União e do próprio Ministério do Trabalho e Emprego, atestando que recursos focados no treinamento de trabalhadores foram usados em cursos qualificados como “inúteis” porque, reconhecidamente, não serviram ao propósito de preparar mão de obra para o mercado.

Convênio firmado entre União e Estado em 4 de maio de 1999 garantiu R$ 30,4 milhões em recursos do FAT para custear ações de qualificação profissional em Mato Grosso do Sul. Contudo, falhas na fiscalização ou mesmo na instrução dos projetos teriam feito parte considerável dos valores não atenderem à sua missão.

O caso julgado em 9 de abril pela 4ª Vara Federal abrangeu a contratação, sem licitação, do MNMMR (Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua) para o fornecimento de qualificação a jovens das periferias de Campo Grande. O MPF (Ministério Público Federal) apontou que o contrato, que atropelou fases da contratação, também foi calçado no “empréstimo” da sede do Ibiss-CO (Instituto Brasileiro de Inovações Pró-Sociedade Saudável do Centro-Oeste) para o Movimento.

A denúncia indicou que “tudo leva a crer que os recursos foram endereçados às campanhas políticas de 2000”.

Ex-superintendente de Qualificação foi acusado de liderar ilegalidade

O MNMMR teve entre seus fundadores o então superintendente de Qualificação Profissional da Seter-MS (Secretaria de Estado de Trabalho, Emprego e Renda), José Luiz dos Reis, que a deixou e fundou o Ibiss-CO, da qual saiu para atuar no Governo do Estado –mas deixou a mulher como responsável. O Movimento funcionara em uma sala cedida pelo Ibiss-CO, que por sua vez também teria participado da elaboração de projetos.

Reis foi apontado como o responsável por operacionalizar as fraudes, cabendo a ele também participar da devolução de grande parte dos valores. Também sentenciado, o ex-secretário Agamenon Rodrigues do Prado –que figura como réu em várias outras ações sobre desvios do FAT– teve reconhecida participação menor, sendo responsabilizado pela restituições de valores de um aditivo.

Conforme o MPF, a Seter autorizou irregularmente convênio com o MNMMR, por dispensa de licitação e sem que a entidade atendesse a todas as exigências legais, por R$ 699,9 mil, para capacitar 300 jovens entre 16 e 21 anos em 1999. O Ministério do Trabalho já havia apontado desvio de recursos por meio de ajuste feito entre servidores no contrato e na sua extensão, em 2000, estimada em cerca de R$ 400 mil.

Entre os problemas apontados estava o aumento contratual por aditivo em 25% sem lastro, liberação de parcelas do contrato sem apresentação de documentos comprovando o cumprimento de obrigações, ausência de provas da realização de cursos e a má qualidade dos mesmos, “os quais, indubitavelmente, não alcançaram os objetivos do programa”. Os próprios alunos afirmaram que os cursos “em nada serviram para qualifica-los profissionalmente”.

Empresas envolvidas no desvio de recursos do FAT

Em maio a esses problemas, foi apontado o uso de contratos de prestação de serviços para sustentar os desvios. A Gráfica Fênix –de Emanuel Ferreira dos Santos Junior, que não teria de fato prestado serviços– e a Informe Publicidade, da ex-chefe de comunicação do Governo Zeca, Sandra Recalde (em sociedade com irmã, Carmen, e a filha, Ana Carolina) teriam participação ativa.

José Luiz Reis teria encaminhado a documentação do MNMMR dentro da Seter, a fim de habilitar a entidade a receber verbas. As servidoras Ana Maria Chaves Fustino Tieti e Sônia Savi atestaram a execução de serviços pela entidade mesmo sem as devidas comprovações, permitindo a liberação de parcelas do convênio.

Ana Maria e a também servidora Maria José Moraes teram feito o mesmo procedimento para liberar parcelas de ajuste no contrato em 2000, nos valores de R$ 152 mil e R$ 26,3 mil, também sem comprovação. Já no Movimento, a responsável pelas finanças, Dulce Regina Amorim teria feito os pagamentos às empresas e ao Ibiss-CO, por serviços de assessoria.

Os denunciados rebateram haver irregularidades. Agamenon, por exemplo, destacou que, nacionalmente, o plano de qualificação tinha falhas estruturais que dificultavam sua execução em todo o país e apelou á “boa fé” de envolvidos.

Decisão viu empenho para habilitar entidade a receber verba do FAT

Em sua sentença, o juiz destacou que Agamenon deu andamento para a convocação de entidades para atuar na qualificação profissional. Em 29 de julho de 1999, José Luiz dos Reis encaminhou a documentação do MNMMR para contratação e, no mesmo dia, ela recebeu parecer técnico e seguiu para a comissão julgadora, obtendo aval em 16 de agosto de 1999 para contratação por dispensa de licitação.

O novo contrato, de 2000, ocorrera sob a luz de novas regras que não permitiriam habilitar o MNMMR para prestar o serviço –ainda assim, o contrato foi renovado. O magistrado ainda questionou o fato de a entidade conseguir o aumento do valor pago por hora aula pouco depois de ter assinado o contrato.

Contra José Luiz dos Reis, para o juiz, “restou provada sua nociva atuação” na Seter, já que o exercício do cargo seria “absolutamente incompatível” com atuações em processos de interesse do MNMMR por sua relação com a entidade. Ele ainda “atuou ativamente” no processo para a contratação do movimento e na liberação irregular de parcelas.

“Em suma, conhecedor como ninguém do MNMMR, sabia ele que todo aquele processo não ia dar em nada em termos de desenvolvimento pessoal dos jovens a quem se destinavam os recursos. A entidade não tinha sede, tampouco estrutura para fazer face ao treinamento proposto. Tanto que a atuação foi desastrosa, ademais porque recursos foram desviados na maior sem-cerimônia”, anotou o magistrado.

Conclusão semelhante, resgatou o juiz, já havia sido manifestada pelo Tribunal de Contas da União, ao considerar em tomada de contas que os cursos, “diante da falta de qualificação da entidade contratada, não se mostraram úteis para o fim de preparar para o os jovens que deles participaram”.

Sobre Agamenon, o fato de não haverem provas robustas de sua participação no esquema restringiram sua responsabilização ao aditivo do contrato por ele autorizado, além de um puxão de orelhas porque deveria “propiciar maior rigor na fiscalização dos contratos”.

Devolução de valores corrigidos e multas equivalentes a 2 vezes os valores desviados

O Movimento e sua coordenadora Dulce, ao lado de José Luiz dos Reis, foram condenados a restituir solidariamente a totalidade dos recursos recebidos, no valor de R$ 669.954,44. Eles figuram como partes em todas as devoluções sentenciadas. Com Agamenon, por exemplo, devem ressarcir solidariamente R$ 37,5 mil do aditamento.

Ao lado de Ana Tieti e Maria José de Moraes, Dulce, Reis e o MNMMR devem ressarcir a União em R$ 152.040 da primeira parcela do contrato de 2000. Eles e Ana Tieti também deve arcar com a devolução de R$ 101.334,44 ao lado de Sônia Savi, referentes a duas parcelas do contrato de 1999 e uma de 2000.

Com a Informe e suas sócias, o trio deverá devolver R$ 146.400 por serviços não prestados ao movimento; o mesmo valendo para a Gráfica Fênix e Emanuel Junior, no valor de R$ 18.448; e com o Ibiss-CO, o valor chega a R$ 5 mil.

Todas as punições financeiras, que totalizaram R$ 1.130.676,88 vieram acompanhadas de ordem para correção por juros e multa equivalente a duas vezes o seu valor (R$ 2.261.353,76). Com isso, os valores a serem pagos pelos réus chega a R$ 3.392.030,64.

Agamenon, Dulce Amorim, Carmen e Sandra Recalde e Emanuel dos Santos Junior tivera os direitos políticos suspensos por 7 anos. Ana Tieti, Maria Moraes e Sônia Savi os perderam por 5 anos, mas também tiveram decretada a perda de função pública que eventualmente ainda ocupem.