Um esquema criminoso no Detran-MS (Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso do Sul) é investigado por suspeita de anular multas de trânsito e ‘salvar' CNHs (Carteira Nacional de Habilitação) de motoristas flagrados em cometendo infrações gravíssimas, que levam à suspensão ou perda do direito de conduzir.

Segundo apurado pelo Jornal Midiamax, a suposta rede de corrupção atenderia geralmente ‘playboys', que cometem infrações gravíssimas como exibir manobra perigosa (arrancada brusca, derrapagem ou frenagem com deslizamento ou arrastamento de pneus) e até rachas (disputar corridas).

Em comum, são todas apontadas como gravíssimas no CTB (Código de Trânsito Brasileiro) e possuem na penalidade, além da multa pesada, a suspensão do direito de dirigir e a apreensão do veículo, geralmente carros de luxo ou camionetes grandes de alta performance.

‘Playboyzinhos' bagunceiros

Para anular as multas e se livrar do risco de perder a CNH, os motoristas pagavam de R$ 3 a R$ 5 mil.

E, mesmo cobrando valores até maiores que as multas aplicadas, o grupo oferecia como vantagem livrar os condutores da suspensão ou perda da CNH e de cumprir determinações como cursos de reciclagem.

No entanto, com a popularização do ‘esquema', outros condutores passaram a ser indicados, abordados e atendidos.

Geralmente a ‘clientela' tinha alto poder aquisitivo e cometia infrações sempre ligadas a ‘algazarras' no trânsito em regiões nobres de Campo Grande.

Conforme apurado pelo Jornal Midiamax, os autos de infração aplicados aos motoristas que pagavam propina para o grupo simplesmente ‘sumiam' do sistema do Detran-MS, ou nem chegavam a ser inseridos.

Poucos poderiam ‘anular multas'

Para anular multar, é preciso ter acesso ao sistema digital de cadastramento com credenciais que poucos no Detran-MS possuem.

Já o ‘sumiço' das multas sem sequer serem cadastradas, segundo servidores que conhecem os procedimentos internos, indica que teriam acesso aos documentos antes de serem inseridos digitalmente no banco de dados.

A reportagem ouviu servidores do Detran-MS que apontam as suspeitas para a Divisão de Controle de Autuação e Penalidades de Multas do órgão.

Juliana Cardoso Moraes, servidora comissionada do Governo do Estado, atualmente na (Secretaria de Estado de Governo e Gestão Estratégica) comandou o setor por mais de cinco anos.

Ela foi nomeada para a função pelo governador Reinaldo Azambuja (PSDB) em 15 de janeiro de 2015, primeiro ano da gestão do tucano, e já se envolveu em denúncias anteriores, suspeita de adulterar datas na transferência de pontos em CNHs para favorecer políticos sul-mato-grossenses.

Esquema no Detran-MS é suspeito de anular multas para salvar CNH de 'playboys' em MS

O Detran-MS confirmou que existe pelo menos um procedimento apuratório administrativo na Corregedoria de Trânsito do Detran-MS para apurar irregularidades envolvendo servidores do departamento de cadastramento de multas.

A reportagem apurou que Juliana estaria citada neste e em um segundo, que estaria suspenso.

Além disso, as denúncias chegaram ao MPMS (Ministério Público Estadual de Mato Grosso do Sul) há aproximadamente um ano e, conforme apurado pela reportagem, houve até buscas e apreensões. Mas o procedimento continua aberto.

Enquanto isso, Juliana Cardoso Moraes, que ocupava cargo de direção executiva na Divisão de Multas por indicação política, supostamente de um secretário estadual, foi exonerada.

No entanto, segundo servidores efetivos do Detran-MS ouvidos pela reportagem, a exoneração não significou punição, mas sim promoção.

Nomeada na Governadoria

“Aqui todos sabiam da proteção política que ela tinha. Quando saiu, ela ainda ganhou um cargo ainda melhor na Segov (Secretaria de Estado de Governo). É uma daquelas situações em que o apadrinhado ‘cai pra cima'”, conta um servidor que atuou sob a chefia da indicada política.

Juliana permaneceu no comando da Divisão de Multas até maio deste ano. Nesse período, três diretores-presidentes passaram pelo comando do Detran-MS: Gerson Claro (PP), Roberto Hashioka (PSDB) e Luiz Carlos Lima.

A exoneração da então chefe da divisão foi publicada no em 12 de maio deste ano e a na nova função na Segov saiu menos de uma semana depois, em 18 de maio.

No período em que comandou o setor, Juliana tinha média de R$ 4 mil de remuneração mensal conforme o Portal da Transparência do Governo. No mês da exoneração, contudo, ela recebeu R$ 13 mil.

‘Tudo resolvido'…

A reportagem localizou Juliana Cardoso Moraes nesta segunda-feira (13) na Governadoria. Por telefone, ela admitiu a existência das denúncias, mas garantiu que ‘tudo já foi resolvido e arquivado'.

Sobre o suposto esquema para anular multas com oferecimento do ‘serviço' por whatsapp em troca de propina, Juliana diz que chegou a ouvir conversas sobre o esquema para anular multas, mas que não conseguiu descobrir de onde partia porque teria sido ‘identificada'. “A denúncia partiu de um funcionário nesse caso”, conclui.

Segundo ela, o arquivamento já teria inclusive sido publicado em Diário Oficial.

A nomeada ainda sugeriu ao jornal procurar a informação no Detran-MS. “Não deve ter saído pelo meu nome, mas sim pelo numero do processo. Teria que verificar lá pelo Detran-MS”, orientou.

Questionada sobre o procedimento no MPMS, ela também confirmou e disse que já chegou a ser ouvida. “Isso foi tudo resolvido. Tem um arquivado e um suspenso porque estava no MP. Até esse do MP, parece que vão arquivar. Já fui ouvida e parece que seria arquivado também, mas como veio a pandemia, ficou tudo parado”, explicou.

‘Nada resolvido'…

Ao contrário do informado pela ex-diretora da Divisão de Multas, em resposta ao Jornal Midiamax, a Corregedoria de Trânsito do Detran-MS confirmou que “procedimento apuratório administrativo” foi instaurado e está em tramitação para apurar “eventuais irregularidades” envolvendo o suposto esquema.

Ainda segundo a Corregedoria, esclarecimentos sobre o caso só serão divulgados após o fim das investigações.

A reportagem também questionou a assessoria de imprensa do Detran-MS a respeito da exoneração de Juliana. Conforme o órgão, a saída da então chefe da Divisão de Multas teria se dado apenas por “reestruturação de equipe”.

Ao Governo do Estado, o Jornal Midiamax pediu posicionamento a respeito das circunstâncias de exoneração no Detran-MS e renomeação de Juliana Cardoso Moraes na Segov.

Além disso, a reportagem também acionou o MPMS para saber sobre o suposto procedimento que teria iniciado há aproximadamente um ano para apurar as denúncias. Em ambos os casos, aguarda retorno.