O governador (PSDB) voltou a ter destaque na imprensa nacional. Desta vez, matéria do Jornal Folha de São Paulo trouxe à tona lei editada por ele e que teria o intuito de beneficiar em sua transferência a Brasília (DF) o filho de um ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Corte onde tramitam dois inquéritos contra o governador decorrentes da Operação Vostok, deflagrada com base na delação premiada da JBS.

Foram duas alterações na Lei Orgânica da Procuradoria do Estado, feitas no ano de 2016 com data retroativa e que beneficiaram Campos Soares da Fonseca, de 29 anos, filho do ministro do STJ Reynaldo Soares da Fonseca. Leonardo havia sido nomeado procurador em Paranaíba no dia 24 de setembro de 2015. Ele teve a transferência autorizada para a capital federal depois da lei, aprovada em setembro de 2016, retroagir ao dia 2 de agosto daquele ano e permitir a transferência antes mesmo de cumprido o período de estágio probatório.

Segundo informado pelo Governo do Estado à Folha, a requisição do servidor ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) decorreu de expressa previsão do código eleitoral, que tem caráter nacional, e que teria provocado a edição da lei aprovada no Estado. A versão da gestão de Azambuja foi contestada pela própria Procuradoria-Geral de Mato Grosso do Sul. Isso porque Leonardo não foi requisitado, mas transferido em resposta a consulta do então presidente do TSE, Gilmar Mendes, também ministro do (Supremo Tribunal Federal).

No ofício enviado por Mendes ao Governo de , o assunto é descrito como cessão de servidor, e não requisição. Requisições feitas pela Justiça Eleitoral também costumam atender ao critério da impessoalidade, não sendo direcionadas como ocorreu com o filho do ministro.

A versão da Procuradoria sobre o caso, contrastando com a versão oficial do Governo, foi expressa quando Leonardo entrou na Justiça para ter direito à promoção por antiguidade e aquisição de férias, mesmo estando afastado da procuradoria em Paranaíba. Em resposta, o órgão manifestou-se contrário afirmando que o afastamento do servidor ‘tem natureza jurídica de cessão’, o que demonstra ter ele sido cedido após consulta, e não requisitado como alegou a gestão.

Alterações sob medida 

Foram duas alterações feitas na Lei Orgânica da Procuradoria, que permitiram a transferência de Leonardo a Brasília. De acordo com seu artigo 79, “pedidos de afastamento para estudo, para servir em outro órgão ou entidade e para trato de interesse pessoal somente serão concedidos após período de estágio probatório”, que é de 36 meses após posse no serviço público.

No caso de Leonardo, a nomeação como procurado tinha ocorrido em setembro de 2015, apenas cerca de dez meses antes de ser posto à disposição. Para resolver a situação, a lei ganhou um adendo: “O disposto do caput deste artigo, quanto ao pedido para servir em outro órgão ou entidade, não se aplica no caso de solicitação do Tribunal Superior Eleitoral”.

A outra mudança foi relacionada aos custos. A regra que vigora é de que a “a cedência [de servidores] ocorrerá sem remuneração ou mediante ressarcimento e de encargos que forem pagos durante seu afastamento”. Já na lei sancionada por Azambuja, foi incluído no trecho: “exceto quando se destinar ao Tribunal Superior Eleitoral”.

Com as alterações na lei, o filho do ministro conseguiu não apenas ser transferido a Brasília com apenas dez meses após a posse, ao invés dos 36 de estágio probatório; mas com custos a cargo do Governo de Mato Grosso do Sul.

Conforme o Portal da Transparência, Leonardo que tinha salário de R$ 25,3 mil brutos chegou a receber outros R$ 15 mil mensais como hora-extra, chegando a R$ 32 mil líquidos. Colocado à disposição do TSE em 2 de agosto, data à qual a legislação retroagiu, Leonardo teve a cessão prorrogada até dezembro do ano passado, por meio de decretos. Em janeiro desde ano, ele começou a trabalhar na representação da Procuradoria do Estado em Brasília.

À Folha, o ministro disse não ter pedido ao ministro do TSE que consultasse o Governo de MS sobre a transferência do filho para Brasília. “O ministro tem dois filhos já com atuação profissional (ambos concursados) e um terceiro ainda estudante universitário. Não atua ou interfere nas carreiras acadêmica e jurídica deles”, disse em nota.

Segundo o ministro, ele nunca fez nem faz parte da Corte Especial do STJ, órgão responsável por processar criminalmente o governador do Estado. Sobre impedimento em processos contra Azambuja, a assessoria do ministro informou ainda que por expressa determinação legal ele está impedido de funcionar em processo em que seu filho atue como parte ou advogado.

Reinaldo Azambuja responde a dois inquéritos que tramitam no STJ, decorrentes da Operação Vostok resultante de delação da JBS. Nos casos, são apurados pagamentos de R$ 67 milhões em propina em troca de benefícios fiscais concedidos a empresas no Estado. Neste ano, a Polícia Federal fez nova rodada de oitivas relacionadas ao caso. Entre os chamados a testemunhas, estava a mãe e o irmão do governador. Reinaldo, por sua vez, disse que nenhuma mencionou seu nome e que a verdade vai prevalecer sobre o caso.

Respostas 

A assessoria do ministro Gilmar Mendes informou à Folha que ele recebe diversos currículos de servidores que se candidatam a vagas nos tribunais e a avaliação deles segue critérios objetivos. “Durante o período em que o ministro Gilmar Mendes exerceu a Presidência do TSE, foram realizados inúmeros pedidos de cessão que tinham por objetivo atender às demandas das unidades do tribunal. Nesses procedimentos, cabe ao órgão de origem do servidor – e não ao TSE – verificar o cumprimento dos requisitos para a cessão”, disse.

Em relação à cessão de Leonardo, o TSE informou que foi apenas cientificado pelo órgão de origem quanto à autorização. “Desse modo, enquanto presidente do TSE, o ministro Gilmar Mendes não foi informado pelo órgão de origem sobre a pendência de estágio probatório, tampouco sobre as circunstâncias específicas que viabilizaram a cessão”.

Leonardo também respondeu à Folha, por e-mail. Ele citou a Lei 8.112/90 sobre os servidores da União e resolução do TSE de 2017 para defender que a lei complementar aprovada por Azambuja ‘apenas se adequou ao código eleitoral (lei nacional), inclusive quanto ao período do estágio probatório”.

Segundo informado por ele, ‘vários são os casos de servidores públicos em estágio probatório cedidos para o exercício de cargo em comissão nas administrações federal, estaduais e municipais’. Ele informou ainda que toda requisição eleitoral é irrecusável e toda cessão para a Justiça Eleitoral é uma requisição, pois o dispositivo do código eleitoral é único. O procurador também alegou que vários são os casos de magistrados e outros agentes públicos em estágio probatório requisitados para auxílio aos tribunais superiores. “Demonstração de que se trata, portanto, de procedimento legal”, finalizou.

A reportagem do Jornal Midiamax acionou o Governo do Estado, por meio da Subsecretaria de Comunicação, por telefone, e-mail e WhatsApp, concedendo prazo para resposta sobre as alterações na lei e a transferência do servidor, mas findo o prazo não obteve retorno até a publicação desta reportagem. Nesta sexta-feira (11), não há expediente oficial no funcionalismo em virtude do feriado. Permanece aberto o espaço para manifestações posteriores.