Dono do imóvel confirmou ‘tratativas’ antes mesmo de terminar prédio

Empresários do mercado imobiliário de Campo Grande suspeitam que o Ministério Público Estadual de Mato Grosso do Sul tenha fechado acordo extraoficial para que um corretor de imóveis construa o prédio supostamente já destinado a ser alugado pelo órgão, antes mesmo de qualquer processo licitatório. No canteiro da obra suspeita, operários confirmam que estão ‘construindo uma sede nova para o MP’.

Tanto o dono da obra, quanto o Ministério Público Estadual, não negam a existência do suposto acordo denunciado. Em nota, a Procuradoria-Geral de Justiça admitiu ainda que ‘está em processo de tramitação, via procedimento administrativo, o aluguel de um novo espaço’. A nota, no entanto, não nega que a construção já teria sido encomendada ou que existam as tratativas ‘não oficiais’ com o corretor que constrói o prédio.

Segundo a denúncia, o imóvel no bairro Miguel Couto, em Campo Grande, começou a ser construído já com destinação certa antes mesmo de qualquer anúncio de que o MPE-MS precisaria alugar um imóvel.

Licitação ‘bem’ específica

O caso intriga empresários, já que para alugar um imóvel, o Ministério teria que lançar um chamamento, ou um convite a empresas interessadas, a fim de não prejudicar possíveis concorrentes e tornar o processo de contratação o mais transparente possível, a bem do serviço público, como manda a lei. 

“Não tem problema nenhum fazer uma contratação na planta, que pode até tornar o contrato mais eficiente, com o prédio adequado à demanda do órgão público. Mas, isso não pode ser feito num acerto de boca porque estão falando de dinheiro público. Tem de ter chamamento, licitação, deixar ver se tem mais gente para concorrer com localização equivalente. Quem garante que no mesmo bairro não tenha outro empresário querendo investir e que poderia fazer o mesmo prédio mais barato?”, questiona um dono de imobiliária.

Segundo a denúncia, para garantir o ‘acordo’ o edital a ser lançado para alugar um prédio apresentaria exigências específicas que somente o imóvel do Bairro Miguel Couto estaria pronto para atender, ‘forçando’ o órgão a dispensar a licitação para o dono ou dificultando a concorrência.

“É revoltante pensar que o Ministério Público está adotando exatamente as mesmas práticas que deveria combater entre os políticos. Todo mundo já sabe que o prédio lá foi acertado para eles mesmos e a maior prova é que vão acabar ficando lá mesmo. É só vocês esperarem”, aposta um corretor de imóveis.

O prédio comercial próximo à Avenida Ceará, com previsão de entrega em julho deste ano, teria sido planejado para concentrar no mesmo endereço as promotorias do Patrimônio Público em Campo Grande, conforme recomendação do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) após correição extraordinária no MPE-MS.

O relatório faz inúmeras recomendações ao Procurador-Geral de Justiça Paulo Cezar dos Passos, como reunir todas as promotorias do patrimônio público em um único prédio, ‘de modo a facilitar o acesso da população e a interlocução dos membros diante da complexidade das atribuições’; avaliar a conveniência e oportunidade em aumentar o número de órgãos de execução com atribuições na defesa do Patrimônio Público e Social de Campo Grande.

‘Ainda não…’

“É de uma corretora de imóveis, que já está construindo para alugar para eles. O que, na prática, não é legal, porque não abre concorrência para outras empresas. E é de se envergonhar, ainda mais vindo de um órgão como o Ministério”, revelou um empresário que já mantém contratos de locação de imóveis com órgãos públicos em MS.

O empresário apontado na denúncia como beneficiário do suposto acordo prévio confirmou que o prédio é dele. Questionado se estaria construindo para ser contratado pelo MPE-MS para alugar, não negou. “Ainda não. Na verdade, estou tentando alugar com eles, também. É um prédio comercial de quatro pavimentos e estou fazendo tratativas, por enquanto”, desconversou.

Em nota, o Ministério Público Estadual não negou que tenha encomendado a construção ou feito tratativas com o corretor do prédio, mas admitiu que ainda está em processo de tramitação, via procedimento administrativo, o aluguel de um novo espaço. Confira a nota na íntegra:

“Há um processo administrativo em tramitação neste Ministério Público, visando a seleção de imóvel apto à locação que atenda a demanda do Parquet. Neste procedimento, todos os princípios inerentes ao Direito Administrativo são observados, mormente aos da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, eis que há estrita obediência aos preceitos legais insculpidos na Lei Geral de Licitações e Contratos, e medidas amplas de transparência, como a publicação na imprensa oficial, acerca da intenção da Administração em locar um imóvel, promovendo o chamamento de interessados, e recebimento de propostas para posterior seleção daquela que melhor atenda aos interesse público (sic).”

Não há, até o momento de publicação desta reportagem, qualquer referência no website do Ministério Público Estadual de Mato Grosso do Sul aos ‘procedimentos administrativos’ ou a algum tipo de concorrência pública para atender à demanda de nova sede para o órgão.

Obras e aluguéis

Atualmente, o MPE-MS mantém R$ 2.947.098,13 em obras, segundo os editais de licitação para readequação de calçadas e acessibilidade na Procuradoria-Geral de Justiça. O órgão alugava na Rua Joaquim Murtinho um prédio para o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), antes da construção da sede própria, no Parque dos Poderes e atualmente aluga do mesmo dono o prédio na Avenida Ricardo Brandão.

O prédio de duas das três promotorias do Patrimônio Público teve recentemente o contrato prorrogado por dispensa de licitação por mais três anos ao custo de R$ 1.234.752,48. No local, servidores confirmam que as informações internas são de que a Escola Superior do Ministério Público passará a funcionar na Ricardo Brandão porque as promotorias vão todas para o ‘prédio novo’.