Durante as comemorações dos 20 anos de criação dos juizados especiais no Estado, em setembro, contou com a presença da ministra Fátima Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça. Ela recebeu a comenda do Colar do Mérito Judiciário, que é o mais alto reconhecimento da justiça sul-mato-grossense. “Eu me sinto emocionada e é como se todos vocês abraçassem meu coração”, disse ela durante o discurso de agradecimento.

Também ministra substituta do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ela é relatora do processo que envolve o nome do governador André Puccinelli e corre em segredo de justiça.

Considerada em suas próprias palavras como uma idealista do direito, ela entende que para que o processo judicial seja mais rápido e proveitoso é preciso humanizar e desarmar os espíritos que chegam aos tribunais.

Nancy estudou cromoterapia e um dia ousou sugerir que as paredes dos tribunais fossem pintadas de lilás. “Explanei ao juiz do pleno que tinha feito um amplo estudo e o lilás era uma cor que acalmava. Ele na época declarou que pela primeira vez pensou em interditar uma juíza. Oito anos depois voltei lá e vi as paredes pintadas de lilás, aquilo me mostrou que eu não poderia desistir”.

Confira agora na íntegra a entrevista da ministra.

Midiamax: A senhora propõe uma humanização do sistema judiciário e ampliação dos juizados especiais. Como isso pode ajudar no alcance da população à justiça?

Procuro fazer um retrospecto histórico, o MS foi o primeiro Estado a ter uma lei estadual de juizados especiais que inclusive serviu de modelo para a criação da Lei Federal, que teve parte da lei de MS copiada. Aqui foi o primeiro estado, ao que eu digo, a democratizar a atividade jurisdicional, ou seja, instituir juízes leigos, pois só com a presença de juízes leigos o juizado consegue a celeridade necessária prevista na lei.

Midiamax: Isso promove uma justiça mais rápida?

Sim, os processos andam mais rápidos, pois há mais juízes julgando sob a coordenação de um juiz de direito. Esse avanço do MS sempre inspirou o resto do país.

Midiamax: E a questão da humanização?

O lado da humanização já começa por ser uma preocupação com o cidadão. Eu digo que o juizado é a alma da nossa convivência diária. Porque ele veio para resolver as pequenas questões, tais como incidentes de trânsito, com vizinhos, com um prestado de serviço, aqueles trabalhos mais básicos que atrapalham a vida de todo cidadão quando não são solucionados. Fazem desse cidadão amargurado, deixam o cidadão tenso e que se não resolvidos esses problemas podem até acabar em situações mais graves, como até morte.

Midiamax: Isso deixa o cidadão mais tranqüilo?

É por isso que eu digo que o juizado especial é humanizado. Ele dá uma lição de humanização. Nós trabalhamos com o sentimento das pessoas. E paulatinamente o que se percebe é que o índice de conciliação é muito grande. Por que as pessoas tem um espaço, um tempo certo para conversar, discutir, realinhar as suas idéias e mostrar um o direito do outro. É como se fosse uma mediação, cada um aprende respeitar os limites do outro. O Juiz tem esse papel, de serenador dessas almas, e essas pessoas é que vão por eles mesmos encontrar a melhor solução.

Midiamax: E na questão dos recursos, a justiça especial há menos possibilidades de recursos. Na justiça comum há várias instâncias. Isso atrapalha o andamento da justiça. A senhora acha que isso deveria acabar na justiça comum?

A característica principal dos juizados é a celeridade. Como se consegue isso? Diminuindo o número de atos processuais e os recursos. Nos juizados temos um único recurso. Na justiça tradicional nós temos 14 recursos. O fato de admitir esses recursos é que faz com que o processo não termine, não acabe nunca. Julga um recurso já tem outro, e mais outro, e outro mais além. E quando há divergentes entendimentos entre um juiz e outros ainda cabem incidentes para uniformizar os entendimentos.

Midiamax: A justiça tradicional então é prejudicial às causas?

Jamais se pode levar este modelo da justiça tradicional para os juizados, porque ai vai ferir de morte a instituição que se pautou pelo principio da celeridade, que é as partes se conformarem com a decisão dada pelo juiz ou pela turma recursal. O que ocorre na justiça tradicional é que ninguém mais se conforma com a decisão do juiz, nem com a decisão do Tribunal de Justiça e vai querer acabar sempre no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e quando não no STF (Supremo Tribunal Federal). Ora, essa trajetória com 14 recursos vai acabar levando anos e anos para terminar um processo.

Midiamax: A senhora acredita que essa celeridade que os juizados trazem anima os cidadãos a buscarem mais a justiça? A exercerem seus direitos?

Eu acho que é um aprendizado de cidadania. O cidadão, sempre se fala que ele resolvia por mão própria a justiça, e é isso que se pretende evitar. Colocar bem próximo do cidadão com todas as facilidades um instrumento eficiente, estatal. Tudo para que ele não se arvore em resolver o problema a mão própria com violência, mas sabendo que ele tem um juiz ali a disposição dele, sem pagar custas, com rapidez, sem aborrecimentos para que ele possa resolver adequadamente seus conflitos.