‘Tom raivoso' de parte dos manifestantes gera preocupação, diz especialista da USP

Um mês após as surpreendentes manifestações antigoverno de março, menos brasileiros tiraram suas roupas verdes e amarelas do armário para protestar contra a presidente neste domingo.

Ainda assim, os movimentos continuaram sendo expressivos e espalhados por várias cidades do país, mantendo o governo numa situação delicada, segundo cientistas políticos ouvidos pela BBC Brasil. 

Seu desempenho futuro, afirmam, é incerto e dependerá da recuperação da economia e do êxito do vice-presidente Michel Temer à frente da articulação política, função que acaba de assumir.

Os protestos ocorreram na maioria dos Estados e no Distrito Federal, em geral com números de manifestantes significativamente menores do que os observados nos protestos de 15 de março.

Em São Paulo, a PM calculou o público na Paulista neste domingo em 275 mil pessoas, pouco mais de um quarto do estimado na manifestação de março. O Datafolha, que calculou em 210 mil o número de manifestantes na Paulista em 15 de março, diz que o deste domingo reuniu 100 mil pessoas.SP

No Rio, organizadores estimaram os manifestantes em 25 mil e a PM, em 10 mil. Em Porto Alegre, havia 35 mil, segundo a PM, ou 40 mil, segundo organizadores.
Em Brasília, 25 mil pessoas, segundo a PM (ou 40 mil, segundo organizadores), protestaram diante do Museu da República e do Congresso.
Houve manifestações também em capitais como Belo Horizonte, Curitiba, Belém, Salvador, São Luís, Goiânia e Fortaleza.
No total, levando-se em conta os cálculos das PMs estaduais, as marchas levaram às ruas ao redor de 500 mil pessoas, contra mais de 1 milhão em 15/3.
“Os protestos de hoje (domingo) são um fator de alívio e preocupação para o governo”, afirma José Álvaro Moisés, coordenador do grupo de pesquisa Qualidade da Democracia da USP.

“Eles foram menores, mas a ocorrência sucessiva de manifestações, com tantas pessoas, é uma indicativo de deslegitimação que preocupa qualquer governo”, acrescentou.
Moisés esteve na manifestação de São Paulo nesta tarde e disse ter ficado preocupado com o “aumento do tom raivoso” dos manifestantes. Embora o apoio à defesa de um golpe militar seja baixo na sociedade, ele considera que elevação das hostilidades “dificulta uma saída democrática para a crise”.
Impeachment

Outro fator negativo para o governo foi a divulgação, pelo Datafolha, de pesquisa indicando que 63% da população apoia o impeachment da presidente.
Os quatro analistas ouvidos pela BBC Brasil, porém, não veem condições para que isso aconteça no momento.
Por um lado, há falta de embasamento jurídico para o impedimento da presidente, já que para tanto seria necessário haver provas de que ela tenha cometido irregularidades no atual mandato. Além disso, afirmam, o cenário político não abre espaço para tal medida, pois nem mesmo os partidos de oposição estão defendendo o impeachment.

“Isso pode vir a acontecer, mas não é automático (que a demanda popular crie as condições políticas). Uma coisa é ter pesquisa de opinião, outra coisa é haver articulação entre os movimentos e os partidos”, afirma Moisés.

A cientista política Marcia Dias, professora da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), chama atenção para o fato de que a própria pesquisa do Datafolha indicar que a grande maioria não sabe exatamente o que é o impeachment. Entre os que defendem a medida, só 37% sabem que o cargo de presidente ficaria com o vice, e só 12% sabem que o vice é Michel Temer.

“Diante da grande insatisfação atual, esse apoio ao impeachment não me surpreende. Mas não dá para dizer que realmente 63% dos brasileiros defendem a medida, pois não sabem o que é exatamente”, observa Dias. “Acham que o Aécio (Neves, candidato derrotado à presidência) será o novo presidente.”

Recuperação?

Segundo o Datafolha, o percentual dos entrevistados que consideram que o governo de Dilma é ruim ou péssimo caiu, mas permanece elevado – 60% ante 62% no levantamento anterior. Apenas 13% avaliam sua administração como boa ou ótima.

A professora da Unirio considera que, por faltar muito para o fim do mandato da presidente, ainda há tempo para que Dilma recupere sua popularidade.Já a professora da Christiane Jalles, da Universidade Federal de Juiz de Fora, tem opinião semelhante. Ela acredita que as medidas que vêm sendo tomadas na economia devem permitir uma recuperação mais à frente. Já no campo político, Jalles considera que Temer é habilidoso e tem condições de reconstruir a articulação política com o PMDB, o “fiel da balança” para o governo no Congresso.

“As manifestações continuam colocando o governo numa situação bastante delicada, mas se ele tiver calma, pode superar isso. É muito difícil manter as massas mobilizadas por tanto tempo”, analisa.

O cientista político Antonio Carlos Mazzeo, também da USP, nota alguns fatores que podem atrapalhar a recuperação da presidente.

Por um lado, seu apoio dentro do próprio PT e em sua base política está fragilizado, devido ao descontentamento de movimentos sociais e sindicatos com as medidas de arrocho fiscal. De outro, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, “se comporta como oposição”, apesar de seu partido (PMDB) ser formalmente da base do governo. “É uma sinuca de bico”, diz.

E outro fator que também deve ditar os rumos da popularidade da presidente, observa Moisés, será o possível surgimento de mais novidades ligadas às denúncias de corrupção, na medida em que avançam as investigações no âmbito da Lava Jato.