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Polícia

Empresário de MS quer acordo para ajudar a prender policiais que desviavam droga

Escondido em Mato Grosso do Sul, ele teme pela vida e promete ajudar a prender policiais que enganavam facções com ajuda de servidores, traficantes, jornalistas e políticos
Thatiana Melo, Eser -
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Empresário teme pela vida e quer ajudar a prender policiais; No detalhe, policial Gimenez, apontado como chefe da quadrilha (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax e Reprodução, PCSP)
Empresário teme pela vida e quer ajudar a prender policiais; No detalhe, policial Gimenez, apontado como chefe da quadrilha (Henrique Arakaki, Jornal Midiamax e Reprodução, PCSP)

Um empresário de (MS) tenta um acordo de delação premiada para colaborar nas investigações do esquema de narcotráfico que se instalou na Polícia Civil de . Ele diz que pode ajudar a prender policiais paulistas que se especializaram em desviar a droga que chegava a SP a partir de .

Aos 31 anos, o campo-grandense se aproximou da quadrilha vendendo serviços de rastreio para os caminhões interceptados no esquema. Assim, o empresário garante que pode ajudar as autoridades a derrubar a organização criminosa e prender policiais corruptos.

No entanto, enquanto o acordo não sai, vive escondido em uma propriedade rural de MS e diz que está marcado para morrer. Além disso, teme que as autoridades dificultem o acordo porque supostamente teriam interesse em proteger alguns dos implicados.

A quadrilha é formada por policiais, com uma rede de apoio que envolveria delegados e outros servidores públicos na Secretaria da Justiça e Cidadania de São Paulo, informantes no TJSP e no Ministério Público, além de traficantes, jornalistas e políticos.

Policiais usavam jornalistas para enganar traficantes e desviar droga

Com essa estrutura, o grupo lucrou milhões em um dos esquemas mais criativos e bem planejados já flagrados na história do narcotráfico latino-americano: os policiais roubavam as drogas apreendidas e trocavam por entorpecentes falsos antes de entregar as cargas nos depósitos oficiais.

Tinha tudo para ser o crime perfeito, se o crime perfeito existisse.

Os bandidos fardados apreendiam as drogas monitoradas com ajuda de informantes assim que entravam em São Paulo. Posteriormente, usavam os jornais que noticiavam as apreensões para os traficantes ficarem sabendo e desistirem de ir atrás das cargas.

Dar publicidade às apreensões era parte importante do esquema, pois tirava os donos da droga, alguns ligados a facções criminosas, da jogada.

Segundo os relatos, alguns dos jornalistas e donos de jornais chegavam a supostamente receber ‘favores’, além de informações privilegiadas, para darem publicidade às ações da quadrilha de policiais.

Recentemente, após a corregedoria prender policiais integrantes da quadrilha, algumas publicações teriam, segundo o empresário, chegado a ser ‘acionadas’ para plantar textos com objetivo de questionar as prisões e desqualificar as denúncias.

Logo após tirar os donos da droga do encalço, o caminho ficava livre para segunda parte da operação: trocar a droga apreendida por entorpecentes falsos que chegavam aos laboratórios e depósitos do Instituto de Criminalística da Secretaria da Justiça e Cidadania de SP.

Cléber Gimenez: policial virou megatraficante com ‘droga dos outros’

Era aí que, segundo os relatos do empresário escondido em MS, entrava o então investigador-chefe do 77º Distrito Policial de São Paulo, Cléber Rodrigues Gimenez, de 47 anos. Ele está preso desde janeiro, pela Corregedoria da PCSP.

O policial é conhecido na quadrilha que construiu e chefiava como ‘Jovem’. Ter uma ‘alcunha’ era só uma das inúmeras semelhanças entre a conduta do tira e da bandidagem.

Segundo os relatos da testemunha que aguarda um acordo de colaboração, ‘Jovem’ mantinha laços estreitos com as facções e traficantes que enganava com as falsas apreensões e chegava a ganhar duas ou três vezes sobre a mesma carga.

“Ele cresceu o olho e logo conseguiu que os poderosos colocassem ele em ponto estratégico da Polícia de São Paulo. Ele foi para uma delegacia onde tinha total liberdade e amparo para agir e centralizou a dos policiais”, resume o empresário.

Logo, Gimenez chegou a abrir um depósito para o esquema no bairro do Bom Retiro, na capital paulista. Era lá que as drogas apreendidas eram trocadas pelo ‘vira’, como é chamado o entorpecente falso usado, antes de serem oficialmente guardadas nos depósitos da polícia.

O ‘vira’ de Gimenez era de qualidade. Assim, segundo os relatos da testemunha, a quadrilha usava parte de droga verdadeira roubada de traficantes para multiplicar o volume por 10. Para isso, usariam misturas de talco, gesso, cafeína e lidocaína.

Segundo o empresário, a mistura chegava a acusar positivo nos testes com reagentes, dando mais credibilidade ao esquema. Além disso, policiais no IC de São Paulo asseguravam laudos sempre atestando a ‘pureza’ da droga que apreendiam.

“Não tem mais salvação”: testemunha teme manobra para não prender policiais

Enquanto isso, ‘Jovem’ tinha uma rede de distribuição para a droga verdadeira que desviava. Foi aí, segundo o ex-colaborador de Campo Grande, que começou a cair.

“O Gimenez cresceu o olho. Desde 2020, quando foi transferido, ele centralizou as operações de todos os policiais corruptos. Nessa caminhada, ele se envolveu com a venda direta. Daí, roubou e matou muito PCC. Ele atrasava para quem achava que tinha que atrasar”, revela.

Diversos crimes da quadrilha seriam supostamente imputados a falsas disputas entre facções para afastar da quadrilha os olhares dos criminosos ligados ao PCC ou ao CV.

“A Polícia Civil de São Paulo não tem mais salvação. Ali esta tudo perdido, e os indícios pra mim são de que estão empenhados em salvar o Gimenez para proteger gente graúda que ajudava ele e recebia”, pondera.

Ele conta que resolveu se esconder depois que as autoridades paulistas deixaram de dar retorno sobre a proposta do acordo de colaboração que ele apresentou. “Me falaram que eu tenho que ir lá pessoalmente para negociar os termos de um acordo. Se eu pisar no estado de SP, certamente estão esperando para me matar”, conclui.

Divisa de MS com SP: ‘mina de ouro’ dos policiais corruptos

Para afirmar que a PCSP ‘não tem mais salvação’, o empresário conta que policiais de todo o estado mais rico do país seguiam até a divisa com Mato Grosso do Sul para ganhar dinheiro cobrando propina de traficantes após apreender as cargas que entravam por MS.

“Ali virou a mina de ouro para os policiais de São Paulo. Como eu tinha uma empresa de rastreio, foi assim que conheci o ‘Jovem’ e entendi todo o esquema. Mas, eu mesmo, nunca me envolvi diretamente com o tráfico”, argumenta.

‘Jovem’, que antes fornecia o ‘vira’ para os colegas, começou a centralizar a operação e proibir os outros policiais de agir. Assim, ele distribuía a comissão entre os envolvidos.

Segundo o empresário escondido em MS, a chefe da delegacia para onde Gimenez foi transferido por suposta influência de um político também estava no esquema e cobrava até 30% para ‘liberar’ a atuação dos tiras e não prender os policiais.

Maria Cecília Castro Dias, delegada da PCSP, foi afastada das funções no último dia 7, também implicada nas investigações da Corregedoria da PCSP. Antes de ser transferida para a 77ª DP, Maria Cecília era titular do distrito de Bom Retiro, bairro onde ficava o galpão da organização criminosa.

Droga em carga de frango: quadrilha chegou a comprar em MS

Segundo o empresário de Campo Grande, com o crescimento do esquema, e a decisão de ‘Jovem’ de entrar no ramo de distribuição direta, a quadrilha começou a ‘esbarrar’ em outros esquemas de narcotráfico.

“Ele pegava a droga desviada e negociava com gente grande que levava para fora. Era muito dinheiro, porque o custo era ínfimo e ele vendia em euro. Mas daí, ele começou a querer aumentar a escala, e decidiram a vir negociar direto”, conta.

Desta forma, segundo ele, um ajudante de ‘Jovem’, chamado Gustavo, chegou a negociar drogas diretamente em Mato Grosso do Sul. Foi assim que supostamente teriam armado um esquema para tirar droga de MS disfarçada em cargas de frango.

Um caminhão do esquema chegou a tombar em Minas Gerais. Uma policial foi flagrada escoltando a carga, mas alegou que fazia um ‘bico’ para uma seguradora. A ‘desculpa’ foi suficiente para evitar aos colegas prender policiais e a servidora ficou fora da ocorrência de tráfico de drogas.

O MPSP (Ministério Público de São Paulo), questionado sobre o andamento das investigações, se limitou a confirmar que há um procedimento, que corre em segredo de Justiça.

Já os contatos com a Corregedoria da Polícia Civil de SP não foram respondidos até o momento. A defesa de Gimenez também não se manifestou. O espaço segue aberto para futuras manifestações.

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