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Polícia

Delegada que atendeu Vanessa horas antes de feminicídio chegou à Deam mesmo em estágio probatório

Em áudios enviados a amigos, Vanessa falou sobre modo ‘frio e seco’ da delegada
Thatiana Melo -
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Vanessa registrou boletim de ocorrência na Deam horas antes de morrer. (Arquivo Pessoal; Marcos Ermínio, Jornal Midiamax)

A delegada que atendeu a jornalista Vanessa Ricarte, de 42 anos, e registrou o boletim de ocorrência em que a vítima denuncia o ex-noivo é a delegada Riccelly Maria Albuquerque Donhas, que passou no último concurso da Polícia Civil, em Mato Grosso do Sul, e está em estágio probatório.

A suposta inexperiência da delegada é apontada pelos próprios colegas de profissão como um dos fatores determinantes para que Vanessa classificasse, em áudio enviado para uma amiga, que foi tratada de maneira ‘fria e seca’ na Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), horas antes de ser assassinada pelo seu ex-noivo.

O local, que deveria ser de acolhimento à vítima, foi de orientações desencontradas. A jornalista ainda relata que uma delegada teria dito para ela ligar para Caio pedindo que ele deixasse a sua residência. 

Delegada na especializada

De acordo com colegas de Riccelly, é ‘estranho’ o fato de uma recém-aprovada, em estágio probatório, estar já atuando em uma delegacia especializada, e na Capital, Campo Grande.

A delegada entrou para a Polícia Civil em 11 de julho de 2022, sendo lotada na Capital, e terminou a academia em 56º lugar. Colegas mais bem colocados que Riccelly na Acadepol ainda estão em delegacias do interior, em cidades como Mundo Novo, Antônio João, Sidrolândia, Dourados e Figueirão.

Antes de atuar na Deam, a delegada estava na Depac (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário) de Campo Grande. Lá, os relatos dos colegas são de que ela atenderia ‘de cara fechada’.

“Reclamavam muito do atendimento dela, da falta de acolhimento. Agora imagina em uma delegacia especializada, como a de atendimento a mulheres vítimas de violência? O delegado tem que ter o mínimo de empatia”, relata outro colega de carreira.

‘Rejeitado’ escolta

Em entrevista coletiva, a delegada titular da Deam, Eliane Benicasa, disse para toda imprensa campo-grandense que teria oferecido escolta, mas a jornalista teria ‘rejeitado’. Vários jornais de Campo Grande compraram a versão policial.

Os relatos de Vanessa apontam descaso e erros grosseiros no atendimento que ela recebeu quando procurou ajuda na Casa da Mulher Brasileira. Como em muitos casos de feminicídio em Mato Grosso do Sul, a ajuda não chegou a tempo.

A jornalista detalhou para uma amiga pouco antes de ser assassinada que esperava ‘chegar com a polícia’ para tirar o assassino da casa dela. Não conseguiu.

Sem escolta, Vanessa foi morta com três facadas pelo agressor, que já tinha longo histórico de ocorrências por violência doméstica.

O Jornal Midiamax entrou em contato com a delegada Riccelly para saber se todos os protocolos foram seguidos. Em resposta, a delegada se limitou a dizer que não foi ela quem realizou o atendimento a que Vanessa se referia no áudio.

No entanto, o Midiamax teve acesso ao boletim de ocorrência do caso, em que consta o nome de Riccelly como a plantonista responsável pelo registro. “Vocês estão expondo meu nome e meu trabalho de forma errada”, afirmou.

Ainda segundo a delegada, o atendimento a que Vanessa se refere teria acontecido em momento posterior. O Midiamax ainda aguarda um posicionamento oficial sobre o caso.

Também foi questionado à DGPC (Delegacia Geral Polícia Civil) o fato de Riccelly já estar em uma delegacia especializada da Capital, sendo que outros delegados mais bem colocados que Ricelly ainda estão no interior.

No entanto, até a publicação da matéria, não obtivemos resposta. O espaço segue aberto para futuras manifestações.

Neste fim de semana, em uma reunião com a Comitiva do Ministério das Mulheres, em Campo Grande, após o feminicídio da jornalista Vanessa Ricarte, de 42 anos, foi discutida a revisão do protocolo de situação de risco de vítimas, segundo a desembargadora Jaceguara Dantas, titular da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul).

Reunião Comissão

A Comitiva do Ministério das Mulheres em Campo Grande afirmou que o atendimento da Casa da Mulher da Capital precisa de aperfeiçoamento. Reunião deste domingo (16) terminou com a promessa de produção de relatório sobre melhorias no atendimento às mulheres na Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de MS) e Casa da Mulher Brasileira.

O documento deverá ser entregue à ministra Cida Gonçalves e posteriormente a autoridades nacionais, para providências sobre as denúncias apontadas em áudio da jornalista morta pelo ex-noivo.

A ouvidora do Ministério da Mulher, Graziele Carra Dias, disse que o atendimento “precisa ser aperfeiçoado em vários setores, não só aqui na Casa da Mulher em Campo Grande, mas como em várias outras casas das mulheres”.

Apontou que existe um “monitoramento constante com a CNEV e com o Ministério das Mulheres em outras Casas”. Disse que a visita é frequente em outras unidades da Casa da Mulher. “Aqui, como é a mais antiga, né, é o primeiro protocolo, primeiro de relacionamento, então tudo isso está sendo aperfeiçoado”, reforçou.

11 passagens por violência doméstica

Caio do Nascimento Pereira, feminicida no caso da jornalista Vanessa Ricarte, de 42 anos, morta a facadas, acumulava 11 registros por violência doméstica. Ele foi preso e levado para a Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher). Caio teve a prisão preventiva decretada. 

Os boletins de ocorrência de violência doméstica começaram a ser registrados em 2020. Em um dos casos, uma ex-namorada foi parar na Santa Casa depois de ser agredida pelo músico. A ex-namorada agredida teve queimaduras no rosto e braços, o que parecia ser fricção no asfalto.

A filha da vítima na época relatou que a mãe foi agredida pelo seu ex-namorado na casa dele e que teria pego um motorista de aplicativo até sua casa, momento em que o ex-namorado chegou pilotando uma motocicleta logo atrás da vítima. Assim, ela ligou para a polícia e o agressor fugiu do local.

A vítima, na época, contou que o músico era usuário de drogas e muito agressivo, por conta disso ficou traumatizada e faz tratamento médico devido à gravidade do fato.

Uma outra ex-companheira de Caio registrou vários boletins de ocorrência contra ele. Um dos registros foi em 2024, após a separação do casal. Na delegacia, ela disse que conviveu maritalmente com Caio por 1 ano, e que sofria violência psicológica. A mulher havia solicitado medidas protetivas contra o músico.

Em 2023, ele teve outro registro na Deam por violência psicológica contra mulher. Em fevereiro de 2023, a ex-mulher de Caio procurou a Deam depois de ser sistematicamente perseguida por ele. Na época, ele contou na delegacia que conviveu com o autor por aproximadamente 11 anos, sendo que terminaram o relacionamento há cerca de 2 anos e meio.

Ela ainda contou que o autor não aceitava o término do relacionamento; que mesmo a vítima tendo relacionamento com outra pessoa, o autor ficava querendo saber da sua vida e onde estava morando. O autor a agredia verbalmente, dizendo que ela seria uma criminosa, péssima mãe, ser humano deplorável, doente e manipuladora; e lhe fazendo ameaças dizendo que a vítima não imagina o que lhe aguardava.

Feminicídio de Vanessa

A jornalista Vanessa Ricarte, de 42 anos, servidora pública que trabalhava no MPT-MS (Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul) morreu na Santa Casa de Campo Grande na noite do dia 12 deste mês, vítima de feminicídio.

Ela foi esfaqueada em casa, no Bairro São Francisco, pelo companheiro, o músico Caio Nascimento, que foi preso em flagrante logo após o crime. Vanessa foi esfaqueada três vezes na região do tórax e depois levada em estado gravíssimo à Santa Casa, onde veio a óbito.

As informações são de que Vanessa tinha relacionamento há algum tempo com o autor e, há quatro meses, passaram a morar juntos na casa dela.

Na madrugada de quarta-feira (12), Vanessa chegou a ir até a Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), acompanhada de um amigo, para registrar um boletim de ocorrência por agressão contra Caio.

No período da tarde, ela foi até sua casa, acompanhada do mesmo amigo, para pegar seus pertences. Chegando na residência, ela foi esfaqueada no peito por Caio.

O Corpo de Bombeiros foi acionado, realizou os atendimentos e a encaminhou para a Santa Casa, onde faleceu na noite de quarta. A Polícia Militar foi acionada e prendeu Caio em flagrante na residência.

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*Matéria editada às 14h15, após posicionamento da delegada Riccelly. A reportagem acionou a parte antes da publicação, conforme registrado em ligações e mensagens, mas a delegada só se posicionou posteriormente.

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