“A liberdade da moto é incrível, mas a vida que está nela vale muito mais”, diz Felipe Oliveira, motociclista e vítima de um acidente de trânsito. Sete anos após ter sua perna amputada em decorrência da colisão com uma caminhonete, Felipe enxerga a deficiência com outros olhos e valoriza a segunda chance que teve.
Neste domingo (27), é celebrado o dia do motociclista, e o Jornal Midiamax apresenta a história de três motociclistas que tiveram suas vidas completamente mudadas após acidentes de trânsito.
Em uma fração de segundos
Como muito trabalhadores, Roney Vasques, de 38 anos, atuava como motoentregador. Percorria as ruas de Campo Grande de motocicleta, prestando serviço sobre duas rodas, com experiência, carteira de habilitação, manutenção de seu veículo em dia e nunca imaginou que poderia ser mais uma vítima de acidente de trânsito.
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No dia 10 de março de 2019, Roney percorria a Av. Pref. Lúdio Martins Coelho quando foi atingido por um carro Ford Del Rey. “Eu não sei se ele não me viu, se foi de propósito, ou se tinha que acontecer”, relembra. Na ocasião, ele estava com sua ex-mulher na garupa, mas ela não se feriu. Já o motociclista passou por uma cirurgia e teve sua perna esquerda amputada, mudando definitivamente sua vida.

O acidente de Joel Faustino, de 48 anos, não foi diferente. Voltando da casa de sua mãe, no dia 1º de maio de 2009, ele pilotava a motocicleta na Av. dos Cafezais, no Jardim Centro-Oeste, quando também foi atingido por um carro.
“Quem me encontrou foi um policial civil, ele arrancou um pedaço da minha camiseta, e fez um torniquete na minha perna”, explicou.
A última lembrança de Joel do acidente é de olhar para a própria perna e ver o tornozelo torcido, ele só foi acordar no dia seguinte, após a cirurgia de amputação.
“O médico falou para minha esposa que eu tinha 10 minutos de vida, mas o ponto final quem dá é Deus. Desses 10 minutos, eu já vou para 14 anos vivo”, relembra.

Aos 20 anos, no início da carreira militar do exército, Felipe Valenço Oliveira viu sua vida mudar em uma fração de segundos. Era uma noite de sexta-feira em 2018, ele estava em sua motocicleta percorrendo a Av. Virgínia Ferreira, uma das principais vias do município de Coxim, quando foi atingido por uma caminhonete Toyota Hilux.
“Acordei e vi que a minha perna já estava dilacerada, porém, eu ainda tive tranquilidade de desbloquear meu celular, liguei para minha mãe e avisei que estava tudo bem”, explicou. Felipe foi transferido com urgência para Santa Casa de Campo Grande, onde passou por uma cirurgia trans tibial — amputação abaixo do joelho — da perna esquerda.

E depois do acidente?
As histórias destacadas na reportagem não se conectam somente por seus personagens serem vítimas de acidente de trânsito envolvendo motocicletas. Cada um, da própria maneira, encontrou uma forma de ressignificar esse momento vivido, desde a percepção do próprio corpo após uma grande mudança anatômica, como amputações; à retomada da vida, que normalmente começa em processos de reabilitação, inclusive, com uso de próteses.
Segundo a psicóloga clínica Mayara Scura, é importante que as vítimas aprendam a pedir ajuda nesse processo. “Isso pode ser tão difícil para algumas pessoas que sempre se doaram e ajudaram tanto, que pode até ter uma resistência”, explica.

Para Roney, que há 10 anos trabalhava como motoentregador, o mais difícil foi precisar ficar em casa. “Em relação ao impacto emocional, o mais difícil no início da amputação foi ter que ficar em casa sem ter o que fazer. Eu era ligado no 220, e se tornar 110 é muito difícil”, contou.
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Já Felipe, que amava praticar esportes, independente da modalidade, achou que os seus sonhos tinham se encerrado no dia do acidente de motocicleta. “No começo eu senti muito esse impacto, tive depressão, achava que aquilo ia me limitar, que não conseguiria realizar mais nenhum esporte”, relembrou.
Mayra explica que o acidente pode mudar como as pessoas ‘enxergam’ a vida. “É como se aquele acontecimento fosse ditar o que a pessoa é ou até onde a pessoa pode ir”, disse. Para ela, os acidentes deixam algum sofrimento, sendo preciso tratar do tema com cuidado e atenção.
O maior suporte emocional de Joel foi o próprio filho: ele que ajudou o pai a se recuperar do estresse pós-traumático decorrente do acidente.
“Fiquei mais de um ano deprimido, pensava no que ia fazer da minha vida. Aí surgiu esse molequinho aqui no corredor. Como eu era jogador, ele disse: ‘pai, eu quero ser jogador igual ao senhor’, e foi isso que me levantou”, recorda.
Redescobrir-se após o trauma
“Quando a gente tem situações impactantes na vida, como um acidente, como a amputação de um membro, a gente tem que se redescobrir”, explica Mayara.
E foi exatamente isso que Roney, Felipe e Joel fizeram: buscaram a reinvenção de si após um momento trágico de suas vidas. Encontraram no futebol para amputados um amor e significado para tudo que passaram.
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“Eu não sabia que podia tanta coisa, fazer tudo isso. Não consigo me olhar antes com a perna, sempre me vejo sem ela. Acho que o objetivo dela era até o dia 10 de março de 2019, dali para frente seria só com a perna direita”, conta Roney. Atualmente, ele faz parte do Pantanal Esporte Clube Futebol para Amputados, um time composto somente por atletas com deficiência.

Apesar de uma recuperação lenta e dolorida, Felipe conseguiu se adaptar à nova realidade. “A deficiência não vem para limitar a gente, como eu sempre falo, ela vem para deixar mais difícil, mas você consegue fazer tudo, como qualquer outra pessoa”, explica. Após quatro anos longe dos campos, ele retornou aos gramados em uma nova modalidade.
“Já estou há três anos jogando futebol para amputados, atualmente jogo no Acre Clube Futebol para Amputados, sou campeão da Copa Brasil, campeão do Paulista e fui convocado para a Seleção Brasileira Paralímpica”, conta com orgulho.

Desde a primeira vez que experimentou uma prótese, Joel se empenhou em se adaptar e se tornou treinador do seu filho. “Eu comecei a treinar meu filho nesse corredor, aí muitas pessoas foram me chamando, e hoje eu sou técnico com deficiência formado pela federação”, explica.

Mayara ainda reforça que, mesmo após o acidente, as vítimas ainda têm escolhas, aquela mudança não dita o resto da história. “A vida não acabou, ela continua depois do acidente, e a gente pode escolher como vamos continuar”, finaliza.
A cada hora, uma pessoa sofre acidente com motocicleta em MS
Só nos primeiros seis meses de 2025, Mato Grosso do Sul registrou 4.861 vítimas em acidentes envolvendo motos. Isto quer dizer que, a cada hora, uma pessoa sofre acidente com motocicleta no trânsito do Estado, segundo o Detran-MS (Departamento Estadual de Trânsito).
Considerando os dados anuais consolidados, entre 2021 e 2024, o número de vítimas subiu 25% em MS. A média deste período é de 14.519 vítimas por ano. De 2021 até julho deste ano, 66.746 sul-mato-grossenses foram vítimas deste tipo de acidente, em 36.146 sinistros. Neste período, Campo Grande teve 19.820 casos, Dourados 3.571 e Três Lagoas 2.542.
Em Campo Grande, 26 pessoas morreram em acidentes com motos em 2025, o que representa 83% do total de mortes registradas no ano (31). A frota da Capital conta com 370 mil motocicletas e a cidade soma 2.324 acidentes com este tipo de veículo no ano, vitimando 4.861 pessoas, segundo o Detran-MS.
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