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Polícia

19 anos depois, mulheres de MS que menos conhecem Lei Maria da Penha sofrem mais violência

Enfrentamento à violência avançou com lei Maria da Penha, mas especialistas defendem melhorias
Adriel Mattos, Layane Costa -
A partir de 2006, atendimento às vítimas de violência passou a ser integrado e avançou com novas legislações. (Arte: Giovana Gabrielle, Midiamax)

Há quase duas décadas, entrava em vigor um dos pilares do combate à violência contra a mulher no Brasil. A Lei Federal 11.340/2006 recebeu o nome de Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de que se tornou símbolo do enfrentamento.

A lei é um marco internacional, considerada uma das três melhores legislações do mundo na defesa das mulheres em situação de vulnerabilidade, e que vem, ao longo de quase 20 anos, passando por contínuos aperfeiçoamentos.

Contudo, apesar dos avanços, o desafio de agentes públicos, tanto de segurança pública, do Judiciário e de políticas públicas, é colocar a legislação em prática, sobretudo nas situações em que a ausência do estado é maior.

Esta é a primeira de uma série de quatro reportagens especiais do Jornal Midiamax em alusão ao Agosto Lilás, mês voltado à conscientização sobre a violência de gênero em suas diversas modalidades. Nesta, as quase duas décadas da Lei Maria da Penha, celebrados no próximo dia 7, consistem no tema principal, assim como os desafios e perspectivas para que direitos previstos na legislação sejam de amplo conhecimento de seu público-alvo: mulheres.

Maioria não conhece Lei Maria da Penha, diz subsecretária

Manuela Nicodemos tem mais de 20 anos de atuação na área de direitos humanos e gênero. Com experiência de implementar políticas públicas em vários estados, ela é a atual subsecretária de Políticas Públicas para Mulheres de .

Para ela, o principal marco da Lei Maria da Penha foi dar início à integração dos serviços de acolhimento às vítimas. “A Lei Maria da Penha não é punitivista. Ela preconiza uma rede de serviços especializados. São outras peças penais, são outras leis que determinam o tempo de prisão do agressor. A lei tipifica a violência doméstica e familiar”, esclarece.

Nesse contexto, apesar da legislação estar completando 19 anos, Manuela reforça que muitas mulheres ainda desconhecem os direitos que têm. Pesquisa do Instituto DataSenado, vinculado ao Senado Federal, corrobora para o cenário descrito pela gestora: 67% das sul-mato-grossenses conhecem pouco a Lei Maria da Penha, conforme levantamento realizado em 2023.

Medidas protetivas ainda são pouco conhecidas

As medidas protetivas de urgência são instrumentos legais que impedem que o agressor se aproxime da vítima. Caso o suspeito seja pego em desobediência à ordem judicial, pode ser preso. “Mulheres devem ser informadas que as medidas protetivas existem e [que são] garantidas pelo Poder Judiciário, e como é importante que elas mantenham a solicitação desse direito”, pontua a subsecretária.

Manuela prossegue explicando que muitas vítimas desconhecem que precisam solicitar a renovação das medidas protetivas, que podem ter prazo dependendo da decisão judicial. 

“É ainda muito expressivo o número de medidas que não se solicita a continuidade e que acaba revogada. E muitas vezes, as mulheres solicitam para retirar a medida protetiva, ou para não dar continuidade. Com isso, elas estão em risco”, alerta.

Manuela Nicodemos, subsecretária de Políticas Públicas para Mulheres de Mato Grosso do Sul. (Foto: Paula Maciulevicius, SEC-MS)

Subsecretaria defende integração de serviços para mulheres

Atualmente, a pasta leva aos municípios de Mato Grosso do Sul orientação para integrar serviços para evitar ao máximo a violência.

“As políticas públicas falham quando não trabalham juntas, de uma forma integrada. A gente tem conseguido trabalhar isso e levar esse tom para os municípios. Quando, por exemplo, a gente tem uma agenda de formação da rede de atendimento à mulher em situação de violência nos nossos municípios, sentamos com todas as pastas”, detalha.

“Não adianta só colocar policial na rua. O problema da violência é um problema de educação, é um problema de saúde, é um problema de assistência social”, pontua a subsecretária. A fala reforça a noção de que aumentar o policiamento não é a chave para reduzir ou zerar os feminicídios.

Assim, para começar a vencer esses ciclos de violência, a gestora defende que a educação seja a base. “Se a gente investe, por exemplo, em segurança pública, coloca mais policial na rua, vai ter mais investigação, mas não é só sobre isso, é sobre não evitar a violência. Isso acontece quando a gente tem um programa com a educação, para discutir educação para igualdade, educação baseada no respeito, educação não sexista”, explica.

“A gente não vai mudar essa realidade se não trabalhar com as adolescentes e os adolescentes. É ali que surge a primeira expressão da violência de gênero, é contra as meninas até os 19 anos. É naquele contexto que uma mulher vítima de violência doméstica familiar tem contato com uma relação de violência de gênero”, conclui.

Na Câmara de Campo Grande, Procuradoria da Mulher atua além do Legislativo

A vereadora Luiza Ribeiro (PT) é atual chefe da “Procuradoria Especial da Mulher Vanessa Ricarte”, da Câmara Municipal de . Além de auxiliar na elaboração de leis observando a perspectiva de gênero, o órgão fiscaliza a atuação das forças de segurança.

“Se for uma reclamação contra a Casa da Mulher Brasileira, a gente faz a recepção desta reclamação e encaminhamos mediante ofício ou indicação. No que se refere à formulação legislativa, a Procuradoria ajuda a Câmara de Vereadores a produzir as leis com um olhar de gênero. Então, todas as proposições legislativas que tenham no tema central a questão de gênero passa também pela Procuradoria, que dá o parecer, inclusive propondo alterações”, detalha.

O exemplo mais recente da atuação da Procuradoria foi no caso Vanessa Ricarte, que agora dá nome ao órgão. Em fevereiro de 2025, a jornalista foi assassinada pelo noivo em Campo Grande. Antes de ser morta, ela revelou que não foi acolhida como esperava na Casa da Mulher Brasileira. 

“Foram várias audiências que surgiram no sentido de levar para as autoridades a voz de organizações de mulheres a respeito do que acontece hoje no combate à violência contra a mulher em Mato Grosso do Sul, em Campo Grande”, lembra a vereadora.

Trabalho de Procuradoria ajudou a forçar mudanças na Casa da Mulher Brasileira

Para Ribeiro, essa crise no enfrentamento à violência se deu por falta de atenção à Casa da Mulher Brasileira. “O protocolo de atendimento, que vigorou durante muito tempo, era muito bom. Mas, ele foi abandonado. Você chega lá, faz uma reclamação grave, o inquérito fica parado?”, lamenta Luiza.

Luiza Ribeiro, titular da Procuradoria Especial da Mulher da Câmara (Foto: Eliel Dias, Jornal Midiamax)

A procuradoria solicitou ao Governo do Estado que o efetivo da Deam seja ampliado. “Fomos lá e reivindicamos a designação de mais delegadas, escrivãs e investigadoras e que também fosse aberta uma outra Delegacia Especializada da Mulher, em outra região da cidade. Agora estamos acompanhando algumas ações feitas pelo Governo do Estado e pelo Tribunal de Justiça”, pontuou.

Para superar essa crise, Luiza defende capacitação contínua para essas servidoras. “É preciso sempre uma capacitação continuada, porque todo esse conjunto precisa estar atento, porque o comportamento nosso de tolerância com a violência contra a mulher é muito presente em razão de uma concepção cultural machista”, comenta.

Igualdade de gênero é outro passo para alcançar fim da violência

Luiza defende a necessidade de igualdade de gênero, aprimorando as políticas públicas.

“Todos nós temos que colocar uma lente nos olhos que é a lente da igualdade de gênero. Quando você passar a ver todas as situações com este olhar, com o olhar de que homens e mulheres são realmente sujeitos iguais em todos os aspectos de direito, a gente vai ter uma sociedade equilibrada, mais justa com as mulheres”, argumenta.

“Nós temos que apoiar as mulheres fortemente. Quando a gente fala que precisa de política pública para educação infantil, é pra essa família. Quando a gente fala que nós precisamos atender as mães atípicas, com remédio, com fralda. São várias temáticas e que para isso precisa ter um organismo forte”, finaliza a vereadora.

O que diz o Governo do Estado

Em relação à possibilidade de instituir a Secretaria de Estado de Políticas Públicas para Mulheres, o Jornal Midiamax questionou o Governo do Estado, por meio da Secom (Secretaria-Executiva de Comunicação), mas até esta publicação, não houve resposta.

A série especial Agosto Lilás, elaborada pelo núcleo de Jornalismo Policial do Jornal Midiamax, continua nesta terça-feira (5).

📍 Onde buscar ajuda em MS

Em Campo Grande, a Casa da Mulher Brasileira está localizada na Rua Brasília, s/n, no Jardim Imá, 24 horas por dia, inclusive aos fins de semana.

Além da Deam, funcionam na Casa da Mulher Brasileira a Defensoria Pública; o Ministério Público; a Vara Judicial de Medidas Protetivas; atendimento social e psicológico; alojamento; espaço de cuidado das crianças – brinquedoteca; Patrulha Maria da Penha; e Guarda Municipal. É possível ligar para 153.

☎️ Existem ainda dois números para contato: 180, que garante o anonimato de quem liga, e o 190. Importante lembrar que a Central de Atendimento à Mulher – 180 é um canal de atendimento telefônico, com foco no acolhimento, na orientação e no encaminhamento para os diversos serviços da rede de enfrentamento à violência contra as mulheres em todo o Brasil, mas não serve para emergências.

As ligações para o número 180 podem ser feitas por telefone móvel ou fixo, particular ou público. O serviço funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana, inclusive durante os fins de semana e feriados, já que a violência contra a mulher é um problema sério no Brasil.

Já no Promuse, o número de telefone para ligações e mensagens via WhatsApp é o (67) 99180-0542.

📍 Confira a localização das DAMs, no interior, clicando aqui. Elas estão localizadas nos municípios de Aquidauana, Bataguassu, Corumbá, Coxim, Dourados, Fátima do Sul, Jardim, Naviraí, Nova Andradina, Paranaíba, Ponta Porã e Três Lagoas.

⚠️ Quando a Polícia Civil atua com deszelo, má vontade ou comete erros, é possível denunciar diretamente na Corregedoria da Polícia Civil de MS pelo telefone: (67) 3314-1896 ou no GACEP (Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial), do MPMS, pelos telefones (67) 3316-2836, (67) 3316-2837 e (67) 9321-3931.

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