Emaranhados: Furtos de fios de cobre viram problema crônico e se espalham por Campo Grande

Usuários de droga e criminosos comuns são ‘massa de manobra’ de esquemas de receptação de cobre

Ouvir Notícia Pausar Notícia
Compartilhar
Furto de fios são quase diários em Campo Grande – (Foto: Ana Laura Menegat)

Semáforos sem funcionar. Regiões sem acesso à internet. Imóveis sem água e energia elétrica. Esses são alguns dos prejuízos que o furto de fios traz para as grandes cidades. E Campo Grande, como uma cidade do porte que é, com seus cerca de 910 mil habitantes, conforme dados do último Censo Demográfico realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), também não escapa desse delito.

Mas você já se perguntou qual o caminho que um fio furtado percorre? Ou quais as intenções de quem comete esses furtos? A verdade é que existe um comércio lucrativo com a venda de cobre e, apesar do enfoque ficar, muitas vezes, apenas no furto, os receptadores – isto é, aqueles que compram os materiais furtados – não podem ficar ocultos.

Nessa série de reportagens do Jornal Midiamax, você vai conhecer os caminhos desses dois crimes distintos, praticados com o mesmo intuito, mesmo que se diferenciem em alguns pontos: obtenção de lucro.

Dados da GCM (Guarda Civil Metropolitana) de Campo Grande mostram que, em 2023, foram 107 casos de furto de fios, média de nove furtos por mês. Apenas nos seis primeiros meses de 2024, a Guarda atendeu 73 casos de furto de fios, o que corresponde a 70,8% do total do ano passado.

As sete regiões urbanas são acometidas pelo furto de fios, segundo dados da GCCO (Gerência do Centro de Controle Operacional) da Guarda Municipal. A maior incidência é na região do Anhanduizinho, com 18 atendimentos. Já o bairro com a maior concentração de atendimentos foi o Amambai, localizado na região Centro, com 8 furtos. A GCCO monitora diversas áreas da Capital sul-mato-grossense em tempo real, por videomonitoramento.

(Fonte: GCM, Arte: Marcos Ermínio)

A GCM também trabalha em rondas ostensivas pela cidade, de maneira preventiva. Conforme o subcomandante da Guarda e coordenador de Operações, Alexandre Pedroso, as abordagens são feitas em casos suspeitos. “Utilizamos nossas viaturas, temos nossas equipes de duas ou quatro rodas, mapeando praças e outros logradouros para podermos verificar qualquer índice criminal, algo que esteja em desacordo”, explica.

Quando os suspeitos são flagrados com materiais que possam indicar furto, como fios de cobre, cabos de energia elétrica, tampas de bueiro, tampas de esgoto ou cabos de telefonia, são conduzidos em flagrante para as delegacias de polícia – geralmente, a Depac (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário) do Cepol – para registrar o caso como furto.

Central de Operações da GCM monitora cidade em tempo real – (Foto: Nathalia Alcântara)

Prejuízos pela cidade

Os prejuízos que o furto de fios deixa pela cidade são inúmeros e afetam diversos setores. Um deles é o Trânsito. Rotineiramente, a onda de furto de fios deixa semáforos desligados ou danificados.

Em janeiro, por exemplo, o Jornal Midiamax noticiou que, em mais uma manhã, semáforos de trechos movimentados, como no cruzamento da Avenida Afonso Pena com Rua Rui Barbosa e extensão da Avenida Bandeirantes, estavam desligados ou intermitentes. Um dos fatores que levou a essa situação, com risco de acidentes, foi justamente o furto de fios, conforme informou a Prefeitura Municipal de Campo Grande em nota.

  • “Os semáforos são ligados na rede de energia elétrica e dependem dessa energia para seu funcionamento, sendo assim quando acaba a energia na rede ou quando essa energia oscila, os semáforos desligarão ou ficarão em modo intermitente. Além disso, temos diariamente furtos de cabos, que desligam ou danificam os semáforos, também descargas elétricas que danificam os equipamentos, e acidentes de trânsito, dentre outros”, disse nota da Prefeitura em janeiro.

A reportagem tentou contato com a Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito) para apurar o número total de atendimentos a ocorrências com furto de fios em semáforos, contudo, não obteve retorno.

Outro setor também afetado pelo crime é a Saúde Pública. Em maio deste ano, a UBS (Unidade Básica de Saúde) da Vila Carlota teve que ter seus atendimentos suspensos por conta da falta de energia. O motivo: fios elétricos da unidade foram furtados.

Com o furto, os pacientes que procuraram atendimento precisaram ir até outras unidades para conseguirem auxílio médico e, os que tinham exames marcados, tiveram que remarcar para outra data.

Na ocasião, a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) informou que a pasta realizava o levantamento dos materiais necessários para que fossem feitos os reparos e os atendimentos, restabelecidos no local. A Sesau também precisou recolher as vacinas por conta da falta de refrigeração.

A reportagem também tentou contato com a Sesau, para apurar o prejuízo que esse furto deixou em unidades de saúde e o valor total para manutenção da UBS da Vila Carlota. A solicitação obteve o seguinte retorno:

  • “A Sesau informa que está realizando um levantamento para verificar se é possível atender à demanda, uma vez que são valores estimados com manutenção das unidades com o restabelecimento da fiação na unidade em questão”.

Morador também sofre

Além dos setores públicos, a população de Campo Grande também tem sua rotina afetada pelo furto de fios. Os semáforos desligados, por exemplo, podem levar a acidentes. As unidades sem atendimentos prejudicam a saúde. E os fios furtados de residências – que, embora poucos, segundo o subcomandante da GCM, Alexandre Pedroso – deixam moradores sem energia elétrica.

Um caso de grande repercussão, registrado em fevereiro deste ano, ocorreu na subestação de energia Campo Grande Progresso, próximo ao Estádio Morenão, e deixou 40 mil casas sem energia elétrica.

Outro caso foi registrado mais recentemente, por um morador da Vila Bandeirantes. O criminoso inicia a ação, subindo em uma árvore e cortando o fio. Neste momento, é interpelado por um morador e vai embora do local, sem maiores preocupações. Ele retorna no outro dia para concluir o ‘serviço’. Corta o fio, recolhe e evade do local. Toda a ação foi gravada entre os dias 31 de março e 1º de abril.

A reportagem também tentou contato com a Energisa, para apurar os prejuízos que os furtos de fios ocasionam na cidade, quantos atendimentos relacionados ao fato foram registrados neste ano e quais os serviços de manutenção realizados pela concessionária, mas não obteve retorno.

Criminoso comum x criminoso dependente

É difícil traçar um perfil exato de criminosos, mas é possível notar algumas características em comum entre quem comete o furto de fios. O subcomandante e coordenador de Operações da GCM, Alexandre Pedroso, explica que há dois tipos de grupo de pessoas que furtam materiais para extração do cobre: criminosos dependentes e criminosos comuns.

Subcomandante da GCM, Alexandre Pedroso – (Foto: Nathalia Alcântara)

“A gente sabe que o perfil criminal da pessoa é diverso, em vários níveis e camadas sociais. Existe o criminoso dependente, que está ali porque é dependente, e existe o criminoso comum, que está acostumado a trabalhar com fiações e tem acesso a meios para um furto em maior volume, como viaturas caracterizadas de empresa responsável, escadas, uniformes, enfim, meios que dificultem sua identificação pela população”, explica.

Em menor volume, mas chocantes. Esses são os delitos cometidos por esses “criminosos comuns”. No dia 25 de julho, por exemplo, as autoridades prenderam um homem, de 30 anos, disfarçado de técnico de telefonia. Ele furtou 300 quilos de fios de cobre de duas empresas, avaliados em R$ 8 mil, no Jardim Leblon. Além dele, outros dois homens estão envolvidos, mas conseguiram fugir.

Os ladrões usavam uniformes e EPI (Equipamento de Proteção Individual) para aparentar que seriam técnicos de telefonia e cometerem o furto. Dois dias depois, o suspeito preso passou por audiência de custódia e a Justiça decidiu pela sua prisão preventiva.

(Reprodução)

Outro caso que ficou marcado nos boletins de ocorrência campo-grandenses ocorreu em maio, quando dois funcionários de uma empresa de telefonia foram presos em flagrante pelo furto de fios de cobre, na região do bairro Jóquei Club.

Durante a abordagem, na Rua das Margaridas, os homens afirmaram à Guarda Municipal que foram acionados por um morador local. Disseram, também, que não havia nenhuma ordem de serviço e que só foram acionados para reparo na rede de internet. Porém, a equipe verificou que não existia o endereço informado pela dupla.

Dupla foi presa em flagrante – (Foto: Divulgação)

Entretanto, o responsável pelos funcionários disse não ter autorizado o serviço. Já o dono da empresa responsável pelos cabos constatou o furto dos fios. Segundo o GCM Pedroso, a participação das empresas e concessionárias é fundamental para a solução dos casos e responsabilização dos autores.

Antes disso, em abril, um homem, de 34 anos, técnico instalador de uma empresa de telecomunicações, foi preso ao furtar aproximadamente 400 metros de fiação de cobre, avaliada em R$ 8 mil, na Rua Nahima I, no bairro Chácara Cachoeira, em Campo Grande.

O suspeito foi preso por furto qualificado e levado para a Depac Cepol. O veículo foi encaminhado para a 3ª Delegacia de Polícia Civil de Campo Grande.

Fiação furtada em Campo Grande – (Foto: Leitor Midiamax)

“Esse delito é muito mais lucrativo para os criminosos comuns do que para os dependentes, porque é feito com mais aparato e, consequentemente, maior facilidade no transporte e até em passar despercebido. É aí que a gente consegue ter noção em uma abordagem do que está acontecendo. Mesmo porque sempre tem um supervisor responsável para indicar a atuação dentro da empresa da pessoa que for autuada”, explica.

A verdade – que pode ser dura para alguns, mas escancarada – é que a maioria dos autores que são flagrados furtando fios está em situação de vulnerabilidade social e urge por dinheiro rápido e fácil, seja para o uso de drogas, seja por estar em situação de rua ou qualquer outro motivo. E eles não vão parar esse ciclo, porque há quem se interesse em lucrar com a venda e revenda desses materiais: os receptadores.

Assista à reportagem em vídeo:

Conteúdos relacionados